terça-feira, 27 de novembro de 2012

Construindo um Império - Roma - 14º episódio (dublado)


Roma - A era dos imperadores


RESUMO DE AULA: ROMA


ROMA

REPÚBLICA

A principal instituição de República romana será o Senado:

- Responsável pela direção de toda política romana.
- Formado por patrícios, que ocupavam a função de forma vitalícia
- O Senado era o responsável pela condução da política interna e da política externa.
- Escolhia os magistrados, que eram cargos executivos.
-Os magistrados eram indicados anualmente e possuíam funções específicas de natureza judiciária e executiva.

O poder do senado era:

- Com relação ao rei, era consultiva (estes, nos casos mais importantes, devia consultá-lo, embora não estivesse obrigado a seguir o conselho);
- Com referência aos Comícios era Confirmatória (toda deliberação deles, para ter validade, devia ser confirmada pelo Senado.

MAGISTRATURA: Chama-se magistratura romana , cargo e conjunto de atribuições com as quais, na antiga Roma, se investia a um cidadão para que desempenhasse determinadas funções relacionadas com a administração e direção política da cidade.

MAGISTRATURAS DE ROMA:

Consulado: Magistratura mais importante, ocupado por dois militares. Um agia em Roma e outro fora de Roma. Em casos de extrema gravidade interna ou externa, esta magistratura - como de resto, as outras também - era substituída pela DITADURA - uma magistratura legal com duração de seis meses.

Tribunos da  plebe: representantes da  plebe  junto ao Senado. Possuíam o poder de vetar as decisões do Senado que afetassem os plebeus, assegurando assim seus direitos.

Questor: responsável pela arrecadação de impostos.

Pretor: encarregado da justiça civil.

Censor: zelava pela moral pública ( a censura) e realizava a contagem da população ( o censo ).

Edil: cuidava da manutenção pública - obras, festas, policiamento, abastecimento.

Existiam dois tipos de magistrados em Roma , as ordinárias e as extraordinárias...Eram características comuns das magistraturas ordinárias:

colegialidade: Eram exercidas, ao mesmo tempo, por mais de uma pessoa (duas, por regra geral). A cada uma tinha a faculdade de vetar as decisões da outra; faculdade negativa, já que só implicava paralisar a actividade do colega, em nenhum caso substituir ou modificar suas decisões.
A eletividade: Seu exercício implicava a prévia eleição do magistrado por parte das eleições centuriados, no caso dos magistrados maiores (censores, cónsules e pretores), ou das eleições tribunados, tratando-se de magistrados menores (ediles e cuestores).
A gratuidade: Eram exercidas gratuitamente; pela só honra que implicava desempenhar o cargo .
temporalidade: Seu exercício estava limitado no tempo. Por regra geral, duravam em um ano; no caso da censura (censor), 16 meses. Não era possível a reeleição imediata .
A gradualidade: Em seu conjunto, formavam um sistema hierarquizo determinado pelo maior ou menor poder que a constituição lhes outorgava à cada uma. Em razão do grau, o magistrado superior podia vetar as decisões do inferior. Ademais, tal hierarquia, determinava o curso que devia seguir a carreira do político romano .
responsabilidade: Seu exercício implicava, responder pelas infrações às leis que, eventualmente, cometesse no cargo. Os magistrados maiores respondiam ao terminar seu mandato; os menores, durante o exercício do mesmo.

AS MAGISTRATURAS EXTRAORDINÁRIAS : Eram aquelas que regiam em períodos de anormalidade provocados já fora por causas externas (por exemplo: uma guerra que pusesse em perigo a existência de Roma) – Tipos: Ditadura e Triunvirato

PODER DOS MAGISTRADOS

Potestas: capacidade de comando ao cargo que capacita para dar ordens. Seus elementos:
- Intercessio: oposição à decisão de um colega, veto.
- Nomeação de servidores públicos.
- Direito a representar à república ante um particular como em uma assinatura.
Auspicium: direito de procurar a aprovação dos deuses. Obrigatoriedade de consultar os deuses em nomeações, em guerra e eleições.
Imperium: administração dos territórios conquistados, convocar exército e cunhar moeda para o exército. Iurisdictio: poder para intervir em assuntos judiciais.

PARA COMPLETAR A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA, RESTAM AS ASSEMBLÉIAS QUE ERAM EM NÚMERO DE TRÊS:

-Assembléia Centuriata: a mais importante da República. Responsável pela votação de todas as leis. Monopolizada pelos patrícios.

-Assembléia Tribunícia: composta pelas tribos de Roma. Aqui a votação era coletiva, pela tribo. O número de tribos de patrícios era maior do que de plebeus.

-Assembléia da Plebe: uma conquista dos plebeus. Tinha por finalidade escolher os tribunos da plebe . As leis votadas nesta assembléia serão válidas a todos os cidadãos, trata-se do plebiscito.

A LUTA ENTRE PATRÍCIOS E PLEBEUS.

- A sociedade romana, como já se observou, era formada por patrícios, clientes e plebeus.
- O monopólio do poder político exercido pelos patrícios, acompanhado pelas pesadas obrigações, impostas aos plebeus – tais como o pagamento de impostos, serviço militar obrigatório em época de guerras e o risco de tornarem-se escravos por dívidas – provocou enormes tensões sociais entre estas duas classes. Os plebeus buscavam a igualdade social e política.

Através de conflitos, os plebeus conseguiram várias conquistas,a saber:
- criação da magistratura do Tribuno da Plebe em 494 a.C..
- Lei das Doze Tábuas em 450 a.C., codificação das leis.
- Lei Canuléia de 445 a.C. , autorizando o casamento entre as classes.
- Lei Licínia de 367 a.C. que aboliu a escravidão por dívidas.
-Lei Hortênsia de 287 a.C. que estabeleceu que as medidas tomadas na Assembléia da Plebe tivessem validade política ( plebiscito ).

A EXPANSÃO TERRITORIAL ROMANA

As conseqüências da expansão romana.A expansão territorial trouxe profundas mudanças na estrutura
social, política, econômica e cultural de Roma:

1.Houve um enorme aumento da escravidão, já que os prisioneiros de guerra eram transformados em escravos.
2.O surgimento dos latifúndios e a falência dos pequenos proprietários.
3.Processo de marginalização dos plebeus, resultado do empobrecimento dos pequenos proprietários e da expansão do escravismo, deixando esta classe sem terras e sem emprego.
4.O surgimento de uma nova classe social – os Cavaleiros ou Homens-novos- enriquecidos pelo comércio e pela prestação de serviços ao Estado: explorar minas, construir estradas, cobrar impostos etc...
5.Aumento do luxo e surgimento de novos costumes.
6.Como resultado da marginalização dos plebeus e do desenvolvimento do escravismo, houve um enorme êxodo rural,tornando as cidades superpovoadas, contribuindo para uma onda de fome, epidemias e violência. Para controlar esta massa urbana, o Estado inicia a Política do Pão e Circo- a distribuição de alimentos e diversão gratuita. Com isto, o Estado romano impedia as manifestações em favor de uma reforma agrária.
7.No plano militar, o cidadão soldado foi substituído pelo soldado profissional, que passou a ser fiel não ao Estado mas sim ao seu general. O fortalecimento dos generais contribuiu para as guerras civis em Roma.

A CRISE REPUBLICANA

A) Os irmãos Graco.

A situação de marginalidade dos plebeus, o aparecimento dos latifúndios; levaram alguns tribunos da plebe a proporem uma reforma agrária: foram os irmãos Tibério e Caio Graco. Os irmãos Graco tentaram melhorar as condições de vida dos plebeus por meio de uma reforma agrária. As terras públicas ( o Ager publicus ) seriam utilizadas para transformar o pobre urbano em camponês, bem como a ampliação da distribuição de alimentos. Mediante estas reformas, acreditavamos tribunos, as tensões sociais diminuiriam.
Os dois irmãos foram assassinados...

B) Os generais Mário e Sila.

O desaparecimento do cidadão soldado veio fortalecer o poder individual de alguns generais, que se utilizavam da popularidade diante de seus soldados para manterem-se no poder. Destaque para o general Mário e o general Sila que levam seus exércitos a conflitos pela disputa do poder político. Estes conflitos políticos, com fortes conotações sociais estão na origem das chamadas guerras civis.

C) Triunvirato.

Período em que o governo de Roma estava dividido entre três generais.O primeiro Triunvirato foi composto por César, Pompeu e Crasso. Com a morte de Crasso, César e Pompeu travam uma disputa pelo poder, resultando na vitória de Júlio César e no início de seupoder pessoal, que dura até o ano de 44 a.C., ano de seu assassinato.O segundo Triunvirato era formado por Caio Otávio ( sobrinho de Júlio César ), Marco Antônio e Lépido. Aqui também haverá uma intensa disputa pelo poder pessoal. No ano de 31 a.C., com a vitória de Caio Otávio sobre Marco Antônio tem início o poder pessoal de Otávio, que se tornará o primeiro imperador romano.

IMPÉRIO.
A principal característica do Império Romano é a centralização do poder nas mãos de um só governante. O longo período das guerras civis, contribuiu para enfraquecer o Senado e fortalecer o exército.
- Caio Otávio será o primeiro imperador de Roma e receberá uma série de títulos, tais como:Augusto ( honra dada somente aos deuses ),Tribuno da Plebe vitalício e Príncipe( o primeiro cidadão do Senado).O seu governo vai do ano 31 a.C. até o ano 14 d.C. Realizou reformas que contribuíram para a sua popularidade:
*ampliou a distribuição gratuita de trigo para a plebe e de espaços para a diversão pública ( a famosa Política do Pão e Circo ), 
*efetuou uma distribuição de terras aos soldados veteranos e foi um protetor dos artistas romanos.

Seu período é conhecido como a PAX ROMANA, dado ao fortalecimento do exército, a amenização das tensões sociais – graças à política do pão e circo - e a pacificação das províncias do império.O período imperial romano é dividido em dois momentos: o Alto Império, marcado pelo apogeu de Roma; e pelo Baixo Império,que representa a decadência e queda de Roma.

A) ALTO IMPÉRIO.

Formado pelas chamadas dinastias de ouro. É o momento de grandiosidade de Roma tendo as seguintes dinastias:
a) Júlio-Claúdios
b) Flávios
c) Antoninos
d) Severos

- À partir do ano de 235, inicia-se um período de crises em virtude do enorme custo para a manutenção do exército. Os gatos militares minavam as finanças do Estado, que era obrigado a aumentar os impostos. Esta política provoca tumultos e revoltas nas províncias.
- A crise militar acarreta o fim do expansionismo romano,contribuindo - a médio prazo e de forma contínua - para diminuir a entrada de mão-de-obra escrava em Roma. A chamada crise do escravismo está na raiz da queda de Roma.

A crise e a queda de Roma.

Toda a riqueza do Império Romano advinha do uso da mão-de-obra escrava, conseguida pela expansão territorial. À partir do século III, como forma de conter os excessivos gastos militares, Roma cessou suas conquistas territoriais, acarretando uma diminuição no número de escravos e, conseqüentemente, uma expressiva queda na produção agrícola. Como resultado desta crise econômica o Estado romano passa a aumentar, de forma sistemática, os impostos. O aumento dos impostos reflete em um aumento no preço das mercadorias, gerando um processo inflacionário. Diante desta situação, a política de pão ecirco deixa de existir - pois o Estado não pode mais arcar com a distribuição gratuita de alimentos - contribuindo para aumentar as tensões sociais. Como se não bastasse tudo isto, as fronteiras do Império Romano começam a serem invadidas pelos chamados povos bárbaros, trazendo um clima de insegurança e pânico a todos.

CONSEQÜÊNCIAS DA CRISE IMPERIAL.

-ÊXODO URBANO: uma saída da população urbana para o campo, fugindo da crise econômica e dos bárbaros. No campo, esta população tinha uma oportunidade de trabalho pois, em virtude da diminuição do número de escravos, os grandes proprietários passam a necessitar de força de trabalho.

-O COLONATO: como solução para a falta de força de trabalho e de uma forte onda inflacionária, desenvolve-se no campo o regime de colonato, onde o grande proprietário arrenda lotes de terras para os camponeses que, em troca, trabalhavam e produziam para o grande proprietário. O colono passa a ser um homem preso à terra. A economia passa a ser auto-suficiente.

-INFLAÇÃO: com a queda da produção agrícola, o Estado tem sua arrecadação de impostos diminuída e, em contrapartida, um aumento das despesas - como a manutenção do exército para a defesa das fronteiras dos ataques bárbaros. Na falta de dinheiro, o Estado passa a exercer uma política de emissão de moeda) provocando uma desvalorização do dinheiro. Sem dinheiro, o Estado inicia a sua falência.


-CRISE MILITAR:sem recursos para manter o exército, o Estado romano passa a recrutar bárbaros para defender as suas fronteiras, que em troca do serviço prestado recebiam terras.No campo, a ausência militar e a necessidade de garantir apropriedade, leva o grande proprietário a contratar mercenários para a defesa da terra, criando um exército pessoal.

-O CRISTIANISMO:um outro elemento que contribuiu para a crise de Roma foi a difusão da religião cristã. O fortalecimento do cristianismo ocorria, simultaneamente, com o enfraquecimento de Roma. Os cristãos não aceitavam as instituições romanas, ligadas ao paganismo; não reconheciam a divindade do imperador e não aceitavam a escravidão. As autoridades romanas iniciam uma política de perseguição sistemática aos cristãos, considerando-os culpados por todas as calamidades que ocorriam. No entanto, quanto mais os cristãos eram perseguidos e torturados, maior o número de adeptos.


REFORMAS DO BAIXO IMPÉRIO.

Procurando evitar o colapso político-administrativo total do Império, alguns imperadores empreenderam algumas reformas, como objetivo de reestruturar o império.

DIOCLECIANO:dividiu o poder imperial em quatro parte – a tetrarquia- procurando aumentar a eficiência administrativa ao descentralizar a organização do Estado; reintroduziu o serviço militar obrigatório; incentivou o regime de colonato; editou a lei do Preço Máximo,para combater a inflação; ampliou a perseguição aos cristãos.
CONSTANTINO:sucessor de Diocleciano, realizando a reunificação do Império e transferindo a capital de Roma para Bizâncio na parte oriental do Império ( futura Constantinopla ); o Édito de Milão(313) , legalizando o cristianismo. Esta medida tinha também um interesse econômico. O pagão, de perseguidor passa aser perseguido, e seus bens ( maiores que os do cristão ) confiscados pelo Estado, constituindo assim, uma forma de aumentar o erário estatal.
TEODÓSIO: Realizou a divisão do Império romano em duas partes:
- Império romano ocidental - Roma
- Império romano oriental - Constantinopla

Desenvolvimento das letras em Roma

Características das letras romanas - A literatura romana é inferior à grega. Havia pouca originalidade na literatura romana, sendo que, em geral, iam os escritores romanos beber em fontes gregas as suas inspirações.Podemos notar na literatura romana duas fases:

1) vai até as guerras púnicas, é a fase em que quase não há influência grega;
2) dá-se após as guerras púnicas, e nota-se a influência helênica.

Na primeira fase a literatura romana é pobre, não apresenta trabalhos importantes nem grandes escritores. Por este tempo a poesia é rústica, e em geral toma aspectos fúnebres ou triunfais. Quanto à prosa, encontram-se alguns trabalhos de jurisprudência, como as "Leis das 12 Tábuas", das quais só há fragmentos. Na história daqueles tempos aparecem-nos umas anotações diárias feitas por sacerdotes.

Na segunda fase há a assinalar três grandes períodos: de formação, de apogeu e de decadência. No apogeu distinguem-se dois períodos importantes: o de Cícero e o de Augusto.

Período de formação - Vai desde as guerras púnicas até Silas. Na época de formação começam os romanos a receber a influência da Grécia. Sofrendo a influência de uma literatura já formada, a literatura romana apresenta neste período um relativo desenvolvimento, aparecendo ao mesmo tempo a prosa e a poesia. A influência grega foi combatida por uma parte da aristocracia, mas favorecida por outra. Aparecem nesta época, na poesia: Tito Lívio, Hévio, Ênio. Nas fábulas surgem Plauto e Terêncio. É desta época o começo da sátira, com Lucílio. Na prosa temos: Flávio, Quinto Cláudio e outros. Naoratória citaremos: Catão, Cornélio Graco, etc. Entre os jurisconsultos destaca-se Múcio, que também foi orador.
Período de apogeu - Vai desde Silas até Augusto. Neste período podemos distinguir duas fases. Na 1ª fase (de Cícero) toma grande impulso a eloqüência; na segunda (de Augusto), a poesia. Neste período destaca-se Catulo na poesia; Cícero deu um formidável impulso à retórica; aparece também Varrão, com grande número de obras; historiadores notáveis apresentam-se, como César, Cornélio Nepos e outros.
Período de Augusto - É a época de esplendor das letras romanas. A paz e a prosperidade substituem as guerras civis. Com a proteção dispensada aos homens de letras, a literatura toma grande impulso. Caiu em parte a eloqüência, mas em compensação a poesia atingiu o seu mais alto ponto de culminância. São desta época: Virgílio, Horácio e Ovídio, que sobressaem entre outros; e na prosa surgem Tito Lívio e Rutilus Lupus.
Período de decadência - Nesta época aparece a fábula, tendo como principal representante Fedro. Na História, Tácito, Quinto Cúrcio, Plínio. No romance, Petrônio. Depois de Marco Aurélio a decadência acentua-se sobremodo. Entretanto ainda surgem alguns literatos, notando-se na poesia Cláudio, bastante inferior aos poetas do período do apogeu, Marcellus, Donato e outros.
É nas letras jurídicas que este período mais se destaca, apresentando-se jurisconsultos notáveis, como Ulpiano, Papiniano e Paulo. Neste tempo são elaborados inúmeros códigos, dentre eles o Código Gregoriano.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Saiba tudo sobre os fenícios e sua importância para o comércio




Por mais de mil anos, os fenícios foram o shopping center ambulante da Antiguidade. Se algo pudesse ser vendido, eles vendiam: vinho, azeite, móveis, joias, ferramentas, armas, tecidos, peles, escravos e, por uma taxa especial, seus serviços como os melhores marinheiros do mundo. Entre 1200 a 730 a.C., sua rede conectava povos da Inglaterra até a Grécia e com ela também viajou sua grande invenção: o alfabeto, que deu origem ao grego, latim, hebraico e árabe.

Os fenícios originais não eram muito de guerra – preferiam fundar colônias com a permissão dos habitantes locais, sem avançar para o interior. Mas uma colônia fenícia mudou tudo: Cartago se tornou um verdadeiro império, e por pouco não pôs abaixo o futuro Império Romano. Como a criatura superou o criador e como ambos foram varridos da História é o que veremos a seguir.

Fenício? Que fenício?

Originários do que é atualmente o Líbano, a própria geografia empurrou os fenícios para o mar. A cadeia de montanhas que forma o monte Líbano limita a habitação humana à costa. Ao sul e ao norte, impérios bloqueavam o caminho. Partindo das cidadesestado de Tiro, Sidon e Biblos, as primeiras colônias foram em ilhas próximas, como Chipre e Malta. 

Aliás, não existia isso de “fenício” para os próprios fenícios. “A Fenícia não existiu como entidade política unificada até os romanos fazerem uma província com esse nome, milhares de anos depois”, afirma o historiador Richard Miles, da Universidade de Sidney, na Austrália. O nome vem do grego e era um apelido: a palavra phoinix quer dizer algo como “os roxos”, por causa de um dos seus principais produtos, os tecidos tingidos de roxo. “Eles provavelmente chamavam a si próprios de cananeus. Foram os gregos que os agruparam como fenícios”, diz Miles.

Canaã designava mais que apenas as terras dos ditos fenícios, era toda a região entre o sul da Síria e a Palestina, habitada também por outros povos, como os hebreus e os filisteus – cuja história, de fato, se confunde com a deles. “Até 1200 a.C., não havia diferença entre a história das cidades do litoral e do interior. Ou seja, nós temos uma civilização sírio-palestina, não fenícia. É só com a independência das cidades-estado (que já existiam) que começa a história fenícia propriamente dita”, afirmou o historiador italiano Sabatino Moscati (1922-1997) em The Phoenicians (sem tradução).

O que fez surgir o comércio fenício foi o chamado colapso da Idade do Bronze, que ocorreu por volta de 1200 a 1100 a.C.. Por motivos não muito claros, grandes civilizações como egípcios, gregos micênicos e hititas entraram em rápida decadência. O vácuo de impérios permitiu às cidadesestado uma independência inédita, que propiciou o surgimento de sua rede comercial. No começo, os fenícios ofereciam os produtos de sua própria região para os vizinhos: madeira de cedro-do-líbano, o mesmo material do qual seus barcos eram feitos, e tecidos pintados com extrato dos caramujos do gênero Murex, de um púrpura belo e intenso.

Conforme novos povos entravam em sua rede comercial, os fenícios os apresentavam a produtos de outros povos que conheciam. Assim eles passaram a vender vinho grego aos egípcios, e papiro egípcio aos gregos – a palavra “byblos” passou a significar “papiro” em grego por que eram os comerciantes de Biblos que os supriam com o material. Com o tempo, “biblos” passou a querer dizer também o conteúdo do papiro, isto é, o livro – daí as palavras biblioteca e Bíblia.

Dependendo de remos quando o vento não ajudava, os navios fenícios não tinham muita autonomia e faziam rotas próximas à costa, com paradas constantes. Assim, eles estabeleceram mais de 300 colônias, normalmente meras vilas costeiras de menos de mil habitantes. Essas vilas não eram possessões coloniais no sentido moderno – eram estabelecidas com o consentimento dos moradores da região e não tinham zona rural, dependendo dos locais para suprir-lhes alimentos. Era mais um free shop que colônia, num modelo que os portugueses repetiram 2 mil anos depois com suas feitorias asiáticas.

A grande exceção ao modelo fenício era Cartago, que tinha territórios no interior, e passou a ser o entreposto principal. Localizada na atual Tunísia, ficava no meio do caminho para as rotas que vinham da Espanha, e próxima da Sardenha e Sicília.

O preço da paz

A independência e prosperidade vinham a um custo – em espécie. O método fenício de sobrevivência era basicamente pagar pela paz. Sem um grande exército e sem qualquer aliança durável entre as cidades-estado, eles sobreviviam por causa de sua conveniência para os impérios vizinhos. Com a imensa fortuna de sua rede de comércio, aplacavam a ira dos conquistadores com tributos. Assim eles sobreviveram ao novo reino do Egito (1550-1069 a.C.) e o reino de Israel (1030-930 a.C.), que os tornaram vassalos – “protegidos” mediante pagamento.

A paz fenícia aguentou até o Império neo-assírio (934-604 a.C.), que aceitou seus acordos por alguns séculos. Na década de 730 a.C., no entanto, o rei Tiglate-Pileser 3º invadiu e conquistou Tiro, então a cidade fenícia mais próspera. Tiro não foi destruída, mas perdeu muito de sua autonomia. À conquista dos assírios, se seguiriam a dos persas sob Ciro 1º (539 a.C.) e a dos macedônios de Alexandre Magno (332 a.C.), que arrasaram a cidade. Nada restaria da Fenícia original, exceto sua maior criação: Cartago.

Fundada em 814 a.C., Cartago começou a receber migrantes do Oriente Médio conforme a situação piorava, e tornou-se independente em 650 a.C. Em 308 a.C., virou república. Cartago aprendeu uma lição com sua antiga metrópole: dinheiro não podia comprar a paz indefinidamente. O Império Cartaginense venceu uma série de guerras contra os gregos, entre 480 e 275 a.C. A última dessas guerras, chamada Guerra Pírrica (280-275 a.C.), acabaria tendo um custo inesperado. Ela tornaria seus aliados, os romanos, em inimigos mortais.

Cartago deve ser deletada

Os romanos saíram da guerra confiantes em sua capacidade militar, e menosprezando a dos cartaginenses, que tiveram várias derrotas. Sob o pretexto de uma aliança com um grupo de mercenários, os romanos declararam guerra a Cartago em 264 a.C., iniciando a 1ª Guerra Púnica. Roma venceria, ficaria com a Sicília, e cobraria tributos. Para pagar tais impostos, os cartaginenses expandiram seu domínio na Espanha pela via militar, tomando cidades dos celtas locais.

Um desses locais era Saguntum, cidade protegida por Roma. Assim começou a 2ª Guerra Púnica (218-201 a.C.). Sob o comando de Aníbal Barca, e com o apoio de aliados africanos, a guerra começou com um surpreendente ofensiva cartaginense em que os exércitos cruzaram os Alpes com elefantes de guerra e impuseram várias derrotas aos romanos. Mas a guerra se prolongou demais, e terminou em outra derrota de Cartago, que perdeu a Espanha e se tornou um estado cliente de Roma.

Os sentimentos de vingança pela quase derrota nunca foram esquecidos. A 3ª Guerra Púnica (149-146 a.C.) foi simplesmente o massacre de Cartago. A frase delenda est Cartago (Cartago deve ser destruída) vem dos discursos do senador Cato para convencer os romanos a “deletar” a cidade. E deletada ela foi. A população foi escravizada, a cidade, queimada, e a história dos fenícios, apagada.

Quase tudo o que sabemos sobre eles vem dos gregos e romanos, porque seus textos em papiro não resistiram a tantas depredações. Um fim tragicamente irônico para o povo que inventou o alfabeto.

Grandes ideias, grandes negócios

Para se tornarem os donos do Mediterrâneo, os fenícios fizeram uso de diversas inovações, a maioria delas relacionada à tecnologia naval. Os navios de guerra usados pelos romanos e gregos eram basicamente uma criação fenícia. Foi deles a ideia de construir um navio a partir de um esqueleto posto numa doca seca, a partir da quilha central, outra invenção sua. Seus navios foram os primeiros a ter leme. Também foram eles que tiveram a ideia de distribuir os remadores em duas linhas, criando a birreme, que depois ganharia mais uma linha, tornando-se a trirreme. Esses eram navios de guerra, os remadores extras davam velocidade em manobras de abalroagem, bater em outro navio para afundá-lo, que se tornou a principal forma de guerra naval na época. Os navios de transporte usavam principalmente velas. Mas a criação fenícia mais duradoura é o alfabeto, do qual deriva o nosso. Usar letras para passar sons, e não ideias, como nos hierogrifos, foi uma simplificação revolucionária.

Globalização antiga

A rede comercial dos fenícios abrangia desde a Inglaterra até a Grécia, país com o qual concorriam no comércio, mas que também era um de seus maiores clientes. O comércio era em grande parte escambo — trocavam os produtos locais pelo que estivessem carregando. Na Espanha, montaram toda uma rede de beneficiamento de metais, que se transformavam em joias e ferramentas em Tiro e Sidon.

Saiba quais são os segredos históricos do Brasil




Negociações obscuras com o ex-ditador Saddam Hussein, as contradições do governo Getúlio Vargas no combate ao nazismo, as muitas versões sobre a Guerra do Paraguai e até segredos de alcova

Um programa nuclear clandestino, o assassinato de um ex-presidente no regime militar, os campos de concentração brasileiros, a sangrenta demarcação das fronteiras... As passagens nebulosas, mal conduzidas e mal explicadas de nosso passado voltaram ao centro do debate com a polêmica da manutenção ou não do sigilo eterno dos documentos ultrassecretos. Os registros produzidos pelos órgãos oficiais do país estão pouco a pouco sendo revelados e descobertos - e jogam novas luzes sobre aquilo que imaginávamos saber. Para pesquisadores e historiadores, porém, muita coisa ainda está oculta. A sonegação de informações oficiais vem de longe. Começou já na "certidão de nascimento" do país - a carta de Pero Vaz de Caminha (ao que parece, herdamos o hábito dos portugueses). "O rei de Portugal, dom Manuel 1º, demorou um ano para comunicar a descoberta oficial do Brasil ao sogro, o rei da Espanha", conta o jornalista e escritor Laurentino Gomes, autor de 1822. "E a carta de Caminha, que dava detalhes do evento, ficou escondida na Torre do Tombo, em Lisboa, até 1773."


A bomba atômica dos militares

Nossas Forças Armadas tentaram desenvolver armas nucleares, talvez com uma mãozinha de Saddam Hussein

Em 1990, o presidente Fernando Collor jogou uma simbólica pá de cal num poço de 320 m para testes nucleares na serra do Cachimbo, no Pará. "A suspeita é que ele teria sido construído com recursos do Iraque de Saddam Hussein para abrigar testes do programa iraquiano. E os dados seriam cedidos ao Brasil", diz o jornalista Roberto Godoy, especialista em assuntos de defesa. O poço é só um pedaço de uma série de operações clandestinas, iniciadas no governo Ernesto Geisel, para garantir ao Brasil a tecnologia necessária para fabricar a bomba atômica (e ogivas para mísseis nucleares).Na prática, sobretudo a partir do início da década seguinte, o governo manteve dois programas nucleares: o oficial, com fins pacíficos, e o paralelo e sigiloso. Sempre houve facções do regime que defendiam que a única maneira de o Brasil ser respeitado no mundo seria ter a bomba. O Iraque virou uma peça curiosa nesse enredo, que sobreviveu ao fim da ditadura. Entre 1979 e 1990, o Brasil exportou toneladas de urânio (a matéria-prima do combustível das bombas) para Saddam. O roteiro nebuloso inclui espionagem e suborno de técnicos e autoridades estrangeiras, entre outras manobras, que até alimentaram uma CPI sobre o tema. A Constituição de 1988 havia proibido o país de usar a tecnologia nuclear para fins bélicos, mas o "esforço paralelo" dos militares sobreviveu até 1990, segundo confirmou mais tarde José Carlos Santana, ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear no governo Collor. Quando o CNEM do B deixou de funcionar, o país estaria prestes a fazer o primeiro teste.

"Em dezembro de 1996, a PF prendeu um alemão que vendera conhecimentos ao Brasil depois de tentativas frustradas junto ao Iraque", diz Tânia Malheiros, autora de Brasil: A Bomba Oculta - O Programa Nuclear Brasileiro. Para ela, é só uma amostra de que "há muita coisa a ser explicada". Hoje o Brasil domina o ciclo de produção do combustível nuclear e está construindo seu primeiro submarino com propulsão atômica. A revelação de detalhes estratégicos sobre essa tecnologia e os bastidores espúrios do programa nuclear estariam no topo das preocupações de quem, no governo Dilma, insiste em manter o sigilo eterno.

O assassinato de Jango

Operação Condor teria matado o ex-presidente em 1976

A Operação Condor teria arquitetado a morte do ex-presidente João Goulart no exílio, 12 anos depois de sua deposição pelo golpe de 1964. Mesmo passado tanto tempo e vivendo fora do país, ele era visto como uma ameaça pelos generais: era tido como simpatizante do comunismo e mantinha quase intacta sua popularidade - que poderia ser usada, imaginavam eles, para mobilizar a população contra o regime.Jango tomou seu remédio diário para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato ganha força entre seus familiares.
A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai

País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.
A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.
"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).
Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao 
acordo (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio

Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.
Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.
Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Saiba mais sobre a campanha frustrada de Napoleão em direção à Rússia



Há 200 anos, Napoleão foi protagonista de um dos maiores desastres da história militar. Viu seu exército ser dizimado na Rússia e perdeu a fama de invencível. A campanha foi o primeiro passo rumo ao fracasso da França napoleônica

Era um belo dia de sol quando os soldados da França cruzaram o rio Neman, na atual fronteira da Polônia com a Lituânia, aos gritos de "Vive l'Empereur!", na confiança de serem o maior e mais temido exército que o mundo havia visto. Estavam ali para dar uma surra, não para guerrear - o inimigo só tinha um terço de suas forças e estava dividido. E, o mais importante, não tinha Napoleão como líder. Eram 690 mil soldados de várias nacionalidades, dos quais só 300 mil eram franceses. Os demais eram poloneses, austríacos, italianos, prussianos e até 2 mil portugueses, recrutados entre simpatizantes do imperador. Como era comum na época, seguia com eles um cortejo de comerciantes, prostitutas, médicos e até esposas e filhos dos militares. Nem soldados, nem civis, nem Napoleão poderiam imaginar àquela hora, mas apenas um em cada sete deles voltaria vivo daquela campanha.

A Rússia não é para principiantes e isso não era segredo para Napoleão e seus soldados. Pouco mais de um século antes, em 1709, o rei Carlos 12, da Suécia, havia perdido seu exército na Rússia de frio e fome. Por isso, o exército francês invadiu a Rússia no auge do verão, em 24 de junho de 1812. E o verão foi seu primeiro inimigo. As temperaturas frequentemente superam os 30 ºC, enquanto as noites duram apenas 3 horas - foi "aproveitando" esse sol todo que Napoleão fez seus soldados marcharem 112 km nos dois primeiros dias da campanha. A essa velocidade, as carroças de suprimento ficaram para trás. Desidratada pela caminhada e sem alimentos e água, a tropa viu-se forçada a beber dos riachos pantanosos da região, pegando diarreia. As primeiras vítimas tombaram ao lado das fontes de água - e os soldados que vinham atrás também ficaram doentes.

A pressa era justificada pela estratégia. "Napoleão não foi à Rússia para conquistar", diz o historiador César Machado Domingues, editor da Revista Brasileira de História Militar. Ele queria simplesmente aniquilar o exército russo e conseguir uma aliança forçada com o czar Alexandre 1º. O primeiro alvo era a cidade de Vilna, atual capital da Lituânia, onde estava o comando das tropas russas, inclusive o czar. Napoleão entrou na cidade em 28 de junho, mas o comando russo havia se mudado. Não só isso. Também haviam esvaziado armazéns e paióis de pólvora e queimado plantações nos arredores.

Os franceses esperavam fazer o mesmo que em suas guerras anteriores: tomar alimentos das cidades e fazendas pelo caminho. O que sobrava da destruição russa só era aproveitado pelos soldados da frente da coluna - quem vinha atrás passava fome. Um comércio clandestino e gangues de ladrões passaram a agir. Os cavalos, que morriam às centenas, se tornaram o prato principal.

A campanha prosseguiu assim - os russos regredindo e queimando tudo, os franceses sangrando lentamente de doenças, fome, sede, ataques de guerrilha e deserção massiva. "No caminho para Moscou, ainda no verão, os franceses perdiam em média 6 mil soldados por dia", escreveu o médico e historiador Achilles Rose (1839-1916) em seu livro A Campanha de Napoleão na Rússia, Anno 1812.

Após mais uma conquista estéril na cidade de Smolensk, em 18 de agosto, Napoleão decidiu rumar para Moscou. Mas isso os russos não aceitariam e, enfim, Napoleão teve sua batalha. A mais sangrenta de todas as guerras napoleônicas, a Batalha de Borodino, em 7 de setembro - dos 250 mil participantes, 80 mil morreram. Os russos recuaram mais uma vez, mas não foram aniquilados. Em 14 de setembro, Moscou pertencia a Napoleão. "Napoleão deve ter imaginado que havia vencido", diz César Domingues. Ele sentou-se no trono do Kremlin e esperou a rendição do czar. No mesmo dia, começou um incêndio, que os russos jamais admitiram ter causado, que destruiu 75% da cidade em 4 dias.

O tempo ia esfriando, o Exército russo, se recompondo, e o czar não ofereceu paz. Em 18 de outubro, quando os franceses iniciaram a retirada, a temperatura estava por volta de 0 ºC. O plano era voltar pelo sul, mas os russos cortaram o caminho e os militares se viram forçados a voltar por onde vieram, começando pelo campo de Borodino, crivado de homens e cavalos em decomposição da batalha de um mês e meio antes.

Se algo havia sobrado da destruição causada pelos russos, já havia sido consumido pelos franceses na ida. Diante de um frio que chegaria a -40 ºC, ninguém tinha roupas de frio, exceto as roubadas de Moscou - inclusive chapéus, sapatos, mantos e echarpes femininas. Os cavalos não tinham ferraduras adaptadas ao gelo, como as dos russos - escorregavam e quebravam as patas ou simplesmente não conseguiam puxar as cargas.

A tropa se converteu em um bando de desesperados. Cavalos passaram a ser atacados e a carne era comida crua. Em seu livro de memórias, o sargento Adrien Bourgogne relata que um carro-ambulância teve seus cavalos devorados à noite pela tropa. De manhã, os feridos foram largados no caminho. Os soldados também tiravam nacos de carne de animais ainda vivos - amortecidos pelo frio, eles não reagiam. Bourgogne conta que um bando de soldados havia se fechado em um celeiro para evitar o frio. Eles se acumularam na porta para evitar que mais gente entupisse o lugar. Durante a noite, o celeiro pegou fogo. Quando o incêndio acabou, alguns soldados tomaram coragem de avançar para os corpos dos colegas, providencialmente "assados". O soldado alemão Jakob Walters (1788-1864) escreveu que viu um soldado que se aliviava de diarreia à beira da estrada ter suas calças roubadas - a vítima morreu de frio horas depois.

Os franceses fugiam em desespero, mas os russos não haviam se esquecido deles. Em 26 de novembro, as tropas napoleônicas tiveram de atravessar o rio Berezina (na atual Bielorrússia). Os russos descobriram sua posição e atacaram no dia 29, com 60 mil homens, contra 40 mil soldados divididos entre as duas margens. Os franceses conseguiram escapar com seu imperador, destruindo as pontes improvisadas que haviam feito - mas ainda havia muitos deles do outro lado. Entre 25 mil e 45 mil civis e militares morreram ali - 10 mil deles empurrados pelos cossacos para dentro do rio congelado.

Em 14 de dezembro, o esfarrapado exército de Napoleão chegou à Polônia. Sua tropa principal tinha 22 mil soldados, dos 690 mil que entraram na Rússia. O total de sobreviventes é cerca de 100 mil, contando as outras colunas do exército. Pessoas, armas e cavalos podiam ser substituídos, mas o dano irrecuperável foi à reputação de invencível de Napoleão, que acabou deposto e exilado na ilha de Elba (Itália) em 1814.

Não foi apenas Napoleão que não aprendeu com seus antecessores. Em 22 de junho de 1941, Hitler invadiu a União Soviética, também esperando uma campanha fulminante que acabasse antes do inverno. Os nazistas estavam às portas de Moscou em dezembro, mas então veio o inverno, matando 150 mil alemães em poucos dias. Em homenagem aos serviços prestados, os russos deram uma promoção a seu inverno. Lá ele é conhecido como General Moroz - o temido General Inverno.


Bárbaros pelo czar

Os cossacos não costumam entrar na conta do efetivo do Exército russo, mas como adicionais (costuma-se afirmar algo como "100 mil soldados e 20 mil cossacos"). Na verdade, eles nem são exatamente russos. Cossacos são sociedades independentes, democráticas e militaristas, originalmente de povos eslavos, que depois passaram a aceitar aventureiros de qualquer país - particularmente quem falasse línguas, soubesse fazer contas ou simplesmente fosse alfabetizado, talentos raros entre os nascidos entre eles. Os cossacos não eram súditos, mas aliados do czar - e se voltaram contra os russos em algumas ocasiões, como a Revolta de Pugachev, de 1774. Suas tropas tinham sua própria hierarquia e generais. Mas elas eram um tanto indisciplinadas, por isso os russos preferiam usá-los como forma de bagunçar e aterrorizar as linhas inimigas, e não como força de choque ou cavalaria regular. Os cossacos foram integrados à sociedade soviética à força por Josef Stalin, na década de 30, mas os descendentes ainda se orgulham do passado independente e aventureiro.

Conheça a vida de Sólon, o pai da democracia grega




Sólon, um dos Sete Sábios da Grécia, acabou com a transmissão de poder hereditária e abriu o acesso aos altos cargos do governo para (quase) toda a população ateniense.

Na Grécia antiga, os aristocratas tinham tanto orgulho de sua origem que se diziam descendentes dos deuses. Cada família recitava a longa lista de antepassados até chegar ao patriarca divino. Com Sólon (638-558 a.C.), não foi diferente: ele traçava sua origem até Poseidon, o deus grego dos mares. Mas, diferentemente dos outros nobres, Sólon se importava com os "reles mortais" e dedicou a vida a construir uma sociedade mais justa e igualitária. Tanto que os historiadores o consideram o pai da democracia ateniense.

"Sólon integra a lista dos Sete Sábios da Grécia ao lado de figuras como o matemático Tales de Mileto", diz o filósofo Ron Owens, da Universidade de Newcastle (Austrália), no livro Solon of Athens (Sólon de Atenas, inédito no Brasil). "Foram feitas várias listas dos sete sábios, e Sólon está em todas elas. Sua influência não era mesmo de desprezar: ao menos 115 autoridades do mundo antigo o mencionam em seus escritos, entre eles Aristóteles (384-322 a.C.)."
Apesar da glória entre seus pares, Sólon é hoje quase um ilustre desconhecido. Sempre que se fala em Atenas, vêm à mente filósofos e matemáticos, mas nunca um sujeito como ele - misto de mercador, poeta e legislador. Afinal, quem foi Sólon? E o que ele agregou à história das ideias?


Sociedade em frangalhos



Sólon nasceu provavelmente em 638 a.C., em Atenas, numa família nobre em decadência. A Grécia estava dividida em dezenas de cidades-estados (poleis, plural de pólis), com governos independentes e uma cultura religiosa comum. Em Atenas, mandava a aristocracia dos eupátridas (os "bem nascidos"), que nomeavam arcontes (magistrados) para legislar em causa própria. Os pobres não tinham acesso ao poder político e muitas vezes pagavam suas dívidas com escravidão. Sólon presenciou essas injustiças ainda jovem, quando embarcou em viagens mercantes para tentar recompor a fortuna da família. Ele viu que artesãos e pequenos proprietários de terras eram alijados das decisões políticas e sempre perdiam para os nobres em disputas judiciais. "A maioria dos camponeses era leal aos aristocratas porque dependia deles para se proteger dos inimigos de Atenas. Mas a população em geral estava cada vez mais insatisfeita", diz o historiador Bernard Randall no livro Solon: The Lawmaker of Athens (Sólon, o Legislador de Atenas, inédito no Brasil).





A oligarquia vetava até os mercadores que enriqueceram com o comércio entre a Grécia e o mundo mediterrâneo. Eles tinham dinheiro suficiente para adquirir armas e terras e por isso esperavam obter uma fatia do poder político. Mas continuaram fora do Areópago, o conselho que escolhia os magistrados. Sua única chance de ganhar uma causa na Justiça era molhando a mão do juiz.

"Com o tempo, mais mercadores se tornaram ricos e viram que a única forma de obter poder seria por meio da força", diz Randall. De fato, ao longo do século 7 a.C., vários tiranos deram golpes em oligarquias gregas com o apoio dos novos-ricos. Em 632 a.C., o nobre Cylon tentou usurpar o poder em Atenas com o respaldo da ilha vizinha de Megara, onde seu sogro governava com mão de ferro. Mas o plano falhou e Cylon deu no pé.



Em 621 a.C., para tentar botar ordem no caos, o arconte Drácon elaborou um código de leis duríssimas contra o crime. Um simples roubo era punido com a morte. Não é à toa que "draconiano" virou sinônimo de extrema rigidez. No entanto, nem mesmo as leis de Drácon acalmaram os ânimos.


Sólon foi o primeiro poeta ateniense cujos versos sobreviveram até nossos dias. Fragmentos de sua obra, citados por Plutarco (46-120) e outros filósofos, mostram que ele denunciava as iniquidades da época. E nem por isso ele deixou de ser respeitado pelos nobres. Aliás, sempre manteve a fama de sábio e justo. Sua entrada na política aconteceu durante uma guerra entre Atenas e Megara pela soberania da ilha de Salamina (onde nasceu). Não há registros precisos, mas estima-se que milhares de atenienses tenham morrido em combate. O governo teria até jogado a toalha, mas tudo mudou quando Sólon correu para a ágora (praça principal da pólis) e declamou uma ode a Salamina. "Prefiro renunciar a minha cidade natal e me tornar cidadão de Folegandros (minúscula ilha grega no mar Egeu) a continuar sendo chamado de ateniense, marcado pela vergonha da rendição de Salamina!", teria dito, motivando os conterrâneos a retornar à batalha. Segundo Plutarco, Sólon teve papel ativo na estratégia militar que debilitou o inimigo e levou Atenas à vitória. Foi assim que ganhou fama de soldado. Em 594 a.C., foi nomeado arconte e realizou reformas que ajudaram a cimentar o caminho ateniense rumo à democracia.

Sua primeira medida foi promulgar um código de leis escritas que aboliu a escravidão por dívida e proibiu os homens de vender filhas e irmãs. Também deu uma suavizada no código penal de Drácon. Segundo a nova lei, o ladrão teria de compensar a vítima com o dobro do valor do produto roubado. Ao que tudo indica, o arconte poeta só manteve a pena capital para os homicidas.


Talvez a grande sacada de Sólon tenha sido substituir o sistema de poder hereditário por outro baseado no dinheiro. Parece injusto, mas foi uma forma de aproveitar a mobilidade social para ampliar o acesso ao poder político. Classificou os habitantes em 4 classes. No topo, estavam os pentacosiomedimnos, donos de terras. Abaixo vinham os hippeis, que tinham grana suficiente para manter um cavalo a serviço do Estado nas guerras - um luxo para poucos. Em seguida, estavam os zeugitas (a "classe média") e finalmente os tetes, os mais pobres.



Quanto mais rico o cidadão, maior o cargo público que ele podia ocupar. Para quem viveu há 2,5 mil anos, quando o poder se perpetuava entre os mesmos sobrenomes, essa foi uma bela mudança rumo à democracia. Como muita gente podia acumular certa riqueza - graças ao comércio crescente, por exemplo -, o novo sistema era mais igualitário que o anterior. Os tetes não podiam disputar os cargos, pois temia-se que fossem mais propensos a receber propinas. Mas Sólon lhes deu o direito de se defender nos processos judiciais e integrar o júri. Mais importante: deu sinal verde para que o cidadão com mais de 18 anos participasse da Ekklesia (Assembleia), inclusive os tetes (mas não os escravos, pois eles não eram considerados cidadãos). A Assembleia promulgava leis e decretos, decidia a concessão de privilégios, servia de palco para debates políticos e influía na escolha de arcontes (magistrados). Portanto, quem diria, os mais pobres podiam influir na formação do temível Areópago. A pauta da Ekklesia era definida pelo Conselho dos 400 (formado por 400 cidadãos de todas as classes, exceto os tetes). As mulheres não votavam, mas justiça seja feita: no Brasil, o voto feminino só foi instituído em 1934. "Assim como o filósofo Sócrates (469-399 a.C.), Sólon tentou criar pontes entre os extremos da sociedade e uma nova unidade dentro do Estado", diz Victor Ehrenberg em From Solon to Socrates (De Sólon a Sócrates, inédito no Brasil). "Ambos são símbolos da moderação e clareza mental que fizeram a grandeza de Atenas." Em 561 a.C., 30 anos depois das reformas, o tirano Psístrato usurpou o poder em Atenas - com a bênção do Conselho dos 400. Ao saber da notícia, Sólon interrompeu uma longa viagem pelo Egito e Chipre e retornou a Atenas para tentar mobilizar a massa. Não conseguiu. Mas a democracia continuou evoluindo mesmo após sua morte (3 anos depois). Em 508 a.C., suas reformas foram levadas adiante pelo legislador grego Clístenes. E, no século 5 a.C., continuaram com Péricles e Efialtes. "O principal método de escolha para cargos públicos era o sorteio, tido como o mais igualitário", diz o cientista político Robert Dahl no livro Sobre a Democracia. Para ele, um cidadão ateniense tinha uma chance razoável de ser sorteado ao menos uma vez na vida.



Segundo alguns historiadores, Sólon decepcionou muita gente. Os ricos diziam que suas inovações foram longe demais, e os pobres reclamavam que foram insuficientes (queriam a reforma agrária). Nem o sábio conseguiu agradar a gregos e troianos.