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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
terça-feira, 27 de novembro de 2012
RESUMO DE AULA: ROMA
ROMA
REPÚBLICA
A principal instituição
de República romana será o Senado:
- Responsável pela direção
de toda política romana.
- Formado por patrícios, que
ocupavam a função de forma vitalícia
- O Senado era o responsável
pela condução da política interna e da política externa.
- Escolhia os magistrados,
que eram cargos executivos.
-Os magistrados eram
indicados anualmente e possuíam funções específicas
de natureza judiciária e executiva.
O poder do senado era:
- Com relação ao rei, era
consultiva (estes, nos casos mais importantes, devia consultá-lo, embora não
estivesse obrigado a seguir o conselho);
- Com referência aos Comícios era
Confirmatória (toda deliberação deles, para ter validade, devia ser confirmada
pelo Senado.
MAGISTRATURA: Chama-se magistratura romana , cargo e
conjunto de atribuições com as quais, na antiga Roma,
se investia a um cidadão para que desempenhasse determinadas funções relacionadas
com a administração e direção política da cidade.
MAGISTRATURAS DE ROMA:
Consulado: Magistratura mais importante, ocupado por dois militares. Um agia em Roma e outro
fora de Roma. Em casos de extrema gravidade interna ou externa,
esta magistratura - como de resto, as outras também - era
substituída pela DITADURA -
uma magistratura legal com duração de seis meses.
Tribunos da plebe: representantes da plebe junto ao
Senado. Possuíam o poder de vetar as decisões do Senado que
afetassem os plebeus, assegurando assim seus direitos.
Questor: responsável pela arrecadação de impostos.
Pretor: encarregado da justiça civil.
Censor: zelava pela moral pública ( a censura) e realizava a
contagem da população ( o censo ).
Edil: cuidava da manutenção pública - obras, festas, policiamento,
abastecimento.
Existiam dois tipos de magistrados em
Roma , as ordinárias e as extraordinárias...Eram características comuns das
magistraturas ordinárias:
A colegialidade: Eram exercidas, ao mesmo tempo,
por mais de uma pessoa (duas, por regra geral). A cada uma tinha a faculdade de
vetar as decisões da outra; faculdade negativa, já que só implicava paralisar a
actividade do colega, em nenhum caso substituir ou modificar suas decisões.
A eletividade: Seu exercício implicava a prévia eleição do
magistrado por parte das eleições centuriados, no caso dos magistrados
maiores (censores, cónsules e pretores), ou das eleições tribunados,
tratando-se de magistrados menores (ediles e cuestores).
A gratuidade: Eram exercidas gratuitamente; pela só honra
que implicava desempenhar o cargo .
A temporalidade: Seu exercício estava limitado no
tempo. Por regra geral, duravam em um ano; no caso da censura (censor), 16
meses. Não era possível a reeleição imediata .
A gradualidade: Em seu conjunto, formavam um sistema hierarquizo
determinado pelo maior ou menor poder que a constituição lhes outorgava à cada
uma. Em razão do grau, o magistrado superior podia vetar as decisões do
inferior. Ademais, tal hierarquia, determinava o curso que devia seguir a
carreira do político romano .
A responsabilidade: Seu exercício implicava, responder
pelas infrações às leis que, eventualmente, cometesse no cargo. Os magistrados
maiores respondiam ao terminar seu mandato; os menores, durante o exercício do
mesmo.
AS MAGISTRATURAS EXTRAORDINÁRIAS : Eram aquelas que regiam em
períodos de anormalidade provocados já fora por causas externas (por exemplo:
uma guerra que pusesse em perigo a existência de Roma) – Tipos: Ditadura e
Triunvirato
PODER DOS MAGISTRADOS
Potestas:
capacidade de comando ao cargo que capacita para dar ordens. Seus elementos:
- Intercessio: oposição à decisão
de um colega, veto.
- Nomeação de servidores
públicos.
- Direito a representar
à república ante um particular como em uma assinatura.
Auspicium:
direito de procurar a aprovação dos deuses. Obrigatoriedade de consultar os
deuses em nomeações, em guerra e eleições.
Imperium:
administração dos territórios conquistados, convocar exército e cunhar moeda
para o exército. Iurisdictio:
poder para intervir em assuntos judiciais.
PARA COMPLETAR A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA, RESTAM AS ASSEMBLÉIAS QUE ERAM EM NÚMERO DE TRÊS:
-Assembléia Centuriata: a mais importante da República. Responsável
pela votação de todas as leis. Monopolizada pelos patrícios.
-Assembléia Tribunícia: composta pelas tribos de Roma. Aqui a
votação era coletiva, pela tribo. O número de tribos de patrícios era
maior do que de plebeus.
-Assembléia da Plebe: uma conquista dos plebeus. Tinha por
finalidade escolher os tribunos da plebe . As leis votadas nesta
assembléia serão válidas a todos os cidadãos, trata-se do plebiscito.
A LUTA ENTRE PATRÍCIOS E PLEBEUS.
- A sociedade romana, como
já se observou, era formada por patrícios, clientes e plebeus.
- O monopólio do poder
político exercido pelos patrícios, acompanhado pelas pesadas obrigações,
impostas aos plebeus – tais como o pagamento de impostos, serviço militar
obrigatório em época de guerras e o risco de tornarem-se escravos por
dívidas – provocou enormes tensões sociais entre estas duas classes.
Os plebeus buscavam a igualdade social e política.
Através de conflitos, os plebeus conseguiram várias conquistas,a
saber:
- criação da magistratura do
Tribuno da Plebe em 494
a .C..
- Lei das Doze Tábuas em 450 a .C., codificação das leis.
- Lei Canuléia de 445
a.C. , autorizando o casamento entre as classes.
- Lei Licínia de 367
a.C. que aboliu a escravidão por dívidas.
-Lei Hortênsia de 287
a.C. que estabeleceu que as medidas tomadas na Assembléia da Plebe tivessem
validade política ( plebiscito ).
A EXPANSÃO TERRITORIAL ROMANA
As conseqüências da expansão romana.A expansão territorial trouxe
profundas mudanças na estrutura
social, política, econômica e cultural de Roma:
1.Houve um enorme aumento da escravidão,
já que os prisioneiros
de guerra eram transformados em escravos.
2.O surgimento dos latifúndios e
a falência dos pequenos proprietários.
3.Processo de marginalização dos
plebeus, resultado do empobrecimento dos pequenos proprietários e
da expansão do escravismo, deixando esta classe sem terras e sem
emprego.
4.O surgimento de uma nova
classe social – os Cavaleiros ou Homens-novos- enriquecidos pelo comércio
e pela prestação de serviços ao Estado: explorar minas, construir estradas,
cobrar impostos etc...
5.Aumento do luxo e
surgimento de novos costumes.
6.Como
resultado da marginalização dos plebeus e do desenvolvimento
do escravismo, houve um enorme êxodo rural,tornando as cidades
superpovoadas, contribuindo para uma onda de fome, epidemias e
violência. Para controlar esta massa urbana, o Estado inicia a Política do
Pão e Circo- a distribuição de alimentos e diversão gratuita. Com isto, o
Estado romano impedia as manifestações em favor de uma reforma
agrária.
7.No plano militar, o
cidadão soldado foi substituído pelo soldado profissional, que
passou a ser fiel não ao Estado mas sim ao seu general. O fortalecimento dos
generais contribuiu para as guerras civis em Roma.
A CRISE REPUBLICANA
A) Os irmãos Graco.
A situação
de marginalidade dos plebeus, o aparecimento dos latifúndios; levaram
alguns tribunos da plebe a proporem uma reforma agrária: foram os
irmãos Tibério e Caio Graco. Os irmãos Graco tentaram
melhorar as condições de vida dos plebeus por meio de uma
reforma agrária. As terras públicas ( o Ager publicus ) seriam utilizadas
para transformar o pobre urbano em camponês, bem como a ampliação da distribuição
de alimentos. Mediante estas reformas, acreditavamos tribunos, as tensões
sociais diminuiriam.
Os dois irmãos foram
assassinados...
B) Os generais Mário e Sila.
O desaparecimento do cidadão
soldado veio fortalecer o poder individual de alguns generais, que se
utilizavam da popularidade diante de seus soldados para manterem-se
no poder. Destaque para o general Mário e o general Sila que levam seus
exércitos a conflitos pela disputa do poder político. Estes conflitos
políticos, com fortes conotações sociais estão na origem das chamadas guerras
civis.
C) Triunvirato.
Período em que o governo
de Roma estava dividido entre três generais.O primeiro Triunvirato foi composto por César, Pompeu e Crasso. Com
a morte de Crasso, César e Pompeu travam uma disputa pelo poder,
resultando na vitória de Júlio César e no início de seupoder
pessoal, que dura até o ano de 44 a.C., ano de seu assassinato.O segundo Triunvirato era
formado por Caio Otávio ( sobrinho de Júlio César ), Marco Antônio
e Lépido. Aqui também haverá uma intensa disputa pelo poder pessoal.
No ano de 31 a.C., com a vitória de Caio Otávio sobre Marco
Antônio tem início o poder pessoal de Otávio, que se tornará o primeiro
imperador romano.
IMPÉRIO.
A principal característica
do Império Romano é a centralização do poder nas mãos de um só
governante. O longo período das guerras civis, contribuiu para
enfraquecer o Senado e fortalecer o exército.
- Caio Otávio será o primeiro imperador de Roma e
receberá uma série de títulos, tais como:Augusto ( honra
dada somente aos deuses ),Tribuno da Plebe vitalício e Príncipe(
o primeiro cidadão do Senado).O seu governo vai do ano 31 a .C. até o ano 14
d.C. Realizou reformas que contribuíram para a sua popularidade:
*ampliou a distribuição gratuita
de trigo para a plebe e de espaços para a diversão pública
( a famosa Política do Pão e Circo ),
*efetuou uma distribuição
de terras aos soldados veteranos e foi um protetor dos artistas romanos.
Seu período é
conhecido como a PAX ROMANA, dado ao fortalecimento do exército,
a amenização das tensões sociais – graças à política do pão e circo -
e a pacificação das províncias do império.O período imperial romano é
dividido em dois momentos: o Alto Império, marcado pelo apogeu
de Roma; e pelo Baixo Império,que representa a decadência e
queda de Roma.
A) ALTO IMPÉRIO.
Formado pelas chamadas
dinastias de ouro. É o momento de grandiosidade de Roma
tendo as seguintes dinastias:
a) Júlio-Claúdios
b) Flávios
c) Antoninos
d) Severos
- À partir do ano de 235,
inicia-se um período de crises em virtude do enorme custo
para a manutenção do exército. Os gatos militares minavam as finanças
do Estado, que era obrigado a aumentar os impostos. Esta política
provoca tumultos e revoltas nas províncias.
- A crise militar acarreta o fim
do expansionismo romano,contribuindo - a médio prazo e
de forma contínua - para diminuir a entrada de mão-de-obra
escrava em Roma. A
chamada crise do escravismo está na raiz da queda de Roma.
A crise e a queda de Roma.
Toda a riqueza do Império
Romano advinha do uso da mão-de-obra escrava, conseguida
pela expansão territorial. À partir do século III, como forma
de conter os excessivos gastos militares, Roma cessou suas conquistas
territoriais, acarretando uma diminuição no número de escravos e, conseqüentemente,
uma expressiva queda na produção agrícola. Como resultado desta crise
econômica o Estado romano passa a aumentar, de forma sistemática, os
impostos. O aumento dos impostos reflete em um aumento no preço das
mercadorias, gerando um processo inflacionário. Diante desta situação, a
política de pão ecirco deixa de existir - pois o Estado não
pode mais arcar com a distribuição gratuita de alimentos -
contribuindo para aumentar as tensões sociais. Como se não bastasse
tudo isto, as fronteiras do Império Romano começam a serem invadidas
pelos chamados povos bárbaros, trazendo um clima de insegurança e
pânico a todos.
CONSEQÜÊNCIAS DA CRISE IMPERIAL.
-ÊXODO URBANO: uma saída da população urbana para o campo,
fugindo da crise econômica e dos bárbaros. No campo, esta população
tinha uma oportunidade de trabalho pois, em virtude da diminuição
do número de escravos, os grandes proprietários passam a necessitar
de força de trabalho.
-O COLONATO: como solução para a falta de força
de trabalho e de uma forte onda inflacionária, desenvolve-se no
campo o regime de colonato, onde o grande proprietário
arrenda lotes de terras para os camponeses que, em troca, trabalhavam
e produziam para o grande proprietário. O colono passa a ser um homem preso à terra.
A economia passa a ser auto-suficiente.
-INFLAÇÃO: com a queda da produção agrícola, o
Estado tem sua arrecadação de impostos diminuída e, em
contrapartida, um aumento das despesas - como a manutenção do exército
para a defesa das fronteiras dos ataques bárbaros. Na falta
de dinheiro, o Estado passa a exercer uma política de emissão
de moeda) provocando uma desvalorização do dinheiro. Sem
dinheiro, o Estado inicia a sua falência.
-CRISE MILITAR:sem recursos para manter o exército, o Estado romano
passa a recrutar bárbaros para defender as suas fronteiras, que em troca
do serviço prestado recebiam terras.No campo, a ausência militar
e a necessidade de garantir apropriedade, leva o
grande proprietário a contratar mercenários para a defesa da terra, criando um
exército pessoal.
-O CRISTIANISMO:um outro elemento que contribuiu para a crise
de Roma foi a difusão da religião cristã. O fortalecimento do cristianismo
ocorria, simultaneamente, com o enfraquecimento de Roma. Os cristãos não
aceitavam as instituições romanas, ligadas ao paganismo; não reconheciam a
divindade do imperador e não aceitavam a escravidão. As autoridades
romanas iniciam uma política de perseguição sistemática aos cristãos,
considerando-os culpados por todas as calamidades que ocorriam.
No entanto, quanto mais os cristãos eram perseguidos e torturados,
maior o número de adeptos.
REFORMAS DO BAIXO IMPÉRIO.
Procurando evitar o colapso
político-administrativo total do Império, alguns imperadores empreenderam
algumas reformas, como objetivo de reestruturar o império.
DIOCLECIANO:dividiu o poder imperial em quatro parte – a tetrarquia-
procurando aumentar a eficiência administrativa ao descentralizar a
organização do Estado; reintroduziu o serviço militar obrigatório;
incentivou o regime de colonato; editou a lei do Preço Máximo,para
combater a inflação; ampliou a perseguição aos cristãos.
CONSTANTINO:sucessor de Diocleciano, realizando a reunificação
do Império e transferindo a capital de Roma para Bizâncio na
parte oriental do Império ( futura Constantinopla ); o Édito
de Milão(313) , legalizando o cristianismo. Esta medida tinha também
um interesse econômico. O pagão, de perseguidor passa aser perseguido, e
seus bens ( maiores que os do cristão ) confiscados pelo Estado,
constituindo assim, uma forma de aumentar o erário estatal.
TEODÓSIO: Realizou a divisão do Império romano em duas partes:
- Império romano ocidental - Roma
- Império romano oriental - Constantinopla
- Império romano oriental - Constantinopla
Desenvolvimento das
letras em Roma
Características das letras romanas - A literatura romana é inferior à
grega. Havia pouca originalidade na literatura romana, sendo que, em geral, iam
os escritores romanos beber em fontes gregas as suas inspirações.Podemos notar
na literatura romana duas fases:
1) vai até as guerras púnicas, é a fase em que quase não há
influência grega;
2) dá-se após as guerras púnicas, e nota-se a influência
helênica.
Na primeira fase a literatura romana é pobre, não
apresenta trabalhos importantes nem grandes escritores. Por este tempo a poesia
é rústica, e em geral toma aspectos fúnebres ou triunfais. Quanto à prosa,
encontram-se alguns trabalhos de jurisprudência, como as "Leis das 12
Tábuas", das quais só há fragmentos. Na história daqueles tempos
aparecem-nos umas anotações diárias feitas por sacerdotes.
Na segunda fase há a assinalar três grandes períodos: de
formação, de apogeu e de decadência. No apogeu distinguem-se dois períodos
importantes: o de Cícero e o de Augusto.
Período de formação - Vai desde as guerras púnicas até Silas.
Na época de formação começam os romanos a receber a influência da Grécia.
Sofrendo a influência de uma literatura já formada, a literatura romana
apresenta neste período um relativo desenvolvimento, aparecendo ao mesmo tempo
a prosa e a poesia. A influência grega foi combatida por uma parte da
aristocracia, mas favorecida por outra. Aparecem nesta época, na poesia:
Tito Lívio, Hévio, Ênio. Nas fábulas surgem Plauto e Terêncio. É
desta época o começo da sátira, com Lucílio. Na prosa temos:
Flávio, Quinto Cláudio e outros. Naoratória citaremos: Catão, Cornélio
Graco, etc. Entre os jurisconsultos destaca-se Múcio, que também foi
orador.
Período de apogeu - Vai desde Silas até Augusto. Neste período
podemos distinguir duas fases. Na 1ª fase (de Cícero) toma grande impulso a
eloqüência; na segunda (de Augusto), a poesia. Neste período destaca-se Catulo
na poesia; Cícero deu um formidável impulso à retórica; aparece também Varrão,
com grande número de obras; historiadores notáveis apresentam-se, como César,
Cornélio Nepos e outros.
Período de Augusto - É a época de esplendor das letras
romanas. A paz e a prosperidade substituem as guerras civis. Com a proteção
dispensada aos homens de letras, a literatura toma grande impulso. Caiu em
parte a eloqüência, mas em compensação a poesia atingiu o seu mais alto ponto
de culminância. São desta época: Virgílio, Horácio e Ovídio, que sobressaem
entre outros; e na prosa surgem Tito Lívio e Rutilus Lupus.
Período de decadência - Nesta época aparece a fábula, tendo
como principal representante Fedro. Na História, Tácito, Quinto Cúrcio, Plínio.
No romance, Petrônio. Depois de Marco Aurélio a decadência acentua-se
sobremodo. Entretanto ainda surgem alguns literatos, notando-se na poesia
Cláudio, bastante inferior aos poetas do período do apogeu, Marcellus, Donato e
outros.
É nas letras jurídicas que este período mais se
destaca, apresentando-se jurisconsultos notáveis, como Ulpiano, Papiniano e
Paulo. Neste tempo são elaborados inúmeros códigos, dentre eles o Código
Gregoriano.
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Saiba tudo sobre os fenícios e sua importância para o comércio
Por
mais de mil anos, os fenícios foram o shopping center ambulante da Antiguidade.
Se algo pudesse ser vendido, eles vendiam: vinho, azeite, móveis, joias,
ferramentas, armas, tecidos, peles, escravos e, por uma taxa especial, seus
serviços como os melhores marinheiros do mundo. Entre 1200 a 730 a.C., sua rede
conectava povos da Inglaterra até a Grécia e com ela também viajou sua grande
invenção: o alfabeto, que deu origem ao grego, latim, hebraico e árabe.
Os fenícios originais não eram muito de guerra – preferiam fundar colônias com
a permissão dos habitantes locais, sem avançar para o interior. Mas uma colônia
fenícia mudou tudo: Cartago se tornou um verdadeiro império, e por pouco não
pôs abaixo o futuro Império Romano. Como a criatura superou o criador e como
ambos foram varridos da História é o que veremos a seguir.
Fenício? Que fenício?
Originários do que é atualmente o Líbano, a própria geografia empurrou os
fenícios para o mar. A cadeia de montanhas que forma o monte Líbano limita a
habitação humana à costa. Ao sul e ao norte, impérios bloqueavam o caminho.
Partindo das cidadesestado de Tiro, Sidon e Biblos, as primeiras colônias foram
em ilhas próximas, como Chipre e Malta.
Aliás, não existia isso de “fenício” para os próprios fenícios. “A Fenícia não
existiu como entidade política unificada até os romanos fazerem uma província
com esse nome, milhares de anos depois”, afirma o historiador Richard Miles, da
Universidade de Sidney, na Austrália. O nome vem do grego e era um apelido: a
palavra phoinix quer dizer algo como “os roxos”, por causa de um dos seus
principais produtos, os tecidos tingidos de roxo. “Eles provavelmente chamavam
a si próprios de cananeus. Foram os gregos que os agruparam como fenícios”, diz
Miles.
Canaã designava mais que apenas as terras dos ditos fenícios, era toda a região
entre o sul da Síria e a Palestina, habitada também por outros povos, como os
hebreus e os filisteus – cuja história, de fato, se confunde com a deles. “Até
1200 a.C., não havia diferença entre a história das cidades do litoral e do
interior. Ou seja, nós temos uma civilização sírio-palestina, não fenícia. É só
com a independência das cidades-estado (que já existiam) que começa a história
fenícia propriamente dita”, afirmou o historiador italiano Sabatino Moscati
(1922-1997) em The Phoenicians (sem tradução).
O que fez surgir o comércio fenício foi o chamado colapso da Idade do Bronze,
que ocorreu por volta de 1200 a 1100 a.C.. Por motivos não muito claros,
grandes civilizações como egípcios, gregos micênicos e hititas entraram em
rápida decadência. O vácuo de impérios permitiu às cidadesestado uma
independência inédita, que propiciou o surgimento de sua rede comercial. No
começo, os fenícios ofereciam os produtos de sua própria região para os
vizinhos: madeira de cedro-do-líbano, o mesmo material do qual seus barcos eram
feitos, e tecidos pintados com extrato dos caramujos do gênero Murex, de um
púrpura belo e intenso.
Conforme novos povos entravam em sua rede comercial, os fenícios os
apresentavam a produtos de outros povos que conheciam. Assim eles passaram a
vender vinho grego aos egípcios, e papiro egípcio aos gregos – a palavra
“byblos” passou a significar “papiro” em grego por que eram os comerciantes de
Biblos que os supriam com o material. Com o tempo, “biblos” passou a querer
dizer também o conteúdo do papiro, isto é, o livro – daí as palavras biblioteca
e Bíblia.
Dependendo de remos quando o vento não ajudava, os navios fenícios não tinham
muita autonomia e faziam rotas próximas à costa, com paradas constantes. Assim,
eles estabeleceram mais de 300 colônias, normalmente meras vilas costeiras de
menos de mil habitantes. Essas vilas não eram possessões coloniais no sentido
moderno – eram estabelecidas com o consentimento dos moradores da região e não
tinham zona rural, dependendo dos locais para suprir-lhes alimentos. Era mais
um free shop que colônia, num modelo que os portugueses repetiram 2 mil anos
depois com suas feitorias asiáticas.
A grande exceção ao modelo fenício era Cartago, que tinha territórios no
interior, e passou a ser o entreposto principal. Localizada na atual Tunísia,
ficava no meio do caminho para as rotas que vinham da Espanha, e próxima da
Sardenha e Sicília.
O preço da paz
A independência e prosperidade vinham a um custo – em espécie. O método fenício
de sobrevivência era basicamente pagar pela paz. Sem um grande exército e sem
qualquer aliança durável entre as cidades-estado, eles sobreviviam por causa de
sua conveniência para os impérios vizinhos. Com a imensa fortuna de sua rede de
comércio, aplacavam a ira dos conquistadores com tributos. Assim eles
sobreviveram ao novo reino do Egito (1550-1069 a.C.) e o reino de Israel
(1030-930 a.C.), que os tornaram vassalos – “protegidos” mediante pagamento.
A paz fenícia aguentou até o Império neo-assírio (934-604 a.C.), que aceitou
seus acordos por alguns séculos. Na década de 730 a.C., no entanto, o rei
Tiglate-Pileser 3º invadiu e conquistou Tiro, então a cidade fenícia mais
próspera. Tiro não foi destruída, mas perdeu muito de sua autonomia. À
conquista dos assírios, se seguiriam a dos persas sob Ciro 1º (539 a.C.) e a dos
macedônios de Alexandre Magno (332 a.C.), que arrasaram a cidade. Nada restaria
da Fenícia original, exceto sua maior criação: Cartago.
Fundada em 814 a.C., Cartago começou a receber migrantes do Oriente Médio
conforme a situação piorava, e tornou-se independente em 650 a.C. Em 308 a.C.,
virou república. Cartago aprendeu uma lição com sua antiga metrópole: dinheiro
não podia comprar a paz indefinidamente. O Império Cartaginense venceu uma
série de guerras contra os gregos, entre 480 e 275 a.C. A última dessas
guerras, chamada Guerra Pírrica (280-275 a.C.), acabaria tendo um custo
inesperado. Ela tornaria seus aliados, os romanos, em inimigos mortais.
Cartago deve ser deletada
Os romanos saíram da guerra confiantes em sua capacidade militar, e menosprezando
a dos cartaginenses, que tiveram várias derrotas. Sob o pretexto de uma aliança
com um grupo de mercenários, os romanos declararam guerra a Cartago em 264
a.C., iniciando a 1ª Guerra Púnica. Roma venceria, ficaria com a Sicília, e
cobraria tributos. Para pagar tais impostos, os cartaginenses expandiram seu
domínio na Espanha pela via militar, tomando cidades dos celtas locais.
Um desses locais era Saguntum, cidade protegida por Roma. Assim começou a 2ª
Guerra Púnica (218-201 a.C.). Sob o comando de Aníbal Barca, e com o apoio de
aliados africanos, a guerra começou com um surpreendente ofensiva cartaginense
em que os exércitos cruzaram os Alpes com elefantes de guerra e impuseram
várias derrotas aos romanos. Mas a guerra se prolongou demais, e terminou em
outra derrota de Cartago, que perdeu a Espanha e se tornou um estado cliente de
Roma.
Os sentimentos de vingança pela quase derrota nunca foram esquecidos. A 3ª
Guerra Púnica (149-146 a.C.) foi simplesmente o massacre de Cartago. A frase
delenda est Cartago (Cartago deve ser destruída) vem dos discursos do senador
Cato para convencer os romanos a “deletar” a cidade. E deletada ela foi. A
população foi escravizada, a cidade, queimada, e a história dos fenícios,
apagada.
Quase tudo o que sabemos sobre eles vem dos gregos e romanos, porque seus
textos em papiro não resistiram a tantas depredações. Um fim tragicamente
irônico para o povo que inventou o alfabeto.
Grandes ideias, grandes
negócios
Para se tornarem os donos do Mediterrâneo, os fenícios fizeram uso de diversas
inovações, a maioria delas relacionada à tecnologia naval. Os navios de guerra
usados pelos romanos e gregos eram basicamente uma criação fenícia. Foi deles a
ideia de construir um navio a partir de um esqueleto posto numa doca seca, a partir
da quilha central, outra invenção sua. Seus navios foram os primeiros a ter
leme. Também foram eles que tiveram a ideia de distribuir os remadores em duas
linhas, criando a birreme, que depois ganharia mais uma linha, tornando-se a
trirreme. Esses eram navios de guerra, os remadores extras davam velocidade em
manobras de abalroagem, bater em outro navio para afundá-lo, que se tornou a
principal forma de guerra naval na época. Os navios de transporte usavam
principalmente velas. Mas a criação fenícia mais duradoura é o alfabeto, do
qual deriva o nosso. Usar letras para passar sons, e não ideias, como nos
hierogrifos, foi uma simplificação revolucionária.
Globalização antiga
A rede comercial dos fenícios abrangia desde a Inglaterra até a Grécia, país com
o qual concorriam no comércio, mas que também era um de seus maiores clientes.
O comércio era em grande parte escambo — trocavam os produtos locais pelo que
estivessem carregando. Na Espanha, montaram toda uma rede de beneficiamento de
metais, que se transformavam em joias e ferramentas em Tiro e Sidon.
Saiba quais são os segredos históricos do Brasil
Negociações obscuras com o ex-ditador Saddam Hussein, as contradições do
governo Getúlio Vargas no combate ao nazismo, as muitas versões sobre a Guerra
do Paraguai e até segredos de alcova
Um programa nuclear clandestino, o assassinato de
um ex-presidente no regime militar, os campos de concentração brasileiros, a
sangrenta demarcação das fronteiras... As passagens nebulosas, mal conduzidas e
mal explicadas de nosso passado voltaram ao centro do debate com a polêmica da
manutenção ou não do sigilo eterno dos documentos ultrassecretos. Os registros
produzidos pelos órgãos oficiais do país estão pouco a pouco sendo revelados e
descobertos - e jogam novas luzes sobre aquilo que imaginávamos saber. Para
pesquisadores e historiadores, porém, muita coisa ainda está oculta. A
sonegação de informações oficiais vem de longe. Começou já na "certidão de
nascimento" do país - a carta de Pero Vaz de Caminha (ao que parece,
herdamos o hábito dos portugueses). "O rei de Portugal, dom Manuel 1º,
demorou um ano para comunicar a descoberta oficial do Brasil ao sogro, o rei da
Espanha", conta o jornalista e escritor Laurentino Gomes, autor de 1822.
"E a carta de Caminha, que dava detalhes do evento, ficou escondida na
Torre do Tombo, em Lisboa, até 1773."
A bomba atômica dos militares
Nossas Forças Armadas tentaram desenvolver armas nucleares, talvez com uma
mãozinha de Saddam Hussein
Em 1990, o presidente Fernando Collor jogou uma
simbólica pá de cal num poço de 320 m para testes nucleares na serra do
Cachimbo, no Pará. "A suspeita é que ele teria sido construído com
recursos do Iraque de Saddam Hussein para abrigar testes do programa iraquiano.
E os dados seriam cedidos ao Brasil", diz o jornalista Roberto Godoy,
especialista em assuntos de defesa. O poço é só um pedaço de uma série de
operações clandestinas, iniciadas no governo Ernesto Geisel, para garantir ao
Brasil a tecnologia necessária para fabricar a bomba atômica (e ogivas para
mísseis nucleares).Na prática, sobretudo a partir do início da década seguinte,
o governo manteve dois programas nucleares: o oficial, com fins pacíficos, e o
paralelo e sigiloso. Sempre houve facções do regime que defendiam que a única
maneira de o Brasil ser respeitado no mundo seria ter a bomba. O Iraque virou
uma peça curiosa nesse enredo, que sobreviveu ao fim da ditadura. Entre 1979 e
1990, o Brasil exportou toneladas de urânio (a matéria-prima do combustível das
bombas) para Saddam. O roteiro nebuloso inclui espionagem e suborno de técnicos
e autoridades estrangeiras, entre outras manobras, que até alimentaram uma CPI
sobre o tema. A Constituição de 1988 havia proibido o país de usar a tecnologia
nuclear para fins bélicos, mas o "esforço paralelo" dos militares
sobreviveu até 1990, segundo confirmou mais tarde José Carlos Santana,
ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear no governo Collor. Quando
o CNEM do B deixou de funcionar, o país estaria prestes a fazer o primeiro
teste.
"Em dezembro de 1996, a PF prendeu um
alemão que vendera conhecimentos ao Brasil depois de tentativas frustradas
junto ao Iraque", diz Tânia Malheiros, autora de Brasil: A Bomba Oculta -
O Programa Nuclear Brasileiro. Para ela, é só uma amostra de que "há muita
coisa a ser explicada". Hoje o Brasil domina o ciclo de produção do
combustível nuclear e está construindo seu primeiro submarino com propulsão
atômica. A revelação de detalhes estratégicos sobre essa tecnologia e os
bastidores espúrios do programa nuclear estariam no topo das preocupações de
quem, no governo Dilma, insiste em manter o sigilo eterno.
O assassinato de Jango
Operação Condor teria matado o ex-presidente em 1976
A Operação Condor teria arquitetado a morte do
ex-presidente João Goulart no exílio, 12 anos depois de sua deposição pelo
golpe de 1964. Mesmo passado tanto tempo e vivendo fora do país, ele era visto
como uma ameaça pelos generais: era tido como simpatizante do comunismo e
mantinha quase intacta sua popularidade - que poderia ser usada, imaginavam
eles, para mobilizar a população contra o regime.Jango tomou seu remédio diário
para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob
constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e
sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato
ganha força entre seus familiares.
A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada
em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai,
Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John
Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a
"subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais
de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo
líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.Não há
dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu
que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então
ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de
dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não
foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou
"enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo
médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina
pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de
que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não
autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova
viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de
Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil
por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24
horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de
inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada
uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime
foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões
de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a
exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio
Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no
site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo,
quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo
suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que
essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as
circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade
apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de
Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e
declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o
espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.
Brasil, o vilão da Guerra do Paraguai
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.
As versões e lendas que passaram a cercar a
Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América
do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola
de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por
mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia
nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens
e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados
"revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano
- A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no
ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu
verdadeiro papel no conflito: o de vilão.Chiavenato diz que o duque de Caxias,
o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a
água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de
acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio
Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito
Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico,
usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.Não que essa versão
tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e
evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também
não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe -
assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador
Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.Outra "bomba" que surgiu
na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e
Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e
argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas
com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do
exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra
canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática
de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2
mil paraguaios x 26 brasileiros.Diferentemente do que o senso comum imagina, o
Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao
contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra,
por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra.
Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam
mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam
escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.
Segredo de estrado
O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi
segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história,
tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de
Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822
e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais
um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se
refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo
Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me
parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores
acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve
tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto
Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado
cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um
livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no
museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de
matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso
amor por devoção", escreveu o Demonão.
Rui Barbosa "queima" a escravidão
"O Congresso Nacional felicita o Governo
Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios
da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de
1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros
de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e
transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.
A hipótese mais aceita é a de que a intenção era
evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos
afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e
grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as
indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade
Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe
militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo
diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa
possibilidade."
Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem
o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma
recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz
Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de
novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos
15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles
poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi
encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do
Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com
terras e instrumentos de trabalho.
O circo do Acre
De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as
tramas e falcatruas na compra do estado
Nos primeiros anos da República, entrou em cena
um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre.
Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos).
Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru.
Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.
"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou
que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e
burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas
demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que
passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson
Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho
(1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram
assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono
mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística
precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e
Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).
Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também
cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o
território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E
instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação
de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram.
"A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a
grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao acordo (o Tratado de Petrópolis, de 1903,
que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em
2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o
Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de
libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a
Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu
a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos
bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo,
para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da
história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que
marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob
anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos
brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta
isso."
Os campos de concentração de Getúlio
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler:
alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país
Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os
Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de
1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos
brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o
governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de
1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de
Florianópolis.
Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o
lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das
Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a
não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias
"indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora
e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do
Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e,
portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos
documentos vieram a público.
"Vargas era um homem dos tempos do
fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares.
O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país
acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento
comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não
foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira
por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação
com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro
americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular
para a decisão de Getúlio Vargas.
Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com
as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os
alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de
concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos
e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura
sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de
ser colônias de férias.Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31
campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP),
Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos"
que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem.
Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na
lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns,
acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus
descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram
confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma
importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte
indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.
Nossas Forças Armadas tentaram desenvolver armas nucleares, talvez com uma mãozinha de Saddam Hussein
Em 1990, o presidente Fernando Collor jogou uma simbólica pá de cal num poço de 320 m para testes nucleares na serra do Cachimbo, no Pará. "A suspeita é que ele teria sido construído com recursos do Iraque de Saddam Hussein para abrigar testes do programa iraquiano. E os dados seriam cedidos ao Brasil", diz o jornalista Roberto Godoy, especialista em assuntos de defesa. O poço é só um pedaço de uma série de operações clandestinas, iniciadas no governo Ernesto Geisel, para garantir ao Brasil a tecnologia necessária para fabricar a bomba atômica (e ogivas para mísseis nucleares).Na prática, sobretudo a partir do início da década seguinte, o governo manteve dois programas nucleares: o oficial, com fins pacíficos, e o paralelo e sigiloso. Sempre houve facções do regime que defendiam que a única maneira de o Brasil ser respeitado no mundo seria ter a bomba. O Iraque virou uma peça curiosa nesse enredo, que sobreviveu ao fim da ditadura. Entre 1979 e 1990, o Brasil exportou toneladas de urânio (a matéria-prima do combustível das bombas) para Saddam. O roteiro nebuloso inclui espionagem e suborno de técnicos e autoridades estrangeiras, entre outras manobras, que até alimentaram uma CPI sobre o tema. A Constituição de 1988 havia proibido o país de usar a tecnologia nuclear para fins bélicos, mas o "esforço paralelo" dos militares sobreviveu até 1990, segundo confirmou mais tarde José Carlos Santana, ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear no governo Collor. Quando o CNEM do B deixou de funcionar, o país estaria prestes a fazer o primeiro teste.
"Em dezembro de 1996, a PF prendeu um alemão que vendera conhecimentos ao Brasil depois de tentativas frustradas junto ao Iraque", diz Tânia Malheiros, autora de Brasil: A Bomba Oculta - O Programa Nuclear Brasileiro. Para ela, é só uma amostra de que "há muita coisa a ser explicada". Hoje o Brasil domina o ciclo de produção do combustível nuclear e está construindo seu primeiro submarino com propulsão atômica. A revelação de detalhes estratégicos sobre essa tecnologia e os bastidores espúrios do programa nuclear estariam no topo das preocupações de quem, no governo Dilma, insiste em manter o sigilo eterno.
Operação Condor teria matado o ex-presidente em 1976
A Operação Condor teria arquitetado a morte do ex-presidente João Goulart no exílio, 12 anos depois de sua deposição pelo golpe de 1964. Mesmo passado tanto tempo e vivendo fora do país, ele era visto como uma ameaça pelos generais: era tido como simpatizante do comunismo e mantinha quase intacta sua popularidade - que poderia ser usada, imaginavam eles, para mobilizar a população contra o regime.Jango tomou seu remédio diário para o coração. Mas, ao se deitar, infartou - algo previsível para um homem sob constante tensão (sofria ameaças de sequestro e atentados), fumante e sobrevivente de um ataque cardíaco 7 anos antes. Mas a hipótese de assassinato ganha força entre seus familiares.
A Operação Condor foi uma ação conjunta firmada em 1975 entre os governos militares de Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Analisando documentos secretos, o jornalista americano John Dinges concluiu que a operação envolvia a troca de informações e perseguição a "subversivos" nos 6 países - e mesmo na Europa e nos EUA. "Mais de 30 mil pessoas foram torturadas e assassinadas pela operação, incluindo líderes civis exilados sob a proteção da ONU", afirmou Dinges.Não há dúvida de que Jango era vigiado. Fotos de seu cotidiano no exílio em Montevidéu que estavam em poder do SNI foram entregues à família em 2006 pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ele morreu na madrugada de 6 de dezembro de 1976, depois de viajar 600 km com a mulher. Contrariando a lei, não foi feita a autópsia. E no atestado de óbito o médico colocou "enfermedad" como a causa da morte, termo que não existe no protocolo médico. Trazido ao Brasil, não foi necropsiado. Em 1982, a Justiça argentina pediu a exumação do corpo após a denúncia, feita por um conhecido de Jango, de que ele tinha sido envenenado com sarin por dois sócios. A família não autorizou e o caso foi arquivado por falta de provas. "Agora temos a prova viva (do crime), que é o Neira Barreiro", afirmou João Vicente, filho de Jango, a AVENTURAS NA HISTÓRIA em 2008. Naquele ano, Barreiro, preso no Brasil por assalto a banco e tráfico de armas, disse a ele que vigiava seu pai 24 horas por dia (e revelou vários detalhes para provar) a mando do serviço de inteligência uruguaio. Contou que no frasco de remédios de Jango foi colocada uma cápsula com substâncias fatais a seu coração fraco. Disse ainda que o crime foi ordenado pelo delegado Sérgio Fleury (famoso por sua crueldade nas sessões de tortura), numa reunião em Montevidéu. No ano passado, a família autorizou a exumação dos restos mortais do ex-presidente, mas o Ministério Público do Rio Grande do Sul não seguiu a determinação. Em texto assinado por João Vicente no site do Instituto João Goulart, ele afirma que o MP não o fez "temendo, quem sabe, que com as novas técnicas de investigação se descubra algo suspeito". E prossegue: "Para nós, familiares, seria um conforto que essa diligência fosse tomada e que não pairasse mais dúvidas sobre as circunstâncias de sua morte. (...) Nós seguiremos lutando para que a verdade apareça". Ao mesmo tempo, Moniz Bandeira, cientista político e biógrafo de Jango, que corroborava a teoria da conspiração até 2010, mudou de lado e declarou que os Goulart só estão atrás de uma possível indenização. E que o espião Barreiro não passava de um radiotécnico da polícia.
País promoveu uma carnificina gratuita, dizem historiadores.
As versões e lendas que passaram a cercar a Guerra do Paraguai, 141 anos depois do fim do maior conflito armado da América do Sul, são tenebrosas: guerra bacteriológica, extermínio de crianças, degola de prisioneiros e o incêndio criminoso de um hospital cheio de feridos. Por mais de um século, o episódio recebeu tratamento triunfal. A historiografia nacional destacava as batalhas vencidas pelos brasileiros e exaltou personagens e feitos heroicos. Até que, na década de 1970, os chamados "revisionistas" - como Julio Chiavenato, autor de Genocídio Americano - A Guerra do Paraguai - jogaram acusações como as do início deste texto no ventilador. Para eles, o governo brasileiro tentou (e ainda tenta) esconder seu verdadeiro papel no conflito: o de vilão.Chiavenato diz que o duque de Caxias, o comandante brasileiro, teria jogado cadáveres no rio Paraná para contaminar a água. "O general Mitre (Bartolomeu Mitre, presidente argentino) está de acordo comigo que os cadáveres de coléricos devem ser jogados nas águas do rio Paraná para levar o contágio às populações ribeirinhas", teria escrito Caxias ao imperador dom Pedro 2º. Na prática, era um ataque bacteriológico, usando cadáveres de veículo para micro-organismos letais.Não que essa versão tenha virado unanimidade. "O documento, de autoria desconhecida e evidentemente forjado, não tem valor histórico algum. Aliás, a versão também não tem lógica, já que o Paraná deságua no rio Paraguai e o rio não sobe - assim, não seria possível contaminar ninguém", contesta o historiador Francisco Doratioto, autor de Maldita Guerra.Outra "bomba" que surgiu na onda revisionista foi o extermínio de crianças nas batalhas de Peribebuí e Acosta Ñu, em 1869. Na primeira, cerca de 21 mil aliados brasileiros e argentinos enfrentaram 1,8 mil paraguaios, a maior parte crianças disfarçadas com barbas postiças para que o inimigo não percebesse a fragilidade do exército. Os poucos adultos usaram tijolos, cacos de vidro e pedras contra canhões. Na batalha de Acosta Ñu (Campo Grande, para os brasileiros), a tática de disfarçar garotos de adultos também acabou em massacre. Placar de mortes: 2 mil paraguaios x 26 brasileiros.Diferentemente do que o senso comum imagina, o Brasil estimulou a sobrevivência do Paraguai como nação independente - ao contrário da Argentina, que gostaria de absorvê-lo. Depois que acabou a guerra, por muito pouco Brasil e Argentina, aliados no conflito, não começaram outra. Isso só não aconteceu porque ambos estavam esgotados. Documentos que poderiam mostrar com mais clareza o papel do Brasil no campo de batalhas estariam escondidos no Itamaraty, com acesso proibido aos pesquisadores.
O apetite sexual de dom Pedro 1º nunca foi segredo de estado. Mas que o imperador tentou esconder isso da história, tentou. O romance entre ele e sua amante Domitila de Castro, a marquesa de Santos, rendeu mais de 200 cartas e bilhetes escritos pelo imperador entre 1822 e 1829. O namoro começou pouco antes da Independência e gerou 5 filhos (e mais um com a irmã de Domitila). Pedro mantinha outras 16 amantes. Esse fogo todo se refletia no teor picante das cartas, muitas assinadas como Demonão e Fogo Foguinho: "Forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer! Que consolação!" Pesquisadores acreditam que dom Pedro destruiu a maioria das mensagens que recebeu dela. Deve tê-la orientado a fazer o mesmo. Domitila não obedeceu. O historiador Alberto Rangel (1871-1945) descobriu boa parte dessa documentação e escancarou o lado cara de pau do imperador. Este ano, o pesquisador Paulo Rezzutti publicou um livro (Titília e o Demonão) com 94 correspondências inéditas que encontrou no museu Hispanic Society of America, de Nova York. "Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção", escreveu o Demonão.
"O Congresso Nacional felicita o Governo Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da escravatura no Brasil." Com essa mensagem, era aprovada em dezembro de 1890 a decisão do ministro da fazenda, Rui Barbosa, de queimar todos os livros de registros dos cartórios municipais com dados relativos à compra, venda e transferência de escravos no país. A papelada foi destruída em 13 de maio de 1891.
A hipótese mais aceita é a de que a intenção era evitar que o Tesouro Nacional fosse obrigado a indenizar os donos de escravos afetados pela Lei Áurea, de 1888. "Os senhores de engenho, fazendeiros e grandes proprietários pensavam em se beneficiar com a República e com as indenizações", acredita Humberto Fernandes Machado, da Universidade Federal Fluminense. Para ele, uma república recém-estabelecida por um golpe militar, com o apoio de antigos senhores de escravos, poderia ter tomado rumo diferente (pior) se os documentos existissem. "A queima anulou essa possibilidade."
Mas essa moeda tem outro lado. "Se tivessem o registro de sua data de compra, os negros também poderiam reivindicar uma recompensa por terem sido escravizados ilegalmente", acredita Marisa Saenz Leme, da Unesp de Franca. Ela apoia seu argumento em uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro. A ordem não foi cumprida - nos 15 anos seguintes, pelo menos 300 mil africanos foram trazidos. Em tese, eles poderiam ser beneficiados por indenizações. Evidência disso é que, em 2006, foi encontrada uma carta da princesa Isabel ao visconde de Santa Vitória, sócio do Banco Mauá. Nela estava descrita a intenção de indenizar os ex-escravos com terras e instrumentos de trabalho.
De coordenadas geográficas de mentira à "troca por um cavalo": as tramas e falcatruas na compra do estado
Nos primeiros anos da República, entrou em cena um capítulo controverso da demarcação de nossas fronteiras: a anexação do Acre. Na região, viviam diferentes grupos étnicos (nem brasileiros nem bolivianos). Pouco importava, para eles, quais eram os limites de Brasil, Bolívia e Peru. Para o governo brasileiro, a região era território boliviano.
"Euclides da Cunha foi feliz quando afirmou que, durante anos, o rio Purus foi cartografado fantasiosamente por geógrafos e burocratas que nunca puseram os pés na região. As absurdas coordenadas e linhas demarcatórias que daí surgiram deram margem para incompreensões sobre o que passaria a se chamar Questão do Acre", diz o historiador Gerson Albuquerque, da Universidade Federal do Acre. Para ele, tratados como o de Ayacucho (1867), que embasaram a demarcação das fronteiras entre Brasil e Bolívia, foram assinados às escuras - pautados por coordenadas fantasiosas. Esse abandono mudou quando se percebeu que os pneus da nascente indústria automobilística precisavam do látex acriano como matéria-prima. Seringueiros do Norte e Nordeste invadiram a região sem que os vizinhos notassem (ou reclamassem).
Quase 20 anos depois, Bolívia e Peru também cresceram os olhos para a borracha. Os bolivianos tentaram então arrendar o território para um consórcio de empresas de capital inglês e americano. E instalaram uma base militar na região para cobrar impostos sobre a circulação de mercadorias. Os barões da borracha, com o bolso ferido, se mobilizaram. "A Bolívia era pequena e muito mais frágil militarmente que o Brasil, a grande nação expansionista na região. Por isso, teve de ceder ao acordo (o Tratado de Petrópolis, de 1903, que incorporou o Acre ao território brasileiro)", diz Albuquerque. Em 2006, o presidente da Bolívia, Evo Morales, reclamou que o país "deu o Acre ao Brasil em troca de um cavalo". Na verdade, foi por 2 milhões de libras, ou 400 milhões de reais hoje. Pouco para uma área 3 vezes maior que a Suíça (152 mil km2). Mas o Brasil cedeu terras do Mato Grosso e se comprometeu a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré para transportar produtos bolivianos até o oceano Atlântico. A abertura da documentação ainda sob sigilo, para Albuquerque, poderá lançar outras luzes sobre versões românticas da história. "Temos o direito de conhecer as tramas e as sujeiras que marcaram a constituição das fronteiras." Um diplomata brasileiro, sob anonimato, afirma que até pessoas de outros países reclamam dos segredos brasileiros. "Existe muita suspeita, e a recente defesa do sigilo eterno fomenta isso."
Ditador seguiu a cartilha nazista inclusive depois de romper com Hitler: alemães, italianos e japoneses sofreram em 31 campos espalhados pelo país
Qual dos lados envolvidos na 2ª Guerra - os Aliados ou o Eixo - era mais caro ao presidente Getúlio Vargas? Na década de 1930, os alemães eram o segundo maior mercado consumidor de produtos brasileiros. Policiais e militares brasileiros treinaram com a Gestapo, e o governo entregou aos nazistas judeus alemães que moravam no Brasil. Em abril de 1942, uma passeata reuniu cerca de 2 mil nazistas uniformizados no centro de Florianópolis.
Pesa ainda a favor de seu possível pendor para o lado dos alemães e italianos a revelação, no fim dos anos 1980, do conteúdo das Circulares Secretas. Nelas, Vargas orientava diplomatas brasileiros na Europa a não conceder vistos de entrada para o Brasil a judeus e outras minorias "indesejadas". Segundo a historiadora Priscila Perazzo, a professora e pesquisadora Tucci Carneiro conseguiu burlar a vigilância nos arquivos do Itamaraty e fez cópias das Circulares, consideradas documentos secretos e, portanto, proibidas aos olhos dos cidadãos comuns. No fim dos anos 1990, novos documentos vieram a público.
"Vargas era um homem dos tempos do fascismo. Na década de 1930, essa era a ideologia dominante em muitos lugares. O Brasil não estava fora disso", diz Priscila. Ela avalia que o país acabou entrando na guerra ao lado dos aliados graças a um alinhamento comercial, político, cultural e diplomático com os EUA que vinha de anos - não foi um ato intempestivo para vingar o bombardeio de navios na costa brasileira por submarinos alemães. Eles queriam nos dar um susto para frear essa aproximação com os americanos. Nem foi uma retribuição interesseira pelo (muito) dinheiro americano investido na Companhia Siderúrgica Nacional - a versão mais popular para a decisão de Getúlio Vargas.
Em 1942, Getúlio rompeu com Hitler. Mas não com as práticas fascistas. A diferença é que agora elas se voltavam contra os alemães. É cada vez maior o volume de descobertas sobre os campos de concentração brasileiros e sobre os maus-tratos que civis japoneses, italianos e principalmente alemães sofreram no Brasil. Se não eram locais de tortura sistemática e extermínio em massa, como na Alemanha, também estavam longe de ser colônias de férias.Até o fim da guerra, o Ministério da Justiça manteve 31 campos de concentração em lugares como Pindamonhangaba e Guaratinguetá (SP), Joinville (SC) e Rio de Janeiro. Para lá, eram mandados os "inimigos" que chegassem ao país durante o conflito ou que fossem suspeitos de espionagem. Não podiam ler livros em seu idioma, eram submetidos a trabalhos forçados na lavoura e muitas vezes dependiam de ajuda externa para não passar fome. Alguns, acusados de serem nazistas, só podiam receber visitas no dia de Natal - seus descendentes suspeitam que tenham sido torturados. Cerca de 5 mil pessoas foram confinadas nesses lugares. Mesmo assim, os nazistas conseguiram montar uma importante rede de espionagem no Brasil - o que era considerado um forte indício de que, se conquistasse a Europa, Hitler voltaria seus olhos para cá.
Saiba mais sobre a campanha frustrada de Napoleão em direção à Rússia
Há 200 anos,
Napoleão foi protagonista de um dos maiores desastres da história militar. Viu
seu exército ser dizimado na Rússia e perdeu a fama de invencível. A campanha
foi o primeiro passo rumo ao fracasso da França napoleônica
Era um belo dia de
sol quando os soldados da França cruzaram o rio Neman, na atual fronteira da
Polônia com a Lituânia, aos gritos de "Vive l'Empereur!", na
confiança de serem o maior e mais temido exército que o mundo havia visto.
Estavam ali para dar uma surra, não para guerrear - o inimigo só tinha um terço
de suas forças e estava dividido. E, o mais importante, não tinha Napoleão como
líder. Eram 690 mil soldados de várias nacionalidades, dos quais só 300 mil
eram franceses. Os demais eram poloneses, austríacos, italianos, prussianos e
até 2 mil portugueses, recrutados entre simpatizantes do imperador. Como era
comum na época, seguia com eles um cortejo de comerciantes, prostitutas,
médicos e até esposas e filhos dos militares. Nem soldados, nem civis, nem
Napoleão poderiam imaginar àquela hora, mas apenas um em cada sete deles
voltaria vivo daquela campanha.
A Rússia não é para principiantes e
isso não era segredo para Napoleão e seus soldados. Pouco mais de um século
antes, em 1709, o rei Carlos 12, da Suécia, havia perdido seu exército na
Rússia de frio e fome. Por isso, o exército francês invadiu a Rússia no auge do
verão, em 24 de junho de 1812. E o verão foi seu primeiro inimigo. As
temperaturas frequentemente superam os 30 ºC, enquanto as noites duram apenas 3
horas - foi "aproveitando" esse sol todo que Napoleão fez seus
soldados marcharem 112 km nos dois primeiros dias da campanha. A essa
velocidade, as carroças de suprimento ficaram para trás. Desidratada pela
caminhada e sem alimentos e água, a tropa viu-se forçada a beber dos riachos
pantanosos da região, pegando diarreia. As primeiras vítimas tombaram ao lado
das fontes de água - e os soldados que vinham atrás também ficaram doentes.
A pressa era justificada pela
estratégia. "Napoleão não foi à Rússia para conquistar", diz o
historiador César Machado Domingues, editor da Revista Brasileira de História
Militar. Ele queria simplesmente aniquilar o exército russo e conseguir uma
aliança forçada com o czar Alexandre 1º. O primeiro alvo era a cidade de Vilna,
atual capital da Lituânia, onde estava o comando das tropas russas, inclusive o
czar. Napoleão entrou na cidade em 28 de junho, mas o comando russo havia se
mudado. Não só isso. Também haviam esvaziado armazéns e paióis de pólvora e
queimado plantações nos arredores.
Os franceses esperavam fazer o mesmo
que em suas guerras anteriores: tomar alimentos das cidades e fazendas pelo
caminho. O que sobrava da destruição russa só era aproveitado pelos soldados da
frente da coluna - quem vinha atrás passava fome. Um comércio clandestino e
gangues de ladrões passaram a agir. Os cavalos, que morriam às centenas, se
tornaram o prato principal.
A campanha prosseguiu assim - os
russos regredindo e queimando tudo, os franceses sangrando lentamente de
doenças, fome, sede, ataques de guerrilha e deserção massiva. "No caminho
para Moscou, ainda no verão, os franceses perdiam em média 6 mil soldados por
dia", escreveu o médico e historiador Achilles Rose (1839-1916) em seu
livro A Campanha de Napoleão na Rússia, Anno 1812.
Após mais uma conquista estéril na
cidade de Smolensk, em 18 de agosto, Napoleão decidiu rumar para Moscou. Mas
isso os russos não aceitariam e, enfim, Napoleão teve sua batalha. A mais
sangrenta de todas as guerras napoleônicas, a Batalha de Borodino, em 7 de
setembro - dos 250 mil participantes, 80 mil morreram. Os russos recuaram mais
uma vez, mas não foram aniquilados. Em 14 de setembro, Moscou pertencia a
Napoleão. "Napoleão deve ter imaginado que havia vencido", diz César
Domingues. Ele sentou-se no trono do Kremlin e esperou a rendição do czar. No
mesmo dia, começou um incêndio, que os russos jamais admitiram ter causado, que
destruiu 75% da cidade em 4 dias.
O tempo ia esfriando, o Exército
russo, se recompondo, e o czar não ofereceu paz. Em 18 de outubro, quando os
franceses iniciaram a retirada, a temperatura estava por volta de 0 ºC. O plano
era voltar pelo sul, mas os russos cortaram o caminho e os militares se viram
forçados a voltar por onde vieram, começando pelo campo de Borodino, crivado de
homens e cavalos em decomposição da batalha de um mês e meio antes.
Se algo havia sobrado da destruição
causada pelos russos, já havia sido consumido pelos franceses na ida. Diante de
um frio que chegaria a -40 ºC, ninguém tinha roupas de frio, exceto as roubadas
de Moscou - inclusive chapéus, sapatos, mantos e echarpes femininas. Os cavalos
não tinham ferraduras adaptadas ao gelo, como as dos russos - escorregavam e
quebravam as patas ou simplesmente não conseguiam puxar as cargas.
A tropa se converteu em um bando de
desesperados. Cavalos passaram a ser atacados e a carne era comida crua. Em seu
livro de memórias, o sargento Adrien Bourgogne relata que um carro-ambulância
teve seus cavalos devorados à noite pela tropa. De manhã, os feridos foram
largados no caminho. Os soldados também tiravam nacos de carne de animais ainda
vivos - amortecidos pelo frio, eles não reagiam. Bourgogne conta que um bando
de soldados havia se fechado em um celeiro para evitar o frio. Eles se
acumularam na porta para evitar que mais gente entupisse o lugar. Durante a
noite, o celeiro pegou fogo. Quando o incêndio acabou, alguns soldados tomaram
coragem de avançar para os corpos dos colegas, providencialmente
"assados". O soldado alemão Jakob Walters (1788-1864) escreveu que
viu um soldado que se aliviava de diarreia à beira da estrada ter suas calças
roubadas - a vítima morreu de frio horas depois.
Os franceses fugiam em desespero, mas
os russos não haviam se esquecido deles. Em 26 de novembro, as tropas
napoleônicas tiveram de atravessar o rio Berezina (na atual Bielorrússia). Os
russos descobriram sua posição e atacaram no dia 29, com 60 mil homens, contra
40 mil soldados divididos entre as duas margens. Os franceses conseguiram
escapar com seu imperador, destruindo as pontes improvisadas que haviam feito -
mas ainda havia muitos deles do outro lado. Entre 25 mil e 45 mil civis e
militares morreram ali - 10 mil deles empurrados pelos cossacos para dentro do
rio congelado.
Em 14 de dezembro, o esfarrapado
exército de Napoleão chegou à Polônia. Sua tropa principal tinha 22 mil
soldados, dos 690 mil que entraram na Rússia. O total de sobreviventes é cerca
de 100 mil, contando as outras colunas do exército. Pessoas, armas e cavalos
podiam ser substituídos, mas o dano irrecuperável foi à reputação de invencível
de Napoleão, que acabou deposto e exilado na ilha de Elba (Itália) em 1814.
Não foi apenas Napoleão que não
aprendeu com seus antecessores. Em 22 de junho de 1941, Hitler invadiu a União
Soviética, também esperando uma campanha fulminante que acabasse antes do
inverno. Os nazistas estavam às portas de Moscou em dezembro, mas então veio o
inverno, matando 150 mil alemães em poucos dias. Em homenagem aos serviços
prestados, os russos deram uma promoção a seu inverno. Lá ele é conhecido como
General Moroz - o temido General Inverno.
Bárbaros pelo czar
Os cossacos não costumam entrar na
conta do efetivo do Exército russo, mas como adicionais (costuma-se afirmar
algo como "100 mil soldados e 20 mil cossacos"). Na verdade, eles nem
são exatamente russos. Cossacos são sociedades independentes, democráticas e
militaristas, originalmente de povos eslavos, que depois passaram a aceitar
aventureiros de qualquer país - particularmente quem falasse línguas, soubesse
fazer contas ou simplesmente fosse alfabetizado, talentos raros entre os
nascidos entre eles. Os cossacos não eram súditos, mas aliados do czar - e se
voltaram contra os russos em algumas ocasiões, como a Revolta de Pugachev, de
1774. Suas tropas tinham sua própria hierarquia e generais. Mas elas eram um
tanto indisciplinadas, por isso os russos preferiam usá-los como forma de
bagunçar e aterrorizar as linhas inimigas, e não como força de choque ou
cavalaria regular. Os cossacos foram integrados à sociedade soviética à força
por Josef Stalin, na década de 30, mas os descendentes ainda se orgulham do passado
independente e aventureiro.
Conheça a vida de Sólon, o pai da democracia grega
Sólon, um dos Sete
Sábios da Grécia, acabou com a transmissão de poder hereditária e abriu o
acesso aos altos cargos do governo para (quase) toda a população ateniense.
Na Grécia antiga,
os aristocratas tinham tanto orgulho de sua origem que se diziam descendentes
dos deuses. Cada família recitava a longa lista de antepassados até chegar ao
patriarca divino. Com Sólon (638-558 a.C.), não foi diferente: ele traçava sua
origem até Poseidon, o deus grego dos mares. Mas, diferentemente dos outros
nobres, Sólon se importava com os "reles mortais" e dedicou a vida a
construir uma sociedade mais justa e igualitária. Tanto que os historiadores o
consideram o pai da democracia ateniense.
"Sólon
integra a lista dos Sete Sábios da Grécia ao lado de figuras como o matemático
Tales de Mileto", diz o filósofo Ron Owens, da Universidade de Newcastle
(Austrália), no livro Solon of Athens (Sólon de Atenas, inédito no Brasil).
"Foram feitas várias listas dos sete sábios, e Sólon está em todas elas.
Sua influência não era mesmo de desprezar: ao menos 115 autoridades do mundo
antigo o mencionam em seus escritos, entre eles Aristóteles (384-322
a.C.)."
Apesar da glória
entre seus pares, Sólon é hoje quase um ilustre desconhecido. Sempre que se
fala em Atenas, vêm à mente filósofos e matemáticos, mas nunca um sujeito como
ele - misto de mercador, poeta e legislador. Afinal, quem foi Sólon? E o que
ele agregou à história das ideias?
Sociedade em frangalhos
Sólon nasceu provavelmente em 638 a.C., em Atenas, numa família nobre em
decadência. A Grécia estava dividida em dezenas de cidades-estados (poleis,
plural de pólis), com governos independentes e uma cultura religiosa comum. Em
Atenas, mandava a aristocracia dos eupátridas (os "bem nascidos"),
que nomeavam arcontes (magistrados) para legislar em causa própria. Os pobres
não tinham acesso ao poder político e muitas vezes pagavam suas dívidas com
escravidão. Sólon presenciou essas injustiças ainda jovem, quando embarcou em
viagens mercantes para tentar recompor a fortuna da família. Ele viu que
artesãos e pequenos proprietários de terras eram alijados das decisões
políticas e sempre perdiam para os nobres em disputas judiciais. "A
maioria dos camponeses era leal aos aristocratas porque dependia deles para se
proteger dos inimigos de Atenas. Mas a população em geral estava cada vez mais
insatisfeita", diz o historiador Bernard Randall no livro Solon: The
Lawmaker of Athens (Sólon, o Legislador de Atenas, inédito no Brasil).
A oligarquia vetava até os mercadores que
enriqueceram com o comércio entre a Grécia e o mundo mediterrâneo. Eles tinham dinheiro
suficiente para adquirir armas e terras e por isso esperavam obter uma fatia do
poder político. Mas continuaram fora do Areópago, o conselho que escolhia os
magistrados. Sua única chance de ganhar uma causa na Justiça era molhando a mão
do juiz.
"Com o tempo, mais mercadores se tornaram ricos e viram que a única forma
de obter poder seria por meio da força", diz Randall. De fato, ao longo do
século 7 a.C., vários tiranos deram golpes em oligarquias gregas com o apoio
dos novos-ricos. Em 632 a.C., o nobre Cylon tentou usurpar o poder em Atenas
com o respaldo da ilha vizinha de Megara, onde seu sogro governava com mão de
ferro. Mas o plano falhou e Cylon deu no pé.
Em 621 a.C., para tentar botar ordem no caos, o arconte Drácon elaborou um
código de leis duríssimas contra o crime. Um simples roubo era punido com a
morte. Não é à toa que "draconiano" virou sinônimo de extrema
rigidez. No entanto, nem mesmo as leis de Drácon acalmaram os ânimos.
Sólon foi o
primeiro poeta ateniense cujos versos sobreviveram até nossos dias. Fragmentos
de sua obra, citados por Plutarco (46-120) e outros filósofos, mostram que ele
denunciava as iniquidades da época. E nem por isso ele deixou de ser respeitado
pelos nobres. Aliás, sempre manteve a fama de sábio e justo. Sua entrada na
política aconteceu durante uma guerra entre Atenas e Megara pela soberania da
ilha de Salamina (onde nasceu). Não há registros precisos, mas estima-se que
milhares de atenienses tenham morrido em combate. O governo teria até jogado a
toalha, mas tudo mudou quando Sólon correu para a ágora (praça principal da
pólis) e declamou uma ode a Salamina. "Prefiro renunciar a minha cidade
natal e me tornar cidadão de Folegandros (minúscula ilha grega no mar Egeu) a
continuar sendo chamado de ateniense, marcado pela vergonha da rendição de
Salamina!", teria dito, motivando os conterrâneos a retornar à batalha.
Segundo Plutarco, Sólon teve papel ativo na estratégia militar que debilitou o
inimigo e levou Atenas à vitória. Foi assim que ganhou fama de soldado. Em 594
a.C., foi nomeado arconte e realizou reformas que ajudaram a cimentar o caminho
ateniense rumo à democracia.
Sua
primeira medida foi promulgar um código de leis escritas que aboliu a
escravidão por dívida e proibiu os homens de vender filhas e irmãs. Também deu
uma suavizada no código penal de Drácon. Segundo a nova lei, o ladrão teria de
compensar a vítima com o dobro do valor do produto roubado. Ao que tudo indica,
o arconte poeta só manteve a pena capital para os homicidas.
Talvez a grande sacada de Sólon tenha sido substituir o sistema de poder
hereditário por outro baseado no dinheiro. Parece injusto, mas foi uma forma de
aproveitar a mobilidade social para ampliar o acesso ao poder político.
Classificou os habitantes em 4 classes. No topo, estavam os pentacosiomedimnos,
donos de terras. Abaixo vinham os hippeis, que tinham grana suficiente para
manter um cavalo a serviço do Estado nas guerras - um luxo para poucos. Em
seguida, estavam os zeugitas (a "classe média") e finalmente os
tetes, os mais pobres.
Quanto mais rico o cidadão, maior o cargo público que ele podia ocupar. Para
quem viveu há 2,5 mil anos, quando o poder se perpetuava entre os mesmos
sobrenomes, essa foi uma bela mudança rumo à democracia. Como muita gente podia
acumular certa riqueza - graças ao comércio crescente, por exemplo -, o novo
sistema era mais igualitário que o anterior. Os tetes não podiam disputar os
cargos, pois temia-se que fossem mais propensos a receber propinas. Mas Sólon
lhes deu o direito de se defender nos processos judiciais e integrar o júri.
Mais importante: deu sinal verde para que o cidadão com mais de 18 anos
participasse da Ekklesia (Assembleia), inclusive os tetes (mas não os escravos,
pois eles não eram considerados cidadãos). A Assembleia promulgava leis e
decretos, decidia a concessão de privilégios, servia de palco para debates
políticos e influía na escolha de arcontes (magistrados). Portanto, quem diria,
os mais pobres podiam influir na formação do temível Areópago. A pauta da
Ekklesia era definida pelo Conselho dos 400 (formado por 400 cidadãos de todas
as classes, exceto os tetes). As mulheres não votavam, mas justiça seja feita:
no Brasil, o voto feminino só foi instituído em 1934. "Assim como o
filósofo Sócrates (469-399 a.C.), Sólon tentou criar pontes entre os extremos
da sociedade e uma nova unidade dentro do Estado", diz Victor Ehrenberg em
From Solon to Socrates (De Sólon a Sócrates, inédito no Brasil). "Ambos
são símbolos da moderação e clareza mental que fizeram a grandeza de Atenas."
Em 561 a.C., 30 anos depois das reformas, o tirano Psístrato usurpou o poder em
Atenas - com a bênção do Conselho dos 400. Ao saber da notícia, Sólon
interrompeu uma longa viagem pelo Egito e Chipre e retornou a Atenas para
tentar mobilizar a massa. Não conseguiu. Mas a democracia continuou evoluindo
mesmo após sua morte (3 anos depois). Em 508 a.C., suas reformas foram levadas
adiante pelo legislador grego Clístenes. E, no século 5 a.C., continuaram com
Péricles e Efialtes. "O principal método de escolha para cargos públicos
era o sorteio, tido como o mais igualitário", diz o cientista político
Robert Dahl no livro Sobre a Democracia. Para ele, um cidadão ateniense tinha
uma chance razoável de ser sorteado ao menos uma vez na vida.
Segundo alguns historiadores, Sólon decepcionou muita gente. Os ricos diziam
que suas inovações foram longe demais, e os pobres reclamavam que foram
insuficientes (queriam a reforma agrária). Nem o sábio conseguiu agradar a
gregos e troianos.
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