domingo, 30 de agosto de 2009

A fantástica ciência do Antigo Egito






A herança deixada pelos faraós à humanidade vai muito além de pirâmides e sarcófagos dourados. Eles também nos legaram invenções sofisticadas e costumes curiosos que atravessaram os séculos e continuam vivos. Conheça todas as contribuições do povo do Nilo e descubra por que eles foram tão criativos, avançados e misteriosos Na sala, pai e filho estão entretidos com jogos de tabuleiro e bebem cerveja em um final de tarde de domingo. A perna engessada de um deles não permitiu que fossem a uma cervejaria. No quintal, as crianças se divertem brincando de amarelinha e entre os cães de estimação que correm derredor. Em um dos quartos, duas adolescentes experimentam novos cosméticos e cremes hidratantes, enquanto conversam sobre métodos contraceptivos e o teste de gravidez que a mais velha fará no dia seguinte. No quarto principal, uma mulher divide seus pensamentos entre a contabilidade de sua padaria e o divórcio prestes a se concretizar. Para amenizar a dor de cabeça, ela toma um remédio à base de ácido acetilsalicílico, o princípio ativo da aspirina.
Se alguém perguntasse onde e quando essa cena aconteceu, a resposta poderia muito bem ser o Brasil ou os Estados Unidos há muito pouco tempo. Mas, por mais incrível que possa parecer, se alguém respondesse que a situação deu-se no Egito no tempo dos faraós, estaria absolutamente certo. A chance de momentos como esses terem ocorrido durante o reinado de Tutancâmon ou Ramsés é praticamente tão grande quando no Ocidente do século 20.
Escondidos sob a mística de pirâmides e maldições de múmias, os avanços científicos e culturais dos povos do Antigo Egito costumam surpreender mesmo a quem se considera iniciado no assunto. Diversas descobertas atribuídas a europeus pós-Renascimento fizeram parte do cotidiano daqueles que viveram às margens do Nilo muitos séculos antes de Cristo. O histórico dessa lacuna científica é complexo, rende livros e mais livros. Mas o fato é que muitas coisas que se acredita serem méritos de um passado recente na verdade são muito, mas muito mais antigas que as nossas tataravós.
Da aspirina ao teste de gravidez
Uma das revelações mais impressionantes ao estudar a herança do Antigo Egito é seu desenvolvimento em medicina e farmacologia. Em O Legado do Antigo Egito, o egiptólogo Warren R. Dawson, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, cita papiros médicos datados de até mais de 40 séculos atrás retratando procedimentos médicos e remédios usados até hoje por profissionais da área de saúde. Substâncias como óleo de rícino, ácido acetilsalicílico, própolis para cicatrização e anestésicos já eram conhecidas. Os documentos descrevem cirurgias delicadas, o engessamento de membros com ossos quebrados e todo o sistema circulatório do corpo humano.Antonio Brancaglion, historiador do Museu Nacional do Rio de Janeiro e membro da Associação Internacional dos Egiptólogos, conta que o desenvolvimento da medicina foi motivado, principalmente, pela quebra de um mito em relação à violação do corpo humano. “Outras povos da época, como sumérios e assírios, acreditavam que, se o corpo fosse aberto, a alma escaparia. É claro que isso sempre foi um impedimento para experimentos médicos”, diz Antonio. Entre os egípcios, no entanto, deu-se justamente o oposto.
A religião dos faraós deu uma senhora ajuda às descobertas médicas. “Eles acreditavam que para alcançar vida eterna a alma de seus mortos precisava de um corpo. Por isso, desenvolveram o que chamamos genericamente de mumificação”, afirma. A mumificação, na verdade, é um conjunto de procedimentos químicos e físicos que visava a preservação dos corpos (veja infográfico nas páginas 48 e 49). Esses processos exigiam a retirada cirúrgica de alguns órgãos internos, que eram separados uns dos outros. Em alguns casos, eles eram tratados e recolocados no lugar. Com isso, os egípcios passaram a conhecer o interior do corpo humano de uma forma inédita até então. Localizaram cada órgão e estudaram a relação entre eles. Embora estivessem errados em algumas de suas conclusões – eles acreditavam que o coração comandava nossos pensamentos – eles descobriram várias coisas que podiam ser aplicadas aos vivos.Um dos melhores exemplos disso é o conhecimento sobre o sistema circulatório. O corpo de Ramsés II (1279 a 1212 a.C.) teve suas veias e artérias retiradas, mumificadas e recolocadas. O hábito de tomar o pulso do paciente como forma de avaliar sua saúde é descrito no papiro Ebers, datado de 1550 a.C. “O batimento cardíaco deve ser medido no pulso ou na garganta”, dizia o antigo documento, certamente um dos primeiros livros de medicina do mundo. Essa é outra inovação egípcia. Eles anotavam tudo nos chamados papiros médicos (alguns desses documentos serão citados no decorrer desta reportagem). Segundo Dawson, o conhecimento médico até então considerado era sagrado e geralmente transmitido por tradições orais. Os registros eram raríssimos. No Egito, a intensa documentação sobre os procedimentos médicos permitiu que esse conhecimento fosse passado com maior exatidão – embora não menos sagrado.
O conhecimento da circulação sanguínea é responsável por um costume que persiste até hoje: o uso da aliança de casamento. Para os egípcios, do coração partiam veias que o ligavam diretamente a cada um dos membros. Na mão esquerda, essa veia terminava no dedo anular. Acreditando que o coração era o centro de tudo e que ele está ligeiramente deslocado para o lado esquerdo do peito, os casais passaram a colocar uma fita no dedo anular esquerdo como forma de prender o coração do amado. Com o passar do tempo, essa fita foi substituída por um aro de metal que, dependendo das posses do casal, poderia ser o ouro. Bonito, não?A mumificacão mudou muito nos mais de 3 mil anos em que foi praticada. Com ela, evoluiu também o conhecimento que tinham do cérebro. As primeiras descrições do processo indicam que o cérebro era retirado pelo nariz e jogado fora junto com o conteúdo dos intestinos dos mortos. Mas, com o tempo, os egípcios passaram a relacionar o funcionamento do órgão com a coordenação motora. Há descrições completas de procedimentos cirúrgicos intracranianos nos papiros do século 15 a.C. No entanto, só recentemente, em 2001, especialistas da Universidade de Chicago, Estados Unidos, que realizaram tomografias em ossadas encontradas em Saqqara, um dos sítios arqueológicos mais importantes do Egito, conseguiram demonstrar casos em que os crânios abertos cirurgicamente apresentavam indícios de cicatrização, o que leva a crer que o paciente sobreviveu à operação. E melhor: ele não deve nem ter sentido muita dor.
O uso de anestésicos era prática comum dos médicos da época. O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) Mário Curtis Giordani cita em seu livro História da Antiguidade Oriental um processo de adormecimento de partes do corpo feito com a utilização de uma mistura de pó de mármore e vinagre. Antonio Brancaglion destaca os anestésicos à base de opiáceos que eram ingeridos. Esses antecessores da morfina só voltaram a fazer parte dos procedimentos cirúrgicos cerca de três séculos atrás, na Europa. Os egípcios dominavam métodos avançados para amputação de membros e cauterização e davam pontos para fechar incisões. Acredita-se que foram os primeiros a utilizar essa técnica. Os médicos eram especializados como nos dias de hoje. Quem cuidava de fraturas não mexia com problemas de pele. A especialização incluiu o aparecimento dos odontólogos. Os dentistas já usavam brocas, drenavam abscessos e faziam próteses de ouro.
E, para quem pensa que a medicina egípcia era coisa para poucos, aí vai uma nova: os trabalhadores braçais – os mesmos que empurraram pedras monumentais para construir as pirâmides – possuíam uma espécie de plano de saúde. Escavações na Cidade dos Trabalhadores – um conjunto de casas encontrado na planície de Gizé, à sombra da grande pirâmide – revelaram múmias com até 4 500 anos que receberam tratamento médico. “Eram pessoas comuns que se curaram e voltaram ao trabalho”, afirma Zahi Hawass, diretor do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito. “Alguns corpos apresentavam marcas de fraturas consolidadas, membros amputados e até cirurgias cerebrais.”Outro avanço da medicina egípcia foram os métodos contraceptivos. A egiptóloga Margaret Marchiori Bakos, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, diz que a maioria deles consistia na aplicação de emplastros espermicidas na vagina. O papiro Ebers relata que “para permitir à mulher cessar de conceber por um, dois ou três anos: partes iguais de acácia, caroba e tâmaras; moer junto com um henu de mel, um emplastro é molhado nele e colocado em sua carne.” Um “henu” equivale a cerca de 450 mililitros. “A acácia continha goma arábica, que com a fermentação e a dissolução em água resulta em ácido lático, ainda hoje utilizado em algumas geléias contraceptivas. O mel, que também aparece no papiro Kahun, pode ter tido alguma eficácia. “Seu efeito tende a diminuir a mobilidade do espermatozóide”, diz Margaret.
Quando havia suspeita de gravidez eram feitos testes com a urina. “A mulher urinava em um recipiente em que havia uma variedade de cevada. Se ela germinasse, a gravidez estava confirmada”, diz Antonio Brancaglion. Para o especialista, independentemente do percentual de acertos, o mais notável é o conhecimento da relação entre a composição da urina e a gravidez.
Circunavegação da África e controle de cheias
A medicina não foi a única ciência em que os egípcios se desenvolveram. Eles foram engenheiros notáveis em química, construção civil, naval e hidráulica. “Nem sempre é possível afirmar que tenham sido precursores nesta ou naquela descoberta”, afirma Antonio, “pois a pesquisa nunca termina. Baseando-se no que se encontrou até hoje, dá para concluir que eles foram os primeiros em diversas tecnologias.”Na navegação, há fortes indícios de que alguns dos louros atribuídos aos fenícios precisam ser divididos com os egípcios. A vela mais antiga de que se tem notícia, por exemplo, é egípcia e foi encontrada dobrada dentro de uma múmia em Tebas, de cerca de 1000 a.C. Os mais antigos modelos de barcos a vela dos fenícios de Tiro e Cartago datam do século 8 a.C. Os egípcios foram os primeiros a projetar barcos pensando previamente no destino que eles teriam. Modelos militares eram diferentes dos cargueiros, que por sua vez não se pareciam com os utilizados para lazer ou cerimônias religiosas. Eles criaram os melhores barcos militares e a frota mais veloz. A chamada nau de Quéops, com 47 metros de comprimento e datada da Quarta Dinastia (2589 a 2566 a.C.), é a mais antiga embarcação desse porte encontrada até hoje. Num barco ainda maior, durante o governo do Necho II (610 a 595 a.C.), eles já haviam realizado a circunavegação da África.
Quem acredita que o primeiro navegador a dobrar o cabo das Tormentas, no sul da África, foi o português Bartolomeu Dias, em 1488, precisa rever seus conceitos.
Os armadores egípcios conheciam as propriedades de expansão da madeira, rigidez e durabilidade. Tais conhecimentos eram vitais na construção de embarcações capazes de sustentar blocos de pedras com mais de 80 toneladas. “O grande mistério da engenharia naval do Antigo Egito não é como os barcos agüentavam tanto peso, mas de que forma as pedras eram colocadas neles. Há diversas suposições, que vão da construção de diques secos até afundamento dos barcos para posterior emersão, no caso de cargas menores”, diz Antonio Brancaglion. Até agora não foram encontrados registros sobre como eles colocavam uma rocha de 80 toneladas numa balsa sem que ela adernasse durante a operação. Mas que eles conseguiam, conseguiam.Um dos feitos mais impressionantes dos engenheiros do Antigo Egito foi a construção de um antecessor do atual Canal de Suez. “Em aproximadamente 2500 a.C. os egípcios construíram uma eficiente passagem ligando o mar Vermelho ao Mediterrâneo, como os europeus vieram a fazer em 1869.”
O Nilo, artéria que era a própria vida do Antigo Egito, desde os primeiros povos que se instalaram na região, cerca de 5500 a.C, foi também uma importante fonte de pesquisa e avanços científicos. Os egípcios sabiam da importância do rio como via de transporte e de sua relação com a preservação e manutenção das terras férteis ao longo do vale. As cheias eram vistas como benéficas pelos egípcios e não como uma vingança dos deuses, como na Mesopotâmia. O livro do professor Mário Giordani mostra o uso de instrumentos para medir a variação das cheias (nilômetros), relata os conhecimentos sobre fertilizantes naturais, como esterco, o trabalho das minhocas e a própria lama do Nilo, que era transportada para áreas a princípio estéreis. Foram os primeiros também a utilizar o arado manual.Por volta de 2300 a.C. eles já aplicavam técnicas de irrigação artificial, por meio de canais com vazão controlada. Criaram um sistema de bombeamento de água chamado shaduf. Consistia em um processo elevatório que levava a água até locais naturalmente não inundados, para aumentar a área produtiva. O shaduf é usado até hoje, principalmente no bombeamento de pequenas quantidades de água ou situações em que o custo da implantação de sistema automático não é compensador. A roda para bombear água movida a tração animal também vem do Egito, no tempo dos romanos, entre 30 a.C. e 395 d.C.
Greves e telhado de vidro
Na construção civil, os egípcios foram grandes mestres. Construções como as grandes pirâmides, a esfinge e as estátuas no Vale dos Reis estão entre as estruturas mais belas e requintadas da Antiguidade, mas os exemplos do impressionante uso da pedra, da marcenaria e da fabricação do vidro estão por todo o Egito. E, mais uma vez, o modo de vida e a religião estão diretamente ligados ao desenvolvimento de técnicas de construção. “Os egípcios queriam durar para sempre e isso fazia parte de vários aspectos de sua cultura. Seus templos eram construídos com a expectativa de serem eternos. As paredes de pedra serviam, ainda, como suporte para sua história, seu contato com o passado”, diz Antonio Brancaglion.
Os egípcios são considerados precursores do uso de pedras para obras em larga escala. Os primeiros registros datam de quase 5 mil anos atrás. Na Terceira Dinastia, por volta de 2700 a.C., já se cortavam pedras no tamanho e no formato dos tijolos atuais. As construções em rocha e a precisão nos cortes mostram os conhecimentos geológicos avançados dessa civilização. Eles já sabiam que a dureza das rochas variava conforme sua composição mineralógica e que elas tinham pontos frágeis em sua estrutura, por meio dos quais se aplicavam as técnicas de corte. Nas fissuras eram introduzidos instrumentos de madeira, posteriormente molhados. Expandidos, eles forçavam a quebra da rocha no ponto desejado. Os egípcios criaram também os primeiros serrotes de metal. Eram utilizados em rochas menos duras, como o calcário.Desenvolveram técnicas de polimento com areia e modernas formas de encaixe, tanto da madeira quanto da pedra. “Recortes tipo macho e fêmea vieram daí”, afirma Antonio. “O pó que sobrava do corte e polimento das rochas era misturado a cal, gesso e água, formando uma massa usada para tapar buracos ou corrigir irregularidades nas paredes: um antepassado do cimento.” Ainda na construção civil, os discípulos dos faraós foram os primeiros a estudar profundamente o solo para a colocação de fundações e a construir sistemas de calhas para escoamento da água da chuva.
A estrutura de dutos e calhas também era montada no campo, para evitar deslizamentos de terra e inundação de áreas férteis pela chuva que escorria das encostas. A primeira barragem pluvial de que se tem notícia data do final da Segunda Dinastia (2750 a.C.). Tinha 10 metros de altura e 1,5 quilômetro de extensão. Cedeu numa tempestade quando estava em fase final de construção. A engenharia egípcia também foi a primeira a utilizar réguas, esquadros e prumos. Eles foram os inventores do vidro moldado, processo ainda presente em alguns setores da fabricação de vidro opaco. A técnica do sopro foi desenvolvida posteriormente na Mesopotâmia. A base da tecnologia da fundição do bronze e de outros metais no mundo todo também veio do Antigo Egito.
Os egípcios eram caprichosos joalheiros e marceneiros. A técnica de solda e montagem de jóias é a mesma dos tempos atuais e, na marcenaria, se destacaram pelos detalhes no entalhamento dos móveis e modernidade dos projetos. Já produziam móveis dobráveis e foram os precursores das camas com estrado. “Os egípcios de classes mais altas foram os primeiros a dormir em camas de madeira com estrado”, conta o especialista do Museu Nacional.
Com tanto trabalho por fazer, era natural que as primeiras organizações entre os operadores dessa incrível máquina de construir se formassem por ali. O Antigo Egito foi palco das mais antigas greves de que se tem notícia. O registro mais remoto de uma paralisação desse tipo aconteceu no Novo Império (entre 1570 e 1070 a.C.), durante o reinado de Ramsés III. Os operários da construção de um templo decidiram cruzar os braços por não receber no prazo combinado comida, roupas e maquiagem que usavam para trabalhar. O sacerdote tentou negociar com os grevistas, mas o patrão, ou melhor, o faraó não cumpriu a promessa. Só o fez dois meses depois, quando os operários não apenas cruzaram os braços novamente, mas também ocuparam o templo que estavam construindo.Se por um lado fizeram greves, por outro criaram técnicas de policiamento utilizadas até hoje, como o uso dos animais na captura de malfeitores. Há registros de policiais fazendo patrulhamento acompanhados por macacos e cenas de babuínos pegando ladrões em mercados.
Azul do céu e das tintas sintéticas
“Nem sempre os egípcios foram inventores desta ou daquela tecnologia. Muita coisa feita por outros povos eles aperfeiçoaram”, diz Antonio Brancaglion. Seu papel no mundo antigo não era o de produtor de matéria-prima, mas o de transformador de tecnologia e exportador. “Poderia ser comparado aos Estados Unidos de hoje, um grande centro de pesquisa e comércio internacional.”A criação da cerveja, por exemplo, costuma ser atribuída a eles, mas os mesopotâmicos também conheciam o método de fermentação e fabricavam bebida semelhante. “Só que ninguém se aperfeiçoou tanto nos aromas e na variedade de sabores como os egípcios. O que possivelmente tenha sido idéia deles foram as grandes cervejarias, aonde as pessoas iam para beber e conversar já em 1500 a.C. A indústria da panificação também vem dos egípcios, bem como a adição de frutas e temperos aos pães”, afirma o professor.
Além de estudiosos da Terra, os egípcios gostavam de desvendar os mistérios do céu. O mapeamento celeste foi feito por egípcios e mesopotâmicos. Aos egípcios coube o reconhecimento das estrelas para contar as horas de noite e a montagem do primeiro calendário solar, com 365 dias em 12 meses. Foram eles também que dividiram o dia em 24 horas, 12 para a noite e 12 para o dia. Identificaram planetas como Vênus e Marte e estrelas como Sirius e Órion e localizaram o norte pelo posicionamento das estrelas.
Os egípcios foram químicos valiosos. Pioneiros na indústria de perfumes e excelentes técnicos na área de cosméticos – a maquiagem tinha uma grande importância para a saúde, pois sua composição protegia a pele dos efeitos do sol –, eles foram os primeiros a fabricar uma tinta sintética. “Os artistas usavam tintas com base mineral em vez de vegetal, como faziam outros povos. O branco vinha do cal, o amarelo do ferro, o preto do carvão e assim por diante. Muita gente pensa que o azul vinha do lápis-lazúli moído, o que não é verdade. Essa rocha gera pó branco e não azul. Para chegar ao azul eles misturavam óxidos de cobre e cobalto com bicarbonatos de sódio e cálcio e fundiam a mais de 700 graus Celsius.Essa fusão resultava em uma pedra azul que era moída e misturada com um aglutinante natural, como clara de ovo ou goma arábica, e virava uma espécie de guache”, diz o estudioso. Os vernizes criados naquela época à base de damar, uma resina vegetal, são utilizados até hoje. Eles conheciam o betume e usavam uma espécie de piche como selante.
Instrumentos como harpa, flauta, trombeta de metal, oboé e dois tipos de alaúdes, o menor com um som parecido ao do violino, também são originários da terra dos faraós, bem como jogos de tabuleiro e brincadeiras infantis como cabra-cega e amarelinha. Com toda essa herança, por mais que as origens de cada um de nós não passe nem perto das etnias do Antigo Egito, essa civilização faz parte dos nossos hábitos e costumes.Eles queriam ser eternos. Ordenaram todas as suas energias, corações e mentes para isso. Construíram seus templos de pedra, onde gravavam suas memórias nas paredes, mumificavam os mortos para que seus corpos vivessem até a eternidade e, assim, desenvolveram a ciência, a arte e os costumes. Não resta dúvida: eles conseguiram.

As primeiras feministas


Afirmar que as egípcias foram as primeiras feministas da história pode parecer precipitado, já que o assunto dificilmente estaria em pauta naquela época. Mas, queimas de sutiãs à parte, no mundo dos faraós elas tinham poder e direitos de dar inveja a diversas sociedades contemporâneas. Dependendo da classe social, pode-se até concluir que tinham mais direitos e papel bem mais expressivo que muitas mulheres do século 21.
Conquista como o divórcio, que, no Brasil, só aconteceu na década de 1970, era uma prática aceita naquela sociedade, inclusive quando solicitado pela própria mulher, afirma a professora Margaret Bakos. Foram encontrados registros de pedido de divórcio por parte do homem e da mulher no Novo Império (1555 a 1090 a.C.).
Há documentos que mostram as preocupações com a situação dos bens do casal em caso de separação, quando a mulher costumava ficar com a casa e com os filhos. A poligamia não era proibida, mas a responsabilidade financeira que um egípcio tinha com suas mulheres o fazia pensar muito antes de ter mais de uma esposa.
A egiptóloga diz que não havia qualquer referência nos papiros em relação à virgindade ou à restrição do sexo apenas com finalidade de procriação. “Os egípcios não eram tímidos em relação ao sexo, tinham consciência de seus prazeres, mas não costumavam tornar o assunto público. Quanto ao aborto, sabe-se que existia, mas não era prática comum”, afirma Margaret. “Há registros de pessoas que foram incriminadas por terem conduzido um aborto que resultou na morte da mulher.”
A maioria de suas tarefas era voltada para o lar, mas havia sacerdotisas, agricultoras, escribas e donas de seus próprios negócios (padarias, peixarias) e galgavam com méritos próprios posições hierárquicas. Elas casavam cedo, normalmente próximo da primeira menstruação, mas isso não significa que não fossem sexualmente ativas antes da coabitação, lembra a historiadora. Pelos registros encontrados, o valor do pagamento por seus trabalhos era igual ao dos homens. O homem e a mulher tinham posição de igualdade perante a lei. A mulher podia herdar, deixar heranças, trocar e vender propriedades e escravos.
Conscientes ou não do conceito de feminismo, as devotas da deusa Ísis têm muito a ensinar àqueles que hoje ainda fazem distinção entre os direitos dos seres humanos, qualquer que seja a desculpa adotada.

A ciência da mumificação

A preocupação com os mortos revelou importantes segredos do corpo humano
Os grandes avanços da medicina praticada pelos povos do Antigo Egito devem-se, principalmente, aos sofisticados processos de mumificação. Por meio deles, conheceu-se detalhadamente todo o sistema circulatório, as vísceras, bem como o funcionamento do coração, que os egípcios acreditavam ser o gerenciador do corpo e das emoções. Com o objetivo de preservar os cadáveres, eles desenvolveram técnicas de embalsamamento e estudaram profundamente métodos de retirada de órgãos. Para tanto, eles estudaram a fundo a anatomia e criaram instrumentos específicos para cada função, tataravôs dos bisturis, agulhas e pinças encontrados nas mãos dos cirurgiões modernos. Os médicos registravam cada avanço em papiros estudados até os dias de hoje.
SALGADOS
Os corpos e órgãos eram tratados com nitrão, um sal mineral comum na região, para evitar a decomposição
ATADURA
As faixas de linho que envolviam os mortos eram banhadas em resina e goma
LAVAGEM
Fígado, estômago e intestinos eram lavados diversas vezes antes de serem envasados
SOBRAS
Resíduos resultantes das incisões para retirada de órgãos durante a mumificação eram jogados no rio
COM AS TRIPAS DE FORA
As vísceras eram cuidadosamente retiradas e colocadas em jarros de barro, chamados canopos. Eles eram guardados nas tumbas próximo aos sarcófagos. As tampas reproduziam imagens sagradas
BOLETIM MÉDICO
Os conhecimentos científicos eram registrados por meio de relatos e desenhos em documentos chamados papiros médicos. Tais registros indicavam que os médicos egípcios se dividiam em especialidades. Durante a mumificação os papiros usados não eram os científicos, mas aqueles que continham trechos das orações encontradas no Livro dos Mortos
FACA AFIADA
Os métodos mais sofisticados de mumificação previam a retirada das vísceras antes do início do enfaixamento do corpo. A extração acontecia por meio de cortes precisos, feitos por lâminas afiadas que deram origem a alguns instrumentos cirúrgicos contemporâneos, como o bisturi. O cérebro costumava ser extraído pelas narinas. Graças a essas incisões é que os egípcios conheceram o interior do corpo humano
BANHO DE CHEIRO
Antes de enfaixar os mortos, os egípcios costumavam besuntar o cadáver com óleo perfumado. As faixas de linho engomadas eram colocadas primeiro na cabeça, depois nas mãos – respectivamente na direita e na esquerda – nos pés, primeiro no direito e posteriormente no esquerdo, e só depois na outras partes do corpo. Uma múmia podia ter até 20 camadas de tiras de pano sobrepostas
CACHORRÃO
A espiritualidade do ritual era garantida por um sacerdote usando uma máscara do deus Anúbis.

A complexidade da escrita hieroglífica


Os hieroglifos chamam atenção pela beleza de seus traços e pela riqueza de detalhes. Juntamente com os ideogramas chineses, eles atraem o olhar de muita gente que não faz a menor idéia de seu significado, mas que propaga seu uso em objetos de decoração e adornos. Com sintaxe complexa, os hieroglifos surgiram entre 3500 e 3000 a.C. e eram usados em escrituras oficiais e religiosas.Ciro Flamarion Cardoso, professor de História Antiga e Medieval da Universidade Federal Fluminense, afirma que os hieroglifos têm três tipos de representação. “Eles podiam aparecer como signos fonéticos indicando um, dois ou três sons equivalentes a consoantes ou semiconsoantes, já que as vogais não eram representadas; como complementos fonéticos da leitura ou ainda como signos puramente ideográficos”, afirma Ciro. Por exemplo: um homem sentado podia indicar que a palavra anterior se referia a alguém do sexo masculino, sem que essa representação tivesse algum valor fonético. “Cada palavra egípcia tem uma raiz invariável, à qual se agregam desinências indicativas de gênero, número, flexões verbais. Essas indicações vêm sempre no fim da palavra”, diz o especialistaSegundo ele, a elipse alongada (cartouche) em torno dos nomes ou referências dos reis indica proteção divina. Na inscrição relativa a Tutancâmon (ao lado), o primeiro cartouche contém o nome de trono do monarca. O segundo, seu nome pessoal e o terceiro, sua função. As frases podiam ser escritas em colunas ou linhas e a direção da leitura era indicada pelos signos que representam os seres animados (insetos e aves, por exemplo), que sempre olham para o início da frase. Em geral, o egiptólogo tem de separar as palavras e frases entre si pela lógica ortográfica e gramatical do período em que o texto se gerou. “Os egípcios procuravam mostrar os signos de maneira estética, em função disso dispunham-nos às vezes em cima um do outro ou até mesmo superpondo-os”, afirma o especialista.

Os reis loucos da história


O pensamento absolutista, vigente no contexto da Europa Moderna, defendia o chamado “direito divino dos reis”. De acordo com esse princípio, a existência do monarca refletia um desejo divino em designar determinado indivíduo ou família para controlar um reino. Contundo, a justificativa religiosa para tal fato esbarrava na loucura de alguns reis que não pareciam ser abençoados com a sabedoria, o bom senso e a inteligência necessários para assumir um importante cargo.Na verdade, esses casos de “loucura real” são registrados há bastante tempo e figuram algumas estranhas páginas da história de certas civilizações e reinados. Depois de perder dois conselheiros que faziam tudo por ele, o imperador romano Marco Aurélio Cômodo resolveu empreender um governo narcíseo onde ele simplesmente se autoproclamou como sendo a reencarnação do herói grego Zeus. A obsessão heróica foi tanta que ele ordenou que todos o chamassem dessa maneira.Não bastando o ego inflado, o imperador Cômodo adorava participar de verdadeiras carnificinas promovidas durante os jogos flavianos. Uma de suas principais diversões consistia em decapitar alguns exemplares de avestruz para desfrutar do estranho prazer de assistir os pobres animais correndo sem a cabeça. Temendo que sua loucura se voltasse contra seus próximos, os familiares do imperador tomaram as devidas providências para que ele fosse morto.No final da Idade Média, o rei francês Carlos VI surtou repentinamente quando organizava uma expedição contra um traidor que visava matar um de seus conselheiros reais. Durante a primeira manifestação de loucura, o rei teve a impressão de ter ouvido um zunido de lança que supostamente o atingiria. Pensando estar cercado pelos seus inimigos, o rei acabou matando cinco de seus próprios soldados. Depois disso as coisas só pioraram, Carlos VI delirava, jogava objetos no fogo e urinava em seus trajes.Em relato pessoal, um clérigo francês dizia que o rei acreditava ser tão frágil como uma peça de vidro. Por isso, o rei exigia que não fosse tocado por ninguém e buscava estranhas formas de evitar uma queda que pudesse “estilhaçá-lo”. Preocupados, os médicos tentaram vários tratamentos que dessem fim à tormenta real. Tentou-se de tudo para que o rei voltasse à realidade: drenagens cerebrais, exorcismo e sustos. Contudo, somente a morte conseguiu dar fim à agonia de Carlos VI, falecido em 1422.Outros monarcas de maior expressão também tiveram seu espaço nessa infame história da loucura. O czar russo Ivan, o Terrível, tinha comportamentos sádicos desde a mais tenra idade. Quando criança, adorava subir no teto do palácio para lançar cães e gatos. Depois de perder seus pais, o pequeno Ivan sofreu uma série de maus tratos deferidos por interesseiros tutores que almejavam seu posto. Quando cresceu, passou a torturar e matar todos aqueles que pudessem oferecer risco à sua autoridade.Certa vez, buscando conter as intenções autonomistas da cidade de Novgorod, Ivan ordenou uma grande chacina contra os habitantes da região. Vários foram lançados em rios congelados ou submetidos a estranhos rituais de morte. Contraditoriamente, o rei costumava bater a cabeça na parede e rezar por aqueles que eram vítimas de sua perseguição. Segundo alguns especialistas, a loucura de Ivan poderia ter sido causada pelo hábito de ingerir mercúrio ou por um avançado quadro de sífilis que o atacava.Em nossa história temos vários casos de inapetência política, mas o mais famoso monarca ensandecido da história brasileira foi Maria I, mãe do rei Dom João VI. O fervor religioso e a perda do marido e de seu filho são possíveis justificativas para as atitudes da rainha lusitana. Na maioria das vezes era tomada por surtos que a instigavam a ter um medo exagerado de crucifixos e proferir insultos contra as pessoas que a acompanhavam.Com a ascensão de Napoleão Bonaparte e todas as agitações políticas causadas pela Revolução Francesa, o estado mental de Maria I só piorou. A rainha costumava ter visões demoníacas, comia somente um tipo de prato e disparava palavrões sem a menor razão. Diante o grave quadro psicótico, os súditos ainda tentaram curar a rainha contratando os serviços de um médico britânico, mas nada adiantou. Com isso, Dom João VI acabou assumindo o trono de Portugal na qualidade de príncipe-regente.

História do banho



Atualmente, o desenvolvimento tecnológico e medicinal nos passa uma falsa impressão de que o hábito de tomar banhos, assim como outros cuidados com a higiene pessoal, se aprimorou com o passar do tempo. Um dos mais famosos casos que refutam essa afirmação se encontra na própria história do Brasil, quando os portugueses se intrigavam com o hábito dos nativos de se banharem por diversas vezes ao dia. Contudo, as peculiaridades sobre o banho não para por aí...Entre os antigos egípcios é onde encontramos os mais antigos relatos sobre o hábito de se tomar banho. Segundo documentos de mais de 3000 anos, o ato de tomar banho era sagrado e parecia ser uma forma de purificar o espírito do indivíduo. Não por acaso, eles tomavam cerca de três banhos em um só dia. Para muitos especialistas, o ritual acabou afugentando essa civilização de várias epidemias e pragas comuns à Antiguidade.Na lendária civilização cretense, os banhos faziam parte dos intervalos que ordenavam a realização de banquetes. Sendo um dos povos que participaram da formação da civilização grega, os cretenses tiveram essa tradição mantida pelos povos que habitaram a Hélade. Para os gregos, o contato com a água integrava o processo de educação de seus jovens. De acordo com as várias representações da época, o indivíduo bem ensinado tanto dominava a leitura, assim como praticava a natação.No decorrer da Antiguidade, os romanos, visivelmente influenciados pela cultura grega, ampliaram a recorrência do hábito realizando a construção das famosas termas. Uma terma consistia em um edifício repleto de vários salões que contavam com vestiários, saunas e diversas piscinas. Ligeiramente semelhantes aos resorts do mundo contemporâneo, algumas dessas construções romanas também contavam com bibliotecas, jardins e restaurantes.Se no Império Romano as pessoas não tinham o menor pudor de se banharem nesses locais públicos, na Idade Média a coisa mudou bastante de figura. O papa Gregório I foi um dos mais importantes precursores do repúdio ao banho ao dizer que o contato com o corpo era via mais próxima do pecado. Dessa forma, o tomar banho se transformou em uma atividade anual e acontecia em um simples barril de água. Fora disso, os asseios diários eram feitos pelo uso de panos úmidos.Se no Ocidente a moda do banho estava em baixa, os povos orientais trataram de manter o hábito bem ativo entre os seus comuns. Nos países de origem turco-árabe temos ainda hoje as hamans, luxuosas casas de banho onde os muçulmanos tomam banho, depilam, passam por sessões de massagem, branqueiam os dentes e se maquiam. Com o advento das Cruzadas, entre os séculos XI e XIII, o hábito de tomar banho ganhou algum espaço nos fins da Idade Média.Nos séculos XVI e XVII, as noções de saúde e doença mais uma vez se tornou uma afronta ao hábito de se tomar banho regularmente. Nessa época, os médicos acreditavam que as doenças consistiam em manifestações malignas que tomavam o corpo do indivíduo por meio de suas vias de entrada. A partir dessa premissa, a classe médica concluiu que o banho em excesso alargava os poros da pele e, com isso, deixava o sujeito suscetível a uma doença.Somente no século seguinte, com a ascensão da ciência iluminista, que o banho foi redimido como um meio de se cuidar da saúde. Contudo, as várias décadas de uma cultura avessa ao contato do corpo com a água conseguiu manter certa resistência ao banho. Em vários relatos do século XIX, temos a descrição de doentes que foram obrigados a tomar banho à força.A popularização do banho só aconteceu de fato no Ocidente a partir da década de 1930. Nessa época, a lavagem do corpo era realizada aos sábados, mesmo dia em que as peças íntimas das crianças eram trocadas. Após a Segunda Guerra Mundial, o processo de reconstrução de várias casas permitiu que os chuveiros fossem disseminados por toda a Europa. Atualmente, nosso banho deixou de ser um ato público, mas ainda é premissa fundamental para que os outros tenham uma boa impressão de nós mesmos.

Canibalismo



O canibalismo, tão condenado por questões éticas e morais contemporâneas, foi um hábito existente ao longo da história. Longe de uma velha conotação que associa o consumo de carne humana a algum tipo de ritual religioso, o canibalismo é uma prática dotada de diferentes motivações e características ao longo do tempo. 

Na Pré-História, diversos vestígios de corpos esquartejados e ossos quebrados levantam a hipótese de que esse tipo de “dieta” foi presente entre alguns povos dessa época. No Brasil, os relatos de Hans Staden davam conta da presença de tribos que apreciavam o consumo de carne humana. Os índios Pacura, da Amazônia, chegavam a elaborar um tipo específico de “engorda” para que a carne de seus prisioneiros fosse bem mais palatável. 

A existência de tribos canibais na América foi uma questão presente durante o processo de colonização européia, a partir do século XVI. O canibalismo, sob olhar do colonizador, era uma evidência da selvageria a ser banida das culturas nativas, seja pela via do conflito, ou pela aculturação. No entanto, percebemos que esse tipo de prática envolve questões muito peculiares a cada uma das culturas onde o canibalismo se fez presente. 

Em algumas civilizações, como os tupinambás e celtas, o consumo da carne de seus inimigos era vista como uma importante estratégia de sua cultura guerreira. A ingestão de partes do corpo de um oponente poderia oferecer a habilidade, força e inteligência do mesmo. Dessa forma, quanto mais difícil o oponente vencido mais cobiçada era a ingestão de suas carnes e órgãos. 

Sendo motivo de repulsa e discussão, o canibalismo chegou até mesmo a fazer parte de histórias fictícias. O Dr. Hannibal criado pelo escritor Thomas Harris e mundialmente famoso pela interpretação de Anthony Hopkins no filme “O Silêncio dos Inocentes”, de 1991, faz parte de uma trilogia onde um jovem, por meio de uma vida de traumas e brutalidades, transformou-se em um temido canibal. 

Esporadicamente, a ação isolada de alguns seriais killers e psicopatas faz esse tema vir à tona novamente. Em outros casos, situações de extrema colocam em xeque o limite entre os valores da cultura e a luta pela sobrevivência. O caso dos sobreviventes à queda do avião Fairchild F-227, em 1972, é um desses exemplos. Isolados no clima extremo da Cordilheira dos Andes, os sobreviventes viram-se obrigados a consumir as carnes daqueles que morreram na queda da aeronave. 

O atual valor negativo do canibalismo sustenta-se em valores onde noções de afeto, moral e individualismo impõem extrema censura a esse tipo de ato. Ao tornar-se um tabu em nossa cultura, transforma-se em um tema indigesto e, ao mesmo tempo, curioso.

Os Incas


Fixados na região dos Andes, os incas constituem uma grande civilização que dominou uma ampla faixa de terras pelo território sul-americano. De acordo com um relato de natureza mítica, o povo inca se fixou inicialmente na região de Cuzco e teve como primeiro grande líder Manco Capac. Por causa das condições geográficas mais favoráveis, a presença inca se concentrou primeiramente na região central dos Andes.
Por volta do século XV os incas estabeleceram um processo de expansão territorial que buscou os planaltos encravados entre as montanhas andinas e as planícies do litoral Pacífico. Sob a tutela do imperador Pachacuti Yupanqui, outras populações foram militarmente subordinadas ao poderio inca. Com isso, a civilização passou a tomar a feição de um grande império.
“O Inca” era a mais importante autoridade política entre o povo inca. Venerado como o descendente do deus-sol Inti Raymi, o imperador era o principal guardião de todos os bens pertencentes ao Estado, incluindo a propriedade das terras. Os terrenos cultiváveis eram divididos em três parcelas distintas: a terra do Inca, destinada ao rei e seus familiares; a terra do deus-sol, controlada pelos sacerdotes; e a terra da população.
Em um âmbito geral, a elite da sociedade inca estava composta pela família real e os ocupantes dos altos cargos político-administrativos (sacerdotes, chefes militares, juízes, governadores provinciais e sábios). Logo abaixo, em posição mediana, temos os comerciantes e artesãos que garantiam a circulação de mercadorias que atestaram a presença de uma rica cultura material.
Os camponeses se organizavam através de um extenso grupo familiar que ficava conhecido com o nome de ayllu. Cada ayllu tinha o trabalho agrícola, o serviço militar e suas demais obras organizadas por um líder mais velho chamado curaca. Geralmente, cada uma dessas unidades de produção era dotada de um grande armazém que estocava alimentos e roupas utilizados em qualquer eventualidade.
A religiosidade dos incas era marcada pela adoração de vários elementos da natureza, como o sol, a lua, o raio e a terra. No sistema de valores da religião inca, todos os benefícios alcançados deveriam ser retribuídos com algum tipo de sacrifício que expressava a gratidão dos homens. Por esse fato, observamos que os incas organizavam vários rituais onde os sacrifícios, inclusive de humanos, eram comuns.
Para interligar as cidades de integravam o Império Inca, uma série de estradas em pedra foi construída com o objetivo de facilitar a comunicação e o deslocamento entre as pessoas. Vale ressaltar que as cidades incas contavam com vários projetos arquitetônicos complexos que incluíam a construção de palácios, fortalezas, e templos com dimensões surpreendentes.
No século XVI, momento que marca a chegada dos espanhóis à América, a civilização inca sofria com uma série de conflitos de ordem interna. Aproveitando dessa instabilidade, os colonizadores europeus empreenderam um violento processo de dominação. No ano de 1571, os remanescentes desta civilização foram subordinados após a morte de seu líder, Tupac Amarú I.

sábado, 29 de agosto de 2009

A contracepção na História


Atualmente, vários países discutem a questão da miséria e da pobreza do mundo. Para alguns especialistas, a fome e os problemas de saúde que afetam várias nações estão intimamente ligados ao controle de natalidade. Apesar da relevância contemporânea deste assunto, podemos observar que a concepção da vida é uma preocupação bastante antiga na História.
Em sua afamada obra A Política, Aristóteles já sugeria que todos os casais deveriam ter um limite máximo de filhos e que, quando necessário, a mulher deveria abortar. Em contrapartida, Hipocrates, considerado o Pai da Medicina, refutava essa mesma prática por conta dos riscos que ela oferece à saúde da mulher. Sob o ponto de vista moral, Plínio, o Velho, acreditava que o aborto era uma prática que inferiorizava os homens.
Para Sorano de Éfeso, o aborto deveria ser permitido toda vez que a gravidez representasse algum risco de vida à mãe. Contudo, essa escolha estava sempre vinculada ao poder de decisão do marido, interessado maior em obter um herdeiro para que administrasse suas posses e riquezas. Em certa medida, a recriminação masculina do aborto esteve vinculada a questões de ordem política e econômica.
Já nessa época, corria uma discussão paralela que pensava se o aborto envolvia ou não a extinção de um ser vivo. Baseado nas reflexões aristotélicas, o filósofo Santo Agostinho acreditava que um feto só poderia ser reconhecido como humano após 40 ou 80 dias do primeiro chute no ventre. Quando o aborto ocorria antes desse prazo, deixava de ser encarado como homicídio para ser julgado como crime de importância menor.
Entre os séculos XIX e XX, o aborto foi visto como um verdadeiro atentado contra os projetos de natureza nacionalista. Entregando-se ao seu “dom natural”, a mulher deveria se entregar inteiramente à maternidade. Isso porque cada um de seus filhos teria a importante missão de trabalhar, lutar ou contribuir para o triunfo da nação. Dessa forma, o aborto era visto como um atentado contra o desenvolvimento nacional.
Mesmo com a reprimenda do Estado e dos membros eclesiásticos, o aborto sempre teve uma presença relevante nas mais diferentes sociedades. Não por acaso, os métodos contraceptivos mais peculiares eram recomendados. No século II, Sorano aconselhava que a mulher contraísse o abdômen e retivesse a respiração para que o sêmen não atingisse o fundo do útero.
Entre os romanos, havia a ingestão de soluções de água, sal e vinagre. Ao longo do tempo, receitas com ervas, cremes e óleos vaginais, pessários, integravam uma infinita farmacopeia contraceptiva. Em contrapartida, vários governos criminalizaram a prática alegando o prejuízo moral e religioso que se atrelava ao aborto. Em muitos casos, o Estado determinava que o combate ao aborto integrasse suas funções políticas de garantir a vida de seus cidadãos.
Na década de 1960, a invenção do anticoncepcional e a ascensão do movimento feminista configuraram uma nova situação para o tema. A partir de então, religiosos e governantes salientaram os riscos que a prática abortiva ofereceria à mulher. Por fim, ainda sabemos que o assunto está longe de chegar a uma conclusão. O reconhecimento da vida e a autonomia da mulher são questões que nunca chegarão a um consenso geral.

Sem palavras.......

Eram os deuses astronautas....vc decide...


Se os astronautas da terra pousassem em um planeta do cosmo que tivesse vida humana com uma evolução igual na idade da pedra,os seres existentes ficariam chocados com a nave espacial, objeto estranho para eles, se esconderiam no fundo das cavernas e poderiam supor que fossem deuses, que desciam do céu. Aos poucos iriam se aproximando, e haveria um cruzamento entre algumas mulheres com os astronautas, surgindo uma geração mais evoluída. Quando os astronautas voltassem para a terra, deixariam naquele planeta, seus conhecimentos, seus objetos e desenhos. Isto pode ter acontecido em nosso planeta terra, pois ainda hoje existem muitos fatos inexplicáveis. O almirante Piris Reis, oficial da marinha deixou mapas antigos com desenhos completos e muita precisão. Há um campo de pouso na antiga cidade de Nacza e nas montanhas no Peru ao sul de Lima, foram encontrados enormes desenhos. Em Tiahuanaco foi encontrado um calendário pré-histórico com estações do ano. No Velho Templo foi encontrado o Grande ídolo com sete metros e vinte toneladas. Condutores de água feitos em pedra, cabeças de pedra, estranhos capacetes, uma escultura com 3 metros de altura e cinco metros de largura denominada como “Porta do Sol” e terraços murados. Em Ezeon-Geber foi encontrada uma fundição que é a maior do Oriente Médio, com forno ultramoderno e cinco mil anos de idade. Na colina de Kuyundjick, antiga Ninive, encontraram numeração com quinze casas, 12 placas de argila com gravação de epopéia heróica – Poema de Gilgamés. O terraço de Balbec é uma plataforma construída com blocos de pedra, situada ao norte de Damasco, e supõe que seja uma planície de aterrisagem. A pirâmide de Quéops possui uma circunferência que dividida pelo dobro da altura tem como resultado o famoso número de Ludof, o “Pi” que é igual 3,1416. Ninguém consegue entender como 2.600.000 blocos foram serrados das pedreiras, transportados e ajustados com exatidão entre si. 
A construção mais antiga erguida pelos maias é o “Observatório de Chilchén”, com três terraços superposto, uma escada em caracol e orifícios para ver as estrelas. Em relação ao “Poço Sagrado” de Chilcén Itzá, Diego de Landa afirma que eram jogados meninas e garotos para abrandar a ira do deus da chuva, nos tempos de seca. 
Foram encontrados no ano de 1900, destroços de um navio com máquina como se fosse uma espécie de computador, carregando estátuas de mármore e bronze, que se encontra guardada no Museu de Arqueologia em Atenas. No Museu Britânico de Londres há uma placa com registros dos eclipses lunares do passado e do futuro. Existem várias lendas: A lenda de “Orjina” que seria uma mulher com quatro dedos, que veio das estrelas em uma espaçonave dourada, “deu à luz a setenta filhos e regressou às estrelas”. A lenda maia “Popol Vuch” relata que os deuses conheciam o Universo, os quatro pontos cardeais e a face redonda da terra. Kunti ficou grávida do deus Sol, colocou a criança em uma cestinha e soltou no rio. Adhirata pescou a cestinha e criou a criança. O cavalo “Arremessador de Cascos” leva a serva Gna da deusa Frigg para diversos mundos, elevando-se no ar e locomovendo do céu. O deus criador “Viracocha” criou o mundo, o homem e animais de barros para que eles voassem para vários continentes com o fim de habitá-los. O deus Quetzalcoalt veio de uma terra do sol, ensinou o povo a produzir espigas milho do tamanho do homem, algodão colorido, depois embarcou em um navio e foi para a estrela d''alva. 
Muitas bibliotecas antigas foram queimadas como a biblioteca de Jerusalém, a biblioteca de Pérgamo com duzentas mil obras, em Éfeso textos foram destruídos por Paulo; Hitler mandou incinerar livros em praças públicas. Na biblioteca de Alexandria quinhentos mil volumes pertencentes ao sábio Ptolomeu Sóter foram destruídos.
Em um edifício de Edfu está registrado que a construção é de origem supra terrena, com planta desenhada por um ser endeusado Im-Hotep. Na caverna de Qumsram, Mar Morto foram encontrados ttos que falam de carros celestes, de rodas, de fumaça e de filhos do céu. Há muitas passagens da bíblia como a da mulher de Ló que olhou para o sol atômico, a do profeta Ezequiel que viu descer do céu um metal brilhante, o relato de Moisés dizendo que deus manda construir a Arca da Aliança, a luta de Davi com o gigante de seis dedos,  e a visão de Eva de um carro de luz puxado por águias cintilantes. Há uma expectativa de que no futuro o homem possa colonizar Marte, quando a terra se tornar inabitável devido à radioatividade. Hoje muitas pessoas se sustentam devido à pesquisa no espaço cósmico. Acreditam que teremos que buscar material nuclear em Marte ou Vênus para iluminar nossas cidades quando as energias da terra se esgotarem. Foram vistos e comprovados objetos voadores na terra muitas vezes. Em Nova York foram enterradas duas cápsulas do tempo com grandes quantidades de modelos que existem hoje, com o objetivo de transmitir nosso modelo de vida ao futuro, caso haja explosão atômica que destrua tudo.A NASA possui um programa de pesquisa completo, com oito sondas planejadas e dezoito centros que poderão se tornar estações de partida no futuro para vôos cósmicos.



quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Suméria


Quem vivia ali já não podia reclamar de nada sob o risco de levar bala. Também tinha que se virar sem remédios, aparelhos médicos ou comida – um embargo econômico assolava o país havia dez anos. Em março do ano passado, para piorar, o lugar foi invadido por todos os lados, teve suas cidades destruídas e quase 15 mil pessoas mortas, além de milhares de vítimas feridas. O Iraque foi o pior lugar do mundo em 2003 e talvez em toda a última década. Mas sua história nem sempre foi assim. Na mesma terra que recebeu as bombas daisy cutters americanas (as maiores e mais poderosas bombas não atômicas, que os militares americanos chamam ironicamente de “cortadoras de margaridas”), se assentam os restos da civilização mais esplendorosa do início dos tempos. O povo que criou a escrita, as primeiras técnicas de engenharia e cujas lendas e mitos estão repetidas em várias culturas posteriores, como a babilônica e hebréia.
Foram os sumérios que cravaram um fim nos 150 mil anos de Pré-História, com a invenção da escrita cuneiforme. Também inventaram o modelo de cidades, em um território que começava próximo ao centro do atual Iraque, onde hoje é Bagdá, e seguia em direção do sul até mar. Isso tudo entre 4000 a.C. e 1600 a.C, quando a Mesopotâmia, a região entre os rios Tigre e Eufrates, era marcada ora por tempestades de areia que se arrastavam por quilômetros, ora por regiões pantanosas e alagadiças. “Foi uma espécie de primeira revolução urbana da história”, diz Marcelo Rede, professor de história antiga da Universidade Federal Fluminense (UFF). As primeiras populações estabelecidas na planície da Mesopotâmia eram nômades ou seminômades.
“A passagem para a agricultura foi o passo fundamental para a sedentarização, e as cidades surgem como aglomerados de comunidades agrícolas”, afirma o professor. De um povo originariamente agrícola que precisava lutar contra a fúria da natureza, surgiu uma civilização urbana, com comércio desenvolvido e que primava pelos registros escritos. Sua estrutura social privilegiando o varejo gerou uma elite cercada por luxos e prestadores de serviço. As palavras dos membros dessa elite tinham tanta força que eles legitimavam seus documentos por meio de um objeto usado até hoje: os selos. Cilíndricos, eles eram cunhados em pedra e rolados em tabletes de argila.
Raízes da raiz quadrada
Como bons comerciantes, os sumérios foram bastante dedicados à matemática. Há registros de transações comerciais envolvendo crédito, empréstimo e pagamento de juros mesmo sem sistema de cunhagem de moedas. Os preços eram geralmente fixados em relação ao valor de metais como cobre e prata, trazidos de outras regiões. Os sumérios foram os precursores da tábua pitagórica, raízes quadradas e cúbicas, frações com numerador 1, pi com valor de 3, bem como do sistema sexagesimal, que originou conceitos usados até hoje, como a hora de 60 minutos e ângulo de 360 graus.
Toda essa matemática era usada para controlar as águas dos rios Tigre e Eufrates. Canais e barreiras eram construídos para controlar as cheias, o que também ajudava a facilitar a navegação e o abastecimento das cidades. Um desses canais partia da cidade de Hit e seguia paralelo ao Eufrates por quase 400 quilômetros. Ao contrário dos egípcios, que viam nas cheias do Nilo um benefício para o cultivo, os sumérios encaravam as inundações como uma maldição divina – uma delas pode ter criado a lenda bíblica do dilúvio (leia quadro na página 55). Esse medo de inundações provavelmente surgiu porque as cheias do Nilo aconteciam na época de germinação das sementes, ajudando a fertilidade do solo, enquanto na Suméria elas ocorriam sem data prevista e quase sempre perto da época da colheita. A força dos rios era usada até como tática militar: inundava-se uma cidade para dominá-la.
E nada era mais comum entre os sumérios que brigas. Guerras eram travadas não contra nações vizinhas, mas entre eles próprios. “As cidades sumérias eram sedes de reinos, cada qual com sua dinastia”, conta Rede. Independentes, os cidadãos de cada local aproveitavam para saquear o que havia de matéria-prima nas cidades vizinhas: faltava a eles um material que fosse diferente de argila. Metais e madeiras precisavam ser importados – muitas vezes eram obtidos por meio de um comércio não muito, digamos, honesto.
Por isso, um costume muito comum das cidades era o de erguer enormes muralhas de barro para proteger o núcleo urbano – os agricultores da periferia ficavam de fora dessa. As batalhas entre as cidades também acentuaram a escravidão. Viravam escravos os soldados e os moradores das cidades dominadas, bem como devedores e suas famílias e até mesmo filhos mal-educados. Para “aquietar” a rebeldia excessiva da prole, os pais podiam “alugar” seus rebentos como escravos durante um determinado período.
Mas o motivo mais importante para a guerra era religioso. Os sumérios acreditavam em uma grande quantidade de espíritos do mal ligados aos fenômenos da natureza. Tempestades de areia eram vinganças dos deuses. Inundações também. Guerras só poderiam ser movidas pelos deuses. A eles também era atribuída a nomeação do líder das cidades-estado, o lugal (“homem grande”). Mas em períodos expansionistas, com a dominação de outras cidades, havia normalmente um governador designado diretamente pelo lugal.
Rei estrangeiro
O separatismo sumério permaneceu na região até 2800 a.C., quando Etana, soberano da cidade de Kish, começou a unir diferentes núcleos sob um único comando. Ele inaugurou um período de tranqüilidade que culminou com a primeira dinastia de Ur, por volta de 2500 a.C., época conhecida por pax sumerica. Mas as cidades de Ur, Eridu e Kish nunca pararam de disputar o título de capital. Enquanto Lagash saía na frente por suas fortificações, importância econômica e por ser um canal de comunicação com o golfo Pérsico, sua maior adversária, Ur, a terra de Abraão, era temida por seu exército. Já Kish era o maior centro espiritual da Mesopotâmia: teria emergido ali o primeiro líder político e espiritual após a grande inundação dos rios Tigre e Eufrates, no século 4 a.C.
Por volta de 2430 a.C. a cidade de Umma, sob o comando de um príncipe chamado Lugalzaggheshi, conseguiu se sobrepor a Lagash e tomar Ur, Kish e Uruk, se expandindo até a região das atuais Síria e Palestina e formando um reino que contemplava também o povo acádio. Ele tomou poder em Lagash incitado pelo clero e burguesia, cansados das reformas sociais promovidas por Urukaghina, o líder de Lagash.
O monarca sumério que ficou mais famoso, porém, não veio de nenhuma dessas cidades. Em 2335 a.C., o acádio Sargão se aproveitou da fragilidade dos sumérios, gerada pelas guerras internas e por problemas na agricultura devido à salinização do solo, e tomou conta do território que se estende do Mediterrâneo ao mar da Arábia. Conhecido por ter uma alma impiedosa, ele instalou a capital em Agade, que pode ser a atual Bagdá, e organizou um exército com modernas estratégias militares. Sargão, como um Saddam Hussein, orgulhava-se de ser aquele que “não concede perdão a ninguém”.
Sua força deixou os sumérios em baixa até 2100 a.C. Pouco tempo antes, a Mesopotâmia foi invadida pelos gútios, que derrubaram Sargão, mas não conseguiram fincar raízes por ali. Foram expulsos pelo governador de Ur, Unamu, que aproveitou para conquistar boa parte das terras entre o Tigre e o Eufrates. A partir daí, os sumérios viveram um período de paz, em que a engenharia, a burocracia e as artes floresceram.
Mas nem todas as cidades se desenvolveram igualmente. Havia núcleos de pobreza e de revolta. Algumas, como Isin e Larsa, conquistaram sua independência, pois não aceitavam a pressão econômica aplicada aos agricultores. Os rebeldes crescem em número e em força e conseguem derrubar a maior parte do império, o que condena a civilização suméria – já miscigenada – ao desaparecimento na primeira metade do segundo milênio antes de Cristo. Seus costumes e religião foram adquiridos por outros povos em diversos pontos da Mesopotâmia.
É aí que está a importância dos sumérios hoje. Muito do modo sumério de pensar foi adquirido pelos hebreus e, a partir deles, foi parar na Bíblia. Um dos principais legados hebreus para a eternidade foi o pecado: a culpa era um conceito que não saía da cabeça dos sumérios. Uma mulher que morresse virgem ou de parto virava demônio. Essa noção atrapalhou até a medicina, um ponto fraco da civilização. Muitas doenças eram vistas como punição em relação a desvios de conduta ou más ações, e diagnosticadas a partir da confissão dos pecados. “Para os sumérios, a existência humana é uma decisão divina”, afirma o estudioso da UFF. “Os homens são criados para o trabalho e têm como função primordial servir e sustentar os deuses.” Pena que, nos bombardeios às terras do sumérios ano passado, o temor a Deus legado por eles não foi levado em conta.
 As primeiras letras
A escrita sumériaevoluiu pelo contatocom outros povos
A disputa entre egípcios e sumérios pela invenção da escrita é antiga. Atualmente os chineses também entraram na briga, cuja vitória deve levar muitos anos de estudos até ser alcançada. Independentemente de quem foi o precursor dos registros das palavras, o que se tem certeza é das diferentes motivações. Enquanto os egípcios fizeram seus primeiros garranchos pensando principalmente em louvar os deuses, os sumérios tinham como prioridade os registros comerciais e a administração das cidades. Na Mesopotâmia, a maneira de escrever evoluiu por meio da interação entre diferentes culturas e da miscigenação entre elas. De cerca de 2 mil registros pictográficos moldados ou representados em paredes e muros em meados do quarto milênio antes de Cristo, chegou-se a 590 símbolos representando letras, sílabas ou palavras escritas na horizontal por volta de 700 a.C.
“Atribui-se comumente a invenção da escrita cuneiforme, na Mesopotâmia, aos sumérios, embora não se tenha certeza absoluta dessa afirmação”, diz Emanuel Bouzon pesquisador e professor da Universidade Católica do Rio de Janeiro. “A escrita cuneiforme foi, no início, essencialmente pictográfica e é difícil detectar a língua que se expressa, exclusivamente, por meio de pictogramas. Somente mais tarde, quando passou ao estágio de escrita silábica, foi possível determinar a língua que a usava.” Segundo o professor Bouzon, o nome cuneiforme dado à escrita mesopotâmia vem de ”cunha”, o instrumento de bambu com que se gravavam os sinais na argila ainda mole. “Os textos eram lidos da esquerda para a direita e de cima para baixo.” O pesquisador explica que, antes dos registros nas tábuas de argila, eram moldados símbolos plásticos representando jarros de grãos, ovelhas, bois e até números. Essas gravações eram colocadas dentro de recipientes de argila.
Os símbolos passaram a ser grafados nos recipientes de comércio, que deram origem aos tabletes de argila usados por diversos povos da Mesopotâmia. Cada representação pictográfica correspondia a um som na língua suméria. Isso facilitou o uso dos sinais não apenas ao representar um objeto, mas como sílabas para compor palavras maiores. Estavam inventadas as letras. “Expressar-se silabicamente possibilitou, também, que o escriba sumério pudesse descrever as formas verbais, os pronomes, advérbios e outros elementos gramaticais, que não podiam ser expressos no estágio pictográfico.”
A técnica suméria, então, passou a se espalhar pelo Oriente Médio. “Os semitas que se estabeleceram na Mesopotâmia a partir de aproximadamente 2600 a.C. assumiram essa escrita para sua língua, e ela se prolongou até o século 7 a.C., no período neobabilônico. Foi durante os períodos neo-assírio e neobabilônico que a língua aramaica se tornou o veículo de comunicação e o alfabeto superou a escrita cuneiforme pela sua simplicidade”, diz Bouzon.