Os
romanos não tinham um termo específico para designar o que chamamos
“família”. A palavra familia englobava todos aqueles que viviam
sob a autoridade do pater familias, crianças e adultos, homens e
mulheres, livres e escravos. Empregavam também a palavra domus
(casa) que representava todos que moravam em uma mesma habitação.Em
Roma existiam três estruturas distintas: a família nuclear, a
tríade pai-mãe-filho; a família ampliada – várias gerações
que coabitavam sob a autoridade do patriarca; e finalmente a família
múltipla, que congregava pessoas e outras famílias nucleares unidas
por contratos de casamento.
Nas
classes médias e populares as famílias eram muito mais estáveis do
que na aristocracia. Nas inscrições funerárias há elogios
freqüentes às mulheres que viveram em paz com seus maridos durante
20, 30, até 60 anos. Mas também existiram famílias reconstituídas.
A morte de um dos cônjuges levava o sobrevivente a assumir uma nova
união. Alguns documentos mencionam mulheres que foram casadas várias
vezes.
Já
nas classes dominantes, o casamento era equivalente a um acordo
político. Não significava uma aliança afetiva, mas obedecia, na
maior parte das vezes, às flutuações táticas das forças
atuantes. Muitos dos homens (e das mulheres) influentes de Roma
tiveram várias uniões. Sylla, Pompeu e Antônio esposaram cada um
cinco mulheres; os imperadores Calígula e Cláudio se casaram cada
um quatro vezes. Entre as mulheres, o recorde parece pertencer a
Vistilia, mãe do grande general da época de Nero, Corbulão: ela
teve sete filhos de sete maridos em um período de 20 anos.A mulher
podia pedir o divórcio sem ter de se justificar. O divórcio
tornou-se uma prática tão banal na alta sociedade romana que Sêneca
estigmatizou suas concidadãs: “Elas se casam para se divorciarem,
e se divorciam para se casarem”. Messalina aproveitou a ausência
do marido, o imperador Cláudio, para se declarar divorciada e
celebrar seu casamento com o amante Silius.
Algumas
vezes essas uniões firmadas em uma contingência política
provocaram situações escabrosas. Pompeu esposou em terceiro
matrimônio a nora de Sylla, Aemilia, que estava grávida de seu
primeiro marido, Acilius Glabrio. Mas isso não impediu que ela se
instalasse na casa de seu novo marido. Pouco depois, morreu ao dar à
luz um menino, que foi imediatamente transferido para a casa de seu
pai natural. Augusto, cuja mulher Escribônia estava grávida,
apaixonou-se loucamente por Lívia, que também estava grávida, e
era casada com Nero. Augusto esperou que Escribônia desse à luz sua
filha Júlia para repudiá-la no próprio dia de seu parto. Em
seguida, casou-se com Lívia que deu à luz em sua casa.Desde o fim
da República, a antiga fórmula de casamento que submetia a esposa
ao marido caíra em desuso. A mulher casada continuava legalmente
independente, até mesmo no campo financeiro. O dote, que consistia
em moedas, jóias, prataria, mobiliário, terras e escravos, era
confiado ao marido, mas somente sua renda podia ser empregada para a
vida do casal. Em caso de divórcio ou viuvez, a mulher recuperava
integralmente seu dote. Ela também tinha o direito de legar seus
bens a quem desejasse. Só quando o adultério era o motivo do
divórcio o marido ficava com uma parte do dote.As crianças eram as
que mais sofriam com as sucessivas uniões de seus pais. Em caso de
divórcio, geralmente elas eram separadas da mãe, ficando sob guarda
paterna. As madrastas deviam garantir a educação de seus enteados,
muitas vezes tão jovens quanto elas. Os irmãos e irmãs nascidos de
um mesmo pai eram educados juntos, mas não mantinham vínculos com
os filhos que suas mães tinham de outras uniões.
PIOR
PARA AS CRIANÇAS: As crianças órfãs de pai se encontravam em
uma situação ainda pior: deveriam ficar com a família paterna ou
poderiam se unir à de sua mãe? Com 3 anos, o pequeno Nero perdeu
seu pai enquanto sua mãe estava exilada em Roma. Morou com sua tia
paterna, Domitia Lépida, que se desinteressou da criança e a
confiou a dois escravos, um dançarino e um barbeiro. Quando Agripina
retornou do exílio, casou-se com Sallustius Crispus, e em seguida
com o imperador Cláudio, trazendo o filho para morar com eles. Mas a
sorte de Nero não melhorou: novamente sua educação foi entregue a
dois escravos.No entanto, há casos de reagrupamentos familiares mais
felizes. A irmã do imperador Augusto, Otávia, cuidou ao mesmo tempo
de seus próprios filhos e dos que seu marido Antônio teve de outras
uniões. A “família” de Otávia se compunha de três filhos de
seu primeiro casamento, de suas duas filhas nascidas de Antônio, dos
dois filhos de Antônio e de Fúlvia e dos três filhos de Antônio e
Cleópatra.
O
concubinato era uma forma de casamento inferior entre uma mulher
livre que vivia com um homem sem ser sua esposa. Era proibido ter ao
mesmo tempo uma esposa e uma concubina. Mesmo assim, o concubinato
era freqüente, sobretudo entre escravas libertas e seus antigos
donos. Muitas vezes os homens das classes superiores uniam-se a uma
concubina após terem sido casados regularmente uma ou duas vezes.
Após a morte da mulher, Faustina, Marco Aurélio foi pressionado
pelas grandes famílias romanas para escolher uma nova imperatriz.
Mas ele preferiu ter como concubina a filha de um intendente de
Faustina, pois não quis, segundo disse, impor uma madrasta a seus
filhos – ele tinha 12!Outra forma de união, o contubernium ou
“coabitação”, ocorria quando um dos membros era de origem
servil. Era, em particular, o caso das uniões entre escravos, que
podiam ser tão estáveis quanto os casamentos dos homens livres.
Além disso, sempre existiram relações entre o patrão e as
mulheres escravas, consentidas ou não. O mesmo acontecia entre
mulheres livres e homens escravos.A criança nascida dessas relações
não era reconhecida pelo pai. Seguia a condição da mãe: o filho
de uma escrava era escravo, de uma mãe livre, era livre. O pai não
tinha nenhuma obrigação de alimentá-la e a excluía de sua
herança. O único modo de o pai obter o pátrio poder era
adotando-a.
O
pater familias tinha o direito de modificar a composição da família
suprimindo as crianças que não desejava ou adotando um filho para
sucedê-lo. Muitas razões, em particular para os pobres, que
enfrentavam dificuldades para alimentar muitas bocas, podiam levar o
pai a não reconhecer um filho, mesmo legítimo. Isso era praticado
em todas as classes sociais e atingia principalmente as filhas. O
futuro imperador Cláudio abandonou sua filha Cláudia, pois
suspeitava que ela era fruto dos amores adúlteros da mulher com seu
escravo liberto Boter. Uma criança abandonada podia ser recolhida
para ser adotada. Na maioria das vezes, no entanto, estava destinada
à escravidão. Essa prática só foi revogada no século IV.Uma
família precisava de um filho homem para receber em herança os bens
do pai e garantir a permanência do culto das divindades da casa. Na
ausência de filhos, era necessário recorrer à adoção de um rapaz
que, na maioria das vezes, já tivesse atingido a idade adulta. O
escritor Plínio, o Jovem, era filho adotivo de seu tio materno,
Plínio, o Velho. A adoção era também o meio mais seguro para os
imperadores garantirem sua sucessão. Alguns meses antes de seu
assassinato, Júlio César adotou o neto de sua irmã, Caio Otávio,
o futuro imperador Augusto. Tibério, Trajano, Adriano, Antônio, o
Piedoso e Marco Aurélio eram filhos adotivos dos príncipes que os
precederam. Nos meios mais populares, os homens que não tinham
descendentes adotavam, muitas vezes, um de seus escravos libertos.Por
múltiplas razões, a família nuclear em Roma estava ameaçada por
rupturas e reconstituições constantes. As crianças eram as
principais vítimas dessa situação. Felizmente para elas, a
estabilidade era garantida por aqueles a quem eram confiadas, as amas
e os nutritores (pais babás) que não as deixavam durante todo o
período da infância. Eles eram chamados pelas crianças de tata
(papai) e mama (mamãe), e muitas vezes esses pais substitutos
ficavam toda a vida ao lado de seus antigos protegidos.
O
surgimento do cristianismo modificou a concepção romana de família
e rompeu com as práticas matrimoniais do mundo pagão. Apoiandose em
textos dos Evangelhos (“Que o homem não separe o que Deus uniu”)
e das epístolas paulinas (“Que a mulher não se separe de seu
marido... e que o homem não repudie sua mulher”), os Pais da
Igreja declararam a obrigação da monogamia e a indissolubilidade do
casamento, proibindo o divórcio.Durante o primeiro milênio, o
casamento permaneceu um assunto no qual a Igreja não intervinha. Foi
somente em 1215, quando do concílio de Latrão IV, que o casamento
se tornou o sétimo sacramento da Igreja católica e se transformou
em um ato público efetuado em uma igreja diante de um religioso.No
entanto, com a queda do Império Romano no início do século V, o
direito germânico se sobrepôs ao romano e introduziu novas práticas
entre as famílias. A poligamia era muito arraigada entre os
germânicos: ao lado da esposa legítima, geralmente o homem tinha
esposas secundárias, as friedlehe (promessas de paz) e concubinas
escravas.
O camafeu mostra a curiosa família de Tibério (2) que, sendo filho de Lívia (3) com Nero, foi adotado por Augusto (1), tornando-se seu sucessor à frente do Estado
Carlos
Magno teve cinco esposas legítimas e ao menos quatro concubinas
oficiais. Todas essas mulheres lhe deram 17 filhos ou mais. Esse pai
tão afetuoso nunca se separou de sua numerosa prole: quando viajava,
todos os filhos cavalgavam a seu lado e as filhas seguiam
acompanhadas por guardacostas. Carlos Magno amava tanto suas filhas
que não conseguia decidir- se a concedê-las em casamento. Desse
modo, permitiu que se tornassem friedlehes de amantes que moravam com
elas. A mais velha, Rotrude, vivia com Orgon, duque do Maine, com
quem teve um filho. No palácio de Aix-la-Chapelle, coabitavam, sob a
autoridade de Carlos Magno, várias mulheres e concubinas, filhos
legítimos e bastardos, amantes das filhas, netos, sem esquecer sua
mãe Berta, que morreu com idade avançada. Todo esse pequeno mundo
viveu mais ou menos em harmonia, sem suscitar reprovação pública
especial. Podemos nos perguntar como, em uma época em que o
cristianismo determinava a indissolubilidade do casamento, as
separações eram tão freqüentes. Os divórcios, muitas vezes
decididos para que se concluíssem alianças mais vantajosas, eram
disfarçados em anulações por esterilidade ou adultério da mulher.
Outros casais utilizavam habilmente “o obstáculo proibitivo do
parentesco”: o direito germânico proibia o casamento entre pessoas
até o sétimo grau de parentesco. Não era muito difícil provar que
se tinha uma ligação de parentesco distante com a mulher de que se
buscava a separação.As crianças nascidas de uniões paralelas
tinham o status de bastardos e eram afastadas da herança paterna,
mas viviam com o pai. Essa ilegitimidade não impedia que muitas
delas fizessem uma bela carreira. Carlos Magno nasceu quando a mãe,
Berta, era apenas a concubina de seu pai Pepino, o Breve. Foi
legitimado mais tarde, quando os dois se casaram.Durante a segunda
metade do primeiro milênio, enquanto a religião cristã impunha a
monogamia e a indissolubilidade do casamento, a poligamia ainda era
comum. A partir do século X, essa situação tornou-se pouco a pouco
obsoleta. No final do primeiro milênio, de fato, a Igreja ocupou uma
posição preponderante na sociedade e impôs seus princípios
primeiramente ao povo, depois à nobreza.