quarta-feira, 5 de junho de 2013

Saiba quais são os segredos históricos do Brasil

Um programa nuclear clandestino, o assassinato de um ex-presidente no regime militar, os campos de concentração brasileiros, a sangrenta demarcação das fronteiras... As passagens nebulosas, mal conduzidas e mal explicadas de nosso passado voltaram ao centro do debate com a polêmica da manutenção ou não do sigilo eterno dos documentos ultrassecretos. Os registros produzidos pelos órgãos oficiais do país estão pouco a pouco sendo revelados e descobertos - e jogam novas luzes sobre aquilo que imaginávamos saber. Para pesquisadores e historiadores, porém, muita coisa ainda está oculta. A sonegação de informações oficiais vem de longe. Começou já na "certidão de nascimento" do país - a carta de Pero Vaz de Caminha (ao que parece, herdamos o hábito dos portugueses). "O rei de Portugal, dom Manuel 1º, demorou um ano para comunicar a descoberta oficial do Brasil ao sogro, o rei da Espanha", conta o jornalista e escritor Laurentino Gomes, autor de 1822. "E a carta de Caminha, que dava detalhes do evento, ficou escondida na Torre do Tombo, em Lisboa, até 1773."

Negociações obscuras com o ex-ditador Saddam Hussein, as contradições do governo Getúlio Vargas no combate ao nazismo, as muitas versões sobre a Guerra do Paraguai e até segredos de alcova
A bomba atômica dos militares
Nossas Forças Armadas tentaram desenvolver armas nucleares, talvez com uma mãozinha de Saddam Hussein


Em 1990, o presidente Fernando Collor jogou uma simbólica pá de cal num poço de 320 m para testes nucleares na serra do Cachimbo, no Pará. "A suspeita é que ele teria sido construído com recursos do Iraque de Saddam Hussein para abrigar testes do programa iraquiano. E os dados seriam cedidos ao Brasil", diz o jornalista Roberto Godoy, especialista em assuntos de defesa. O poço é só um pedaço de uma série de operações clandestinas, iniciadas no governo Ernesto Geisel, para garantir ao Brasil a tecnologia necessária para fabricar a bomba atômica (e ogivas para mísseis nucleares).

Na prática, sobretudo a partir do início da década seguinte, o governo manteve dois programas nucleares: o oficial, com fins pacíficos, e o paralelo e sigiloso. Sempre houve facções do regime que defendiam que a única maneira de o Brasil ser respeitado no mundo seria ter a bomba. O Iraque virou uma peça curiosa nesse enredo, que sobreviveu ao fim da ditadura. Entre 1979 e 1990, o Brasil exportou toneladas de urânio (a matéria-prima do combustível das bombas) para Saddam. O roteiro nebuloso inclui espionagem e suborno de técnicos e autoridades estrangeiras, entre outras manobras, que até alimentaram uma CPI sobre o tema. A Constituição de 1988 havia proibido o país de usar a tecnologia nuclear para fins bélicos, mas o "esforço paralelo" dos militares sobreviveu até 1990, segundo confirmou mais tarde José Carlos Santana, ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear no governo Collor. Quando o CNEM do B deixou de funcionar, o país estaria prestes a fazer o primeiro teste.

"Em dezembro de 1996, a PF prendeu um alemão que vendera conhecimentos ao Brasil depois de tentativas frustradas junto ao Iraque", diz Tânia Malheiros, autora de Brasil: A Bomba Oculta - O Programa Nuclear Brasileiro. Para ela, é só uma amostra de que "há muita coisa a ser explicada". Hoje o Brasil domina o ciclo de produção do combustível nuclear e está construindo seu primeiro submarino com propulsão atômica. A revelação de detalhes estratégicos sobre essa tecnologia e os bastidores espúrios do programa nuclear estariam no topo das preocupações de quem, no governo Dilma, insiste em manter o sigilo eterno.

O assassinato de Jango

Operação Condor teria matado o ex-presidente em 1976

A Operação Condor teria arquitetado a morte do ex-presidente João Goulart no exílio, 12 anos depois de sua deposição pelo golpe de 1964. Mesmo passado tanto tempo e vivendo fora do país, ele era visto como uma ameaça pelos generais: era tido como simpatizante do comunismo e mantinha quase intacta sua popularidade - que poderia ser usada, imaginavam eles, para mobilizar a população contra o regime.

Jango tomou seu remédio diário para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato ganha força entre seus familiares.

A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.

Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Nossas Forças Armadas tentaram desenvolver armas nucleares, talvez com uma mãozinha de Saddam Hussein
Em 1990, o presidente Fernando Collor jogou uma simbólica pá de cal num poço de 320 m para testes nucleares na serra do Cachimbo, no Pará. "A suspeita é que ele teria sido construído com recursos do Iraque de Saddam Hussein para abrigar testes do programa iraquiano. E os dados seriam cedidos ao Brasil", diz o jornalista Roberto Godoy, especialista em assuntos de defesa. O poço é só um pedaço de uma série de operações clandestinas, iniciadas no governo Ernesto Geisel, para garantir ao Brasil a tecnologia necessária para fabricar a bomba atômica (e ogivas para mísseis nucleares).

Na prática, sobretudo a partir do início da década seguinte, o governo manteve dois programas nucleares: o oficial, com fins pacíficos, e o paralelo e sigiloso. Sempre houve facções do regime que defendiam que a única maneira de o Brasil ser respeitado no mundo seria ter a bomba. O Iraque virou uma peça curiosa nesse enredo, que sobreviveu ao fim da ditadura. Entre 1979 e 1990, o Brasil exportou toneladas de urânio (a matéria-prima do combustível das bombas) para Saddam. O roteiro nebuloso inclui espionagem e suborno de técnicos e autoridades estrangeiras, entre outras manobras, que até alimentaram uma CPI sobre o tema. A Constituição de 1988 havia proibido o país de usar a tecnologia nuclear para fins bélicos, mas o "esforço paralelo" dos militares sobreviveu até 1990, segundo confirmou mais tarde José Carlos Santana, ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear no governo Collor. Quando o CNEM do B deixou de funcionar, o país estaria prestes a fazer o primeiro teste.

"Em dezembro de 1996, a PF prendeu um alemão que vendera conhecimentos ao Brasil depois de tentativas frustradas junto ao Iraque", diz Tânia Malheiros, autora de Brasil: A Bomba Oculta - O Programa Nuclear Brasileiro. Para ela, é só uma amostra de que "há muita coisa a ser explicada". Hoje o Brasil domina o ciclo de produção do combustível nuclear e está construindo seu primeiro submarino com propulsão atômica. A revelação de detalhes estratégicos sobre essa tecnologia e os bastidores espúrios do programa nuclear estariam no topo das preocupações de quem, no governo Dilma, insiste em manter o sigilo eterno.

O assassinato de Jango

Operação Condor teria matado o ex-presidente em 1976

A Operação Condor teria arquitetado a morte do ex-presidente João Goulart no exílio, 12 anos depois de sua deposição pelo golpe de 1964. Mesmo passado tanto tempo e vivendo fora do país, ele era visto como uma ameaça pelos generais: era tido como simpatizante do comunismo e mantinha quase intacta sua popularidade - que poderia ser usada, imaginavam eles, para mobilizar a população contra o regime.

Jango tomou seu remédio diário para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato ganha força entre seus familiares.

A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.

Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Em 1990, o presidente Fernando Collor jogou uma simbólica pá de cal num poço de 320 m para testes nucleares na serra do Cachimbo, no Pará. "A suspeita é que ele teria sido construído com recursos do Iraque de Saddam Hussein para abrigar testes do programa iraquiano. E os dados seriam cedidos ao Brasil", diz o jornalista Roberto Godoy, especialista em assuntos de defesa. O poço é só um pedaço de uma série de operações clandestinas, iniciadas no governo Ernesto Geisel, para garantir ao Brasil a tecnologia necessária para fabricar a bomba atômica (e ogivas para mísseis nucleares).
Na prática, sobretudo a partir do início da década seguinte, o governo manteve dois programas nucleares: o oficial, com fins pacíficos, e o paralelo e sigiloso. Sempre houve facções do regime que defendiam que a única maneira de o Brasil ser respeitado no mundo seria ter a bomba. O Iraque virou uma peça curiosa nesse enredo, que sobreviveu ao fim da ditadura. Entre 1979 e 1990, o Brasil exportou toneladas de urânio (a matéria-prima do combustível das bombas) para Saddam. O roteiro nebuloso inclui espionagem e suborno de técnicos e autoridades estrangeiras, entre outras manobras, que até alimentaram uma CPI sobre o tema. A Constituição de 1988 havia proibido o país de usar a tecnologia nuclear para fins bélicos, mas o "esforço paralelo" dos militares sobreviveu até 1990, segundo confirmou mais tarde José Carlos Santana, ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear no governo Collor. Quando o CNEM do B deixou de funcionar, o país estaria prestes a fazer o primeiro teste.

"Em dezembro de 1996, a PF prendeu um alemão que vendera conhecimentos ao Brasil depois de tentativas frustradas junto ao Iraque", diz Tânia Malheiros, autora de Brasil: A Bomba Oculta - O Programa Nuclear Brasileiro. Para ela, é só uma amostra de que "há muita coisa a ser explicada". Hoje o Brasil domina o ciclo de produção do combustível nuclear e está construindo seu primeiro submarino com propulsão atômica. A revelação de detalhes estratégicos sobre essa tecnologia e os bastidores espúrios do programa nuclear estariam no topo das preocupações de quem, no governo Dilma, insiste em manter o sigilo eterno.

O assassinato de Jango

Operação Condor teria matado o ex-presidente em 1976

A Operação Condor teria arquitetado a morte do ex-presidente João Goulart no exílio, 12 anos depois de sua deposição pelo golpe de 1964. Mesmo passado tanto tempo e vivendo fora do país, ele era visto como uma ameaça pelos generais: era tido como simpatizante do comunismo e mantinha quase intacta sua popularidade - que poderia ser usada, imaginavam eles, para mobilizar a população contra o regime.

Jango tomou seu remédio diário para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato ganha força entre seus familiares.

A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.

Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Na prática, sobretudo a partir do início da década seguinte, o governo manteve dois programas nucleares: o oficial, com fins pacíficos, e o paralelo e sigiloso. Sempre houve facções do regime que defendiam que a única maneira de o Brasil ser respeitado no mundo seria ter a bomba. O Iraque virou uma peça curiosa nesse enredo, que sobreviveu ao fim da ditadura. Entre 1979 e 1990, o Brasil exportou toneladas de urânio (a matéria-prima do combustível das bombas) para Saddam. O roteiro nebuloso inclui espionagem e suborno de técnicos e autoridades estrangeiras, entre outras manobras, que até alimentaram uma CPI sobre o tema. A Constituição de 1988 havia proibido o país de usar a tecnologia nuclear para fins bélicos, mas o "esforço paralelo" dos militares sobreviveu até 1990, segundo confirmou mais tarde José Carlos Santana, ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear no governo Collor. Quando o CNEM do B deixou de funcionar, o país estaria prestes a fazer o primeiro teste.
"Em dezembro de 1996, a PF prendeu um alemão que vendera conhecimentos ao Brasil depois de tentativas frustradas junto ao Iraque", diz Tânia Malheiros, autora de Brasil: A Bomba Oculta - O Programa Nuclear Brasileiro. Para ela, é só uma amostra de que "há muita coisa a ser explicada". Hoje o Brasil domina o ciclo de produção do combustível nuclear e está construindo seu primeiro submarino com propulsão atômica. A revelação de detalhes estratégicos sobre essa tecnologia e os bastidores espúrios do programa nuclear estariam no topo das preocupações de quem, no governo Dilma, insiste em manter o sigilo eterno.

O assassinato de Jango

Operação Condor teria matado o ex-presidente em 1976

A Operação Condor teria arquitetado a morte do ex-presidente João Goulart no exílio, 12 anos depois de sua deposição pelo golpe de 1964. Mesmo passado tanto tempo e vivendo fora do país, ele era visto como uma ameaça pelos generais: era tido como simpatizante do comunismo e mantinha quase intacta sua popularidade - que poderia ser usada, imaginavam eles, para mobilizar a população contra o regime.

Jango tomou seu remédio diário para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato ganha força entre seus familiares.

A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.

Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

"Em dezembro de 1996, a PF prendeu um alemão que vendera conhecimentos ao Brasil depois de tentativas frustradas junto ao Iraque", diz Tânia Malheiros, autora de Brasil: A Bomba Oculta - O Programa Nuclear Brasileiro. Para ela, é só uma amostra de que "há muita coisa a ser explicada". Hoje o Brasil domina o ciclo de produção do combustível nuclear e está construindo seu primeiro submarino com propulsão atômica. A revelação de detalhes estratégicos sobre essa tecnologia e os bastidores espúrios do programa nuclear estariam no topo das preocupações de quem, no governo Dilma, insiste em manter o sigilo eterno.
O assassinato de Jango

Operação Condor teria matado o ex-presidente em 1976

A Operação Condor teria arquitetado a morte do ex-presidente João Goulart no exílio, 12 anos depois de sua deposição pelo golpe de 1964. Mesmo passado tanto tempo e vivendo fora do país, ele era visto como uma ameaça pelos generais: era tido como simpatizante do comunismo e mantinha quase intacta sua popularidade - que poderia ser usada, imaginavam eles, para mobilizar a população contra o regime.

Jango tomou seu remédio diário para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato ganha força entre seus familiares.

A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.

Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

O assassinato de Jango
Operação Condor teria matado o ex-presidente em 1976

A Operação Condor teria arquitetado a morte do ex-presidente João Goulart no exílio, 12 anos depois de sua deposição pelo golpe de 1964. Mesmo passado tanto tempo e vivendo fora do país, ele era visto como uma ameaça pelos generais: era tido como simpatizante do comunismo e mantinha quase intacta sua popularidade - que poderia ser usada, imaginavam eles, para mobilizar a população contra o regime.

Jango tomou seu remédio diário para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato ganha força entre seus familiares.

A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.

Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Operação Condor teria matado o ex-presidente em 1976
A Operação Condor teria arquitetado a morte do ex-presidente João Goulart no exílio, 12 anos depois de sua deposição pelo golpe de 1964. Mesmo passado tanto tempo e vivendo fora do país, ele era visto como uma ameaça pelos generais: era tido como simpatizante do comunismo e mantinha quase intacta sua popularidade - que poderia ser usada, imaginavam eles, para mobilizar a população contra o regime.

Jango tomou seu remédio diário para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato ganha força entre seus familiares.

A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.

Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

A Operação Condor teria arquitetado a morte do ex-presidente João Goulart no exílio, 12 anos depois de sua deposição pelo golpe de 1964. Mesmo passado tanto tempo e vivendo fora do país, ele era visto como uma ameaça pelos generais: era tido como simpatizante do comunismo e mantinha quase intacta sua popularidade - que poderia ser usada, imaginavam eles, para mobilizar a população contra o regime.
Jango tomou seu remédio diário para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato ganha força entre seus familiares.

A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.

Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Jango tomou seu remédio diário para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato ganha força entre seus familiares.
A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.

Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.
Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.
Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.
As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.
Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.
Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.
Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.
Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.

Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.
Segredo de estrado

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Segredo de estrado
O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.

Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.
Rui Barbosa "queima" a escravidão

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Rui Barbosa "queima" a escravidão
"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.
A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."
Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.

O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.
O circo do Acre

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

O circo do Acre
De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado
Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.
"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).
Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao ‘acordo’ (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."
Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país
Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.
Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.
"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.
Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.
Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.

Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.