A herança deixada pelos faraós à humanidade vai muito além de
pirâmides e sarcófagos dourados. Eles também nos legaram invenções sofisticadas
e costumes curiosos que atravessaram os séculos e continuam vivos.
Conheça todas as contribuições do povo do Nilo e descubra por que
eles foram tão criativos, avançados e misteriosos
Na sala, pai e filho estão entretidos com jogos de tabuleiro e bebem
cerveja em um final de tarde de domingo. A perna engessada de um deles não
permitiu que fossem a uma cervejaria. No quintal, as crianças se divertem
brincando de amarelinha e entre os cães de estimação que correm derredor. Em um
dos quartos, duas adolescentes experimentam novos cosméticos e cremes
hidratantes, enquanto conversam sobre métodos contraceptivos e o teste de
gravidez que a mais velha fará no dia seguinte. No quarto principal, uma mulher
divide seus pensamentos entre a contabilidade de sua padaria e o divórcio
prestes a se concretizar. Para amenizar a dor de cabeça, ela toma um remédio à
base de ácido acetilsalicílico, o princípio ativo da aspirina.
Se alguém perguntasse onde e quando essa cena aconteceu, a resposta
poderia muito bem ser o Brasil ou os Estados Unidos há muito pouco tempo. Mas,
por mais incrível que possa parecer, se alguém respondesse que a situação
deu-se no Egito no tempo dos faraós, estaria absolutamente certo. A chance
de momentos como esses terem ocorrido durante o reinado de Tutancâmon ou Ramsés
é praticamente tão grande quando no Ocidente do século 20.
Escondidos sob a mística de pirâmides e maldições de múmias, os avanços
científicos e culturais dos povos do Antigo Egito costumam surpreender mesmo a
quem se considera iniciado no assunto. Diversas descobertas atribuídas a
europeus pós-Renascimento fizeram parte do cotidiano daqueles que viveram às
margens do Nilo muitos séculos antes de Cristo. O histórico dessa
lacuna científica é complexo, rende livros e mais livros. Mas o fato é que
muitas coisas que se acredita serem méritos de um passado recente na verdade
são muito, mas muito mais antigas que as nossas tataravós.
Da aspirina ao teste de gravidez
Uma das revelações mais impressionantes ao estudar a herança do Antigo
Egito é seu desenvolvimento em medicina e farmacologia. Em O Legado do Antigo
Egito, o egiptólogo Warren R. Dawson, da Universidade de Oxford, na Inglaterra,
cita papiros médicos datados de até mais de 40 séculos atrás retratando
procedimentos médicos e remédios usados até hoje por profissionais da área de
saúde. Substâncias como óleo de rícino, ácido acetilsalicílico, própolis para
cicatrização e anestésicos já eram conhecidas. Os documentos descrevem
cirurgias delicadas, o engessamento de membros com ossos quebrados e todo o
sistema circulatório do corpo humano.
Antonio Brancaglion, historiador do Museu Nacional do Rio de
Janeiro e membro da Associação Internacional dos Egiptólogos, conta que o
desenvolvimento da medicina foi motivado, principalmente, pela quebra de um
mito em relação à violação do corpo humano. “Outras povos da época, como
sumérios e assírios, acreditavam que, se o corpo fosse aberto, a alma
escaparia. É claro que isso sempre foi um impedimento para experimentos
médicos”, diz Antonio. Entre os egípcios, no entanto, deu-se justamente o
oposto.
A religião dos faraós deu uma senhora ajuda às
descobertas médicas. “Eles acreditavam que para alcançar vida eterna a alma de
seus mortos precisava de um corpo. Por isso, desenvolveram o que chamamos
genericamente de mumificação”, afirma. A mumificação, na verdade, é um conjunto
de procedimentos químicos e físicos que visava a preservação dos corpos (veja
infográfico nas páginas 48 e 49). Esses processos exigiam a retirada cirúrgica
de alguns órgãos internos, que eram separados uns dos outros. Em alguns casos,
eles eram tratados e recolocados no lugar. Com isso, os egípcios passaram a
conhecer o interior do corpo humano de uma forma inédita até então. Localizaram
cada órgão e estudaram a relação entre eles. Embora estivessem errados em
algumas de suas conclusões – eles acreditavam que o coração comandava nossos
pensamentos – eles descobriram várias coisas que podiam ser aplicadas aos
vivos.
Um dos melhores exemplos disso é o conhecimento sobre o sistema
circulatório. O corpo de Ramsés II (1279 a 1212 a.C.) teve suas veias e
artérias retiradas, mumificadas e recolocadas. O hábito de tomar o pulso do
paciente como forma de avaliar sua saúde é descrito no papiro Ebers, datado de
1550 a.C. “O batimento cardíaco deve ser medido no pulso ou na garganta”, dizia
o antigo documento, certamente um dos primeiros livros de medicina do mundo.
Essa é outra inovação egípcia. Eles anotavam tudo nos chamados papiros médicos
(alguns desses documentos serão citados no decorrer desta reportagem). Segundo
Dawson, o conhecimento médico até então considerado era sagrado e geralmente
transmitido por tradições orais. Os registros eram raríssimos. No Egito, a
intensa documentação sobre os procedimentos médicos permitiu que esse
conhecimento fosse passado com maior exatidão – embora não menos sagrado.
O conhecimento da circulação sanguínea é responsável por um costume que
persiste até hoje: o uso da aliança de casamento. Para os egípcios, do coração
partiam veias que o ligavam diretamente a cada um dos membros. Na mão esquerda,
essa veia terminava no dedo anular. Acreditando que o coração era o centro de
tudo e que ele está ligeiramente deslocado para o lado esquerdo do peito, os
casais passaram a colocar uma fita no dedo anular esquerdo como forma de
prender o coração do amado. Com o passar do tempo, essa fita foi substituída
por um aro de metal que, dependendo das posses do casal, poderia ser o ouro.
Bonito, não?
A mumificacão mudou muito nos mais de 3 mil anos em que foi praticada.
Com ela, evoluiu também o conhecimento que tinham do cérebro. As primeiras
descrições do processo indicam que o cérebro era retirado pelo nariz e jogado
fora junto com o conteúdo dos intestinos dos mortos. Mas, com o tempo, os
egípcios passaram a relacionar o funcionamento do órgão com a coordenação
motora. Há descrições completas de procedimentos cirúrgicos intracranianos nos
papiros do século 15 a.C. No entanto, só recentemente, em 2001, especialistas
da Universidade de Chicago, Estados Unidos, que realizaram tomografias em
ossadas encontradas em Saqqara, um dos sítios arqueológicos mais importantes do
Egito, conseguiram demonstrar casos em que os crânios abertos cirurgicamente
apresentavam indícios de cicatrização, o que leva a crer que o paciente
sobreviveu à operação. E melhor: ele não deve nem ter sentido muita dor.
O uso de anestésicos era prática comum dos médicos da época. O professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) Mário Curtis
Giordani cita em seu livro História da Antiguidade Oriental um
processo de adormecimento de partes do corpo feito com a utilização de uma
mistura de pó de mármore e vinagre. Antonio Brancaglion destaca os anestésicos
à base de opiáceos que eram ingeridos. Esses antecessores da morfina só
voltaram a fazer parte dos procedimentos cirúrgicos cerca de três séculos
atrás, na Europa. Os egípcios dominavam métodos avançados para amputação de
membros e cauterização e davam pontos para fechar incisões. Acredita-se que
foram os primeiros a utilizar essa técnica. Os médicos eram especializados como
nos dias de hoje. Quem cuidava de fraturas não mexia com problemas de pele. A
especialização incluiu o aparecimento dos odontólogos. Os dentistas já usavam
brocas, drenavam abscessos e faziam próteses de ouro.
E, para quem pensa que a medicina egípcia era coisa para poucos, aí vai
uma nova: os trabalhadores braçais – os mesmos que empurraram pedras
monumentais para construir as pirâmides – possuíam uma espécie de plano de
saúde. Escavações na Cidade dos Trabalhadores – um conjunto de casas encontrado
na planície de Gizé, à sombra da grande pirâmide – revelaram múmias
com até 4 500 anos que receberam tratamento médico. “Eram pessoas comuns que se
curaram e voltaram ao trabalho”, afirma Zahi Hawass, diretor do Conselho
Supremo de Antiguidades do Egito. “Alguns corpos apresentavam marcas de
fraturas consolidadas, membros amputados e até cirurgias cerebrais.”
Outro avanço da medicina egípcia foram os métodos contraceptivos. A
egiptóloga Margaret Marchiori Bakos, da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, diz que a maioria deles consistia na aplicação
de emplastros espermicidas na vagina. O papiro Ebers relata que “para permitir
à mulher cessar de conceber por um, dois ou três anos: partes iguais de acácia,
caroba e tâmaras; moer junto com um henu de mel, um emplastro é molhado nele e
colocado em sua carne.” Um “henu” equivale a cerca de 450 mililitros. “A acácia
continha goma arábica, que com a fermentação e a dissolução em água resulta em
ácido lático, ainda hoje utilizado em algumas geléias contraceptivas. O mel,
que também aparece no papiro Kahun, pode ter tido alguma eficácia. “Seu efeito
tende a diminuir a mobilidade do espermatozóide”, diz Margaret.
Quando havia suspeita de gravidez eram feitos testes com a urina. “A
mulher urinava em um recipiente em que havia uma variedade de cevada. Se ela
germinasse, a gravidez estava confirmada”, diz Antonio Brancaglion. Para o
especialista, independentemente do percentual de acertos, o mais notável é o
conhecimento da relação entre a composição da urina e a gravidez.
Circunavegação da África e controle de cheias
A medicina não foi a única ciência em que os egípcios se desenvolveram.
Eles foram engenheiros notáveis em química, construção civil, naval e
hidráulica. “Nem sempre é possível afirmar que tenham sido precursores nesta ou
naquela descoberta”, afirma Antonio, “pois a pesquisa nunca termina.
Baseando-se no que se encontrou até hoje, dá para concluir que eles foram os
primeiros em diversas tecnologias.”
Na navegação, há fortes indícios de que alguns dos louros atribuídos aos
fenícios precisam ser divididos com os egípcios. A vela mais antiga de que se
tem notícia, por exemplo, é egípcia e foi encontrada dobrada dentro de
uma múmia em Tebas, de cerca de 1000 a.C. Os mais antigos modelos de
barcos a vela dos fenícios de Tiro e Cartago datam do século 8 a.C. Os egípcios
foram os primeiros a projetar barcos pensando previamente no destino que eles
teriam. Modelos militares eram diferentes dos cargueiros, que por sua vez não
se pareciam com os utilizados para lazer ou cerimônias religiosas. Eles criaram
os melhores barcos militares e a frota mais veloz. A chamada nau de Quéops, com
47 metros de comprimento e datada da Quarta Dinastia (2589 a 2566 a.C.), é a
mais antiga embarcação desse porte encontrada até hoje. Num barco ainda maior,
durante o governo do Necho II (610 a 595 a.C.), eles já haviam realizado a
circunavegação da África.
Quem acredita que o primeiro navegador a dobrar o cabo das Tormentas, no
sul da África, foi o português Bartolomeu Dias, em 1488, precisa rever seus
conceitos.
Os armadores egípcios conheciam as propriedades de expansão da madeira,
rigidez e durabilidade. Tais conhecimentos eram vitais na construção de
embarcações capazes de sustentar blocos de pedras com mais de 80 toneladas. “O
grande mistério da engenharia naval do Antigo Egito não é como os barcos
agüentavam tanto peso, mas de que forma as pedras eram colocadas neles. Há
diversas suposições, que vão da construção de diques secos até afundamento dos
barcos para posterior emersão, no caso de cargas menores”, diz Antonio
Brancaglion. Até agora não foram encontrados registros sobre como eles
colocavam uma rocha de 80 toneladas numa balsa sem que ela adernasse durante a
operação. Mas que eles conseguiam, conseguiam.
Um dos feitos mais impressionantes dos engenheiros do Antigo Egito foi a
construção de um antecessor do atual Canal de Suez. “Em aproximadamente 2500
a.C. os egípcios construíram uma eficiente passagem ligando o mar Vermelho ao
Mediterrâneo, como os europeus vieram a fazer em 1869.”
O Nilo, artéria que era a própria vida do Antigo Egito, desde os
primeiros povos que se instalaram na região, cerca de 5500 a.C, foi também uma
importante fonte de pesquisa e avanços científicos. Os egípcios sabiam da
importância do rio como via de transporte e de sua relação com a
preservação e manutenção das terras férteis ao longo do vale. As cheias eram
vistas como benéficas pelos egípcios e não como uma vingança dos deuses, como
na Mesopotâmia. O livro do professor Mário Giordani mostra o uso de
instrumentos para medir a variação das cheias (nilômetros), relata os
conhecimentos sobre fertilizantes naturais, como esterco, o trabalho das
minhocas e a própria lama do Nilo, que era transportada para áreas a
princípio estéreis. Foram os primeiros também a utilizar o arado manual.
Por volta de 2300 a.C. eles já aplicavam técnicas de irrigação
artificial, por meio de canais com vazão controlada. Criaram um sistema de
bombeamento de água chamado shaduf. Consistia em um processo
elevatório que levava a água até locais naturalmente não inundados, para
aumentar a área produtiva. O shaduf é usado até hoje, principalmente no
bombeamento de pequenas quantidades de água ou situações em que o custo da
implantação de sistema automático não é compensador. A roda para bombear água
movida a tração animal também vem do Egito, no tempo dos romanos, entre 30 a.C.
e 395 d.C.
Greves e telhado de vidro
Na construção civil, os egípcios foram grandes mestres. Construções como
as grandes pirâmides, a esfinge e as estátuas no Vale dos Reis estão entre as
estruturas mais belas e requintadas da Antiguidade, mas os exemplos do
impressionante uso da pedra, da marcenaria e da fabricação do vidro estão por
todo o Egito. E, mais uma vez, o modo de vida e a religião estão
diretamente ligados ao desenvolvimento de técnicas de construção. “Os egípcios
queriam durar para sempre e isso fazia parte de vários aspectos de
sua cultura. Seus templos eram construídos com a expectativa de serem
eternos. As paredes de pedra serviam, ainda, como suporte para
sua história, seu contato com o passado”, diz Antonio Brancaglion.
Os egípcios são considerados precursores do uso de pedras para obras em
larga escala. Os primeiros registros datam de quase 5 mil anos atrás. Na
Terceira Dinastia, por volta de 2700 a.C., já se cortavam pedras no tamanho e
no formato dos tijolos atuais. As construções em rocha e a precisão nos cortes
mostram os conhecimentos geológicos avançados dessa civilização. Eles já sabiam
que a dureza das rochas variava conforme sua composição mineralógica e que elas
tinham pontos frágeis em sua estrutura, por meio dos quais se aplicavam as
técnicas de corte. Nas fissuras eram introduzidos instrumentos de madeira,
posteriormente molhados. Expandidos, eles forçavam a quebra da rocha no ponto
desejado. Os egípcios criaram também os primeiros serrotes de metal. Eram
utilizados em rochas menos duras, como o calcário.
Desenvolveram técnicas de polimento com areia e modernas formas de
encaixe, tanto da madeira quanto da pedra. “Recortes tipo macho e fêmea vieram
daí”, afirma Antonio. “O pó que sobrava do corte e polimento das rochas era
misturado a cal, gesso e água, formando uma massa usada para tapar buracos ou
corrigir irregularidades nas paredes: um antepassado do cimento.” Ainda na
construção civil, os discípulos dos faraós foram os primeiros a estudar
profundamente o solo para a colocação de fundações e a construir sistemas de
calhas para escoamento da água da chuva.
A estrutura de dutos e calhas também era montada no campo, para evitar
deslizamentos de terra e inundação de áreas férteis pela chuva que escorria das
encostas. A primeira barragem pluvial de que se tem notícia data do final da
Segunda Dinastia (2750 a.C.). Tinha 10 metros de altura e 1,5 quilômetro de
extensão. Cedeu numa tempestade quando estava em fase final de construção. A
engenharia egípcia também foi a primeira a utilizar réguas, esquadros e prumos.
Eles foram os inventores do vidro moldado, processo ainda presente em alguns
setores da fabricação de vidro opaco. A técnica do sopro foi desenvolvida
posteriormente na Mesopotâmia. A base da tecnologia da fundição do bronze e de
outros metais no mundo todo também veio do Antigo Egito.
Os egípcios eram caprichosos joalheiros e marceneiros. A técnica de
solda e montagem de jóias é a mesma dos tempos atuais e, na marcenaria, se
destacaram pelos detalhes no entalhamento dos móveis e modernidade dos
projetos. Já produziam móveis dobráveis e foram os precursores das camas com
estrado. “Os egípcios de classes mais altas foram os primeiros a dormir em
camas de madeira com estrado”, conta o especialista do Museu Nacional.
Com tanto trabalho por fazer, era natural que as primeiras organizações
entre os operadores dessa incrível máquina de construir se formassem por ali. O
Antigo Egito foi palco das mais antigas greves de que se tem notícia. O
registro mais remoto de uma paralisação desse tipo aconteceu no Novo Império(entre 1570 e 1070 a.C.), durante o
reinado de Ramsés III. Os operários da construção de um templo decidiram cruzar
os braços por não receber no prazo combinado comida, roupas e maquiagem que
usavam para trabalhar. O sacerdote tentou negociar com os grevistas, mas o
patrão, ou melhor, o faraó não cumpriu a promessa. Só o fez dois meses depois,
quando os operários não apenas cruzaram os braços novamente, mas também
ocuparam o templo que estavam construindo.
Se por um lado fizeram greves, por outro criaram técnicas de
policiamento utilizadas até hoje, como o uso dos animais na captura de
malfeitores. Há registros de policiais fazendo patrulhamento acompanhados por
macacos e cenas de babuínos pegando ladrões em mercados.
Azul do céu e das tintas sintéticas
“Nem sempre os egípcios foram inventores desta ou daquela tecnologia.
Muita coisa feita por outros povos eles aperfeiçoaram”, diz Antonio
Brancaglion. Seu papel no mundo antigo não era o de produtor de matéria-prima,
mas o de transformador de tecnologia e exportador. “Poderia ser comparado aos
Estados Unidos de hoje, um grande centro de pesquisa e comércio internacional.”
A criação da cerveja, por exemplo, costuma ser atribuída a eles, mas os mesopotâmicos
também conheciam o método de fermentação e fabricavam bebida semelhante. “Só
que ninguém se aperfeiçoou tanto nos aromas e na variedade de sabores como os
egípcios. O que possivelmente tenha sido idéia deles foram as grandes
cervejarias, aonde as pessoas iam para beber e conversar já em 1500 a.C. A
indústria da panificação também vem dos egípcios, bem como a adição de frutas e
temperos aos pães”, afirma o professor.
Além de estudiosos da Terra, os egípcios gostavam de desvendar os
mistérios do céu. O mapeamento celeste foi feito por egípcios e mesopotâmicos.
Aos egípcios coube o reconhecimento das estrelas para contar as horas de noite
e a montagem do primeiro calendário solar, com 365 dias em 12 meses. Foram
eles também que dividiram o dia em 24 horas, 12 para a noite e 12 para o dia.
Identificaram planetas como Vênus e Marte e estrelas como Sirius e Órion e
localizaram o norte pelo posicionamento das estrelas.
Os egípcios foram químicos valiosos. Pioneiros na indústria de perfumes
e excelentes técnicos na área de cosméticos – a maquiagem tinha uma grande
importância para a saúde, pois sua composição protegia a pele dos efeitos do
sol –, eles foram os primeiros a fabricar uma tinta sintética. “Os artistas
usavam tintas com base mineral em vez de vegetal, como faziam outros povos. O
branco vinha do cal, o amarelo do ferro, o preto do carvão e assim por diante.
Muita gente pensa que o azul vinha do lápis-lazúli moído, o que não é verdade.
Essa rocha gera pó branco e não azul. Para chegar ao azul eles misturavam
óxidos de cobre e cobalto com bicarbonatos de sódio e cálcio e fundiam a mais
de 700 graus Celsius.
Essa fusão resultava em uma pedra azul que era moída e misturada com um
aglutinante natural, como clara de ovo ou goma arábica, e virava uma espécie de
guache”, diz o estudioso. Os vernizes criados naquela época à base de damar,
uma resina vegetal, são utilizados até hoje. Eles conheciam o betume e usavam
uma espécie de piche como selante.
Instrumentos como harpa, flauta, trombeta de metal, oboé e dois tipos de
alaúdes, o menor com um som parecido ao do violino, também são originários da
terra dos faraós, bem como jogos de tabuleiro e brincadeiras infantis como
cabra-cega e amarelinha. Com toda essa herança, por mais que as origens de cada
um de nós não passe nem perto das etnias do Antigo Egito, essa civilização faz
parte dos nossos hábitos e costumes.
Eles queriam ser eternos. Ordenaram todas as suas energias, corações e
mentes para isso. Construíram seus templos de pedra, onde gravavam suas
memórias nas paredes, mumificavam os mortos para que seus corpos vivessem até a
eternidade e, assim, desenvolveram a ciência, a arte e os costumes. Não
resta dúvida: eles conseguiram.
As primeiras feministas
Afirmar que as egípcias foram as primeiras
feministas da história pode parecer precipitado, já que o assunto
dificilmente estaria em pauta naquela época. Mas, queimas de sutiãs à parte, no
mundo dos faraós elas tinham poder e direitos de dar inveja a diversas
sociedades contemporâneas. Dependendo da classe social, pode-se até concluir
que tinham mais direitos e papel bem mais expressivo que muitas mulheres do
século 21.
Conquista como o divórcio, que, no Brasil, só
aconteceu na década de 1970, era uma prática aceita naquela sociedade,
inclusive quando solicitado pela própria mulher, afirma a professora Margaret
Bakos. Foram encontrados registros de pedido de divórcio por parte do homem e
da mulher no Novo Império (1555 a 1090 a.C.).
Há documentos que mostram as preocupações com a
situação dos bens do casal em caso de separação, quando a mulher costumava
ficar com a casa e com os filhos. A poligamia não era proibida, mas a
responsabilidade financeira que um egípcio tinha com suas mulheres o fazia
pensar muito antes de ter mais de uma esposa.
A egiptóloga diz que não havia qualquer referência
nos papiros em relação à virgindade ou à restrição do sexo apenas com
finalidade de procriação. “Os egípcios não eram tímidos em relação ao sexo,
tinham consciência de seus prazeres, mas não costumavam tornar o assunto
público. Quanto ao aborto, sabe-se que existia, mas não era prática comum”,
afirma Margaret. “Há registros de pessoas que foram incriminadas por terem
conduzido um aborto que resultou na morte da mulher.”
A maioria de suas tarefas era voltada para o lar,
mas havia sacerdotisas, agricultoras, escribas e donas de seus próprios
negócios (padarias, peixarias) e galgavam com méritos próprios posições
hierárquicas. Elas casavam cedo, normalmente próximo da primeira menstruação,
mas isso não significa que não fossem sexualmente ativas antes da coabitação,
lembra a historiadora. Pelos registros encontrados, o valor do pagamento por
seus trabalhos era igual ao dos homens. O homem e a mulher tinham posição de
igualdade perante a lei. A mulher podia herdar, deixar heranças, trocar e
vender propriedades e escravos.
Conscientes ou não do conceito de feminismo, as
devotas da deusa Ísis têm muito a ensinar àqueles que hoje ainda fazem
distinção entre os direitos dos seres humanos, qualquer que seja a desculpa
adotada.
A ciência da mumificação
A preocupação com os mortos revelou
importantes segredos do corpo humano
Os grandes avanços da medicina praticada pelos
povos do Antigo Egito devem-se, principalmente, aos sofisticados processos de
mumificação. Por meio deles, conheceu-se detalhadamente todo o sistema
circulatório, as vísceras,
bem como o funcionamento do coração, que os egípcios acreditavam ser o
gerenciador do corpo e das emoções. Com o objetivo de preservar os cadáveres,
eles desenvolveram técnicas de embalsamamento e estudaram profundamente métodos
de retirada de órgãos. Para tanto, eles estudaram a fundo a anatomia e criaram
instrumentos específicos para cada função, tataravôs dos bisturis, agulhas e
pinças encontrados nas mãos dos cirurgiões modernos. Os médicos registravam
cada avanço em papiros estudados até os dias de hoje.
SALGADOS
Os corpos e órgãos eram tratados com nitrão, um sal mineral comum na região, para evitar a decomposição
ATADURA
As faixas de linho que envolviam os mortos eram banhadas em resina e goma
LAVAGEM
Fígado, estômago e intestinos eram lavados diversas vezes antes de serem envasados
SOBRAS
Resíduos resultantes das incisões para retirada de órgãos durante a mumificação eram jogados no rio
COM AS TRIPAS DE FORA
As vísceras eram cuidadosamente retiradas e colocadas em jarros de barro, chamados canopos. Eles eram guardados nas tumbas próximo aos sarcófagos. As tampas reproduziam imagens sagradas
BOLETIM MÉDICO
Os conhecimentos científicos eram registrados por meio de relatos e desenhos em documentos chamados papiros médicos. Tais registros indicavam que os médicos egípcios se dividiam em especialidades. Durante a mumificação os papiros usados não eram os científicos, mas aqueles que continham trechos das orações encontradas no Livro dos Mortos
FACA AFIADA
Os métodos mais sofisticados de mumificação previam a retirada das vísceras antes do início do enfaixamento do corpo. A extração acontecia por meio de cortes precisos, feitos por lâminas afiadas que deram origem a alguns instrumentos cirúrgicos contemporâneos, como o bisturi. O cérebro costumava ser extraído pelas narinas. Graças a essas incisões é que os egípcios conheceram o interior do corpo humano
BANHO DE CHEIRO
Antes de enfaixar os mortos, os egípcios costumavam besuntar o cadáver com óleo perfumado. As faixas de linho engomadas eram colocadas primeiro na cabeça, depois nas mãos – respectivamente na direita e na esquerda – nos pés, primeiro no direito e posteriormente no esquerdo, e só depois na outras partes do corpo. Uma múmia podia ter até 20 camadas de tiras de pano sobrepostas
CACHORRÃO
A espiritualidade do ritual era garantida por um sacerdote usando uma máscara do deus Anúbis
Linha do tempo
A evolução de uma civilização milenar
Períodos Pré-Dinástico e Arcaico – 5500 a 3000 a.C.
Unificação do Egito (aprox. 3100 a.C.)
Dinastias 1 e 2
Construção das Grandes Pirâmides – Quéfren, Quéops e Miquerinos
Dinastias 3 a 11
Grande desenvolvimento literário Invasão dos Hicsos
Dinastias 11 a 17
Construção do Vale dos Reis
Reinados de Tutancâmon e Ramsés III
Batalha Naval contra os Povos do Mar (aproximadamente 1100 a.C.)
Dinastias 18 a 25
Períodos Saíta e Baixa Época – 656 a 343 a.C.
Dinastias 26 a 30
Fim da era dinástica
Períodos Persa e Greco-Romano 343 a.C. a 395 d.C.
Conquista de Alexandre
Reinado de Cleópatra
A complexidade da escrita hieroglífica
Os hieroglifos chamam atenção pela beleza de seus traços e pela riqueza de detalhes. Juntamente com os ideogramas chineses, eles atraem o olhar de muita gente que não faz a menor idéia de seu significado, mas que propaga seu uso em objetos de decoração e adornos. Com sintaxe complexa, os hieroglifos surgiram entre 3500 e 3000 a.C. e eram usados em escrituras oficiais e religiosas.
Ciro Flamarion Cardoso, professor de História Antiga e Medieval da Universidade Federal Fluminense, afirma que os hieroglifos têm três tipos de representação. “Eles podiam aparecer como signos fonéticos indicando um, dois ou três sons equivalentes a consoantes ou semiconsoantes, já que as vogais não eram representadas; como complementos fonéticos da leitura ou ainda como signos puramente ideográficos”, afirma Ciro. Por exemplo: um homem sentado podia indicar que a palavra anterior se referia a alguém do sexo masculino, sem que essa representação tivesse algum valor fonético. “Cada palavra egípcia tem uma raiz invariável, à qual se agregam desinências indicativas de gênero, número, flexões verbais. Essas indicações vêm sempre no fim da palavra”, diz o especialista
Segundo ele, a elipse alongada (cartouche) em torno dos nomes ou referências dos reis indica proteção divina. Na inscrição relativa a Tutancâmon (ao lado), o primeiro cartouche contém o nome de trono do monarca. O segundo, seu nome pessoal e o terceiro, sua função. As frases podiam ser escritas em colunas ou linhas e a direção da leitura era indicada pelos signos que representam os seres animados (insetos e aves, por exemplo), que sempre olham para o início da frase. Em geral, o egiptólogo tem de separar as palavras e frases entre si pela lógica ortográfica e gramatical do período em que o texto se gerou. “Os egípcios procuravam mostrar os signos de maneira estética, em função disso dispunham-nos às vezes em cima um do outro ou até mesmo superpondo-os”, afirma o especialista.
Aprenda como ler
A inscrição sagrada no túmulo de Tutancâmon
1. Os textos podiam aparecer em linhas ou colunas, ou cada trecho de uma forma, como nesta inscrição com três colunas e uma linha
Como se lê?
Como se fala? - ntr nfr nbtzwy nb h ‘w
O que significa? - O Deus perfeito, senhor das duas terras, senhor das coroas
2. As linhas ao redor das palavras serviam para proteger nomes sagrados, como o do trono do rei aqui descrito
Como se lê?
Como se fala? - nsw-bity (nb-hprw-r’)
O que significa? - o rei do alto e baixo egito, neb-kheperu-ra
3. A leitura costumava ser da esquerda para a direita e de cima para baixo. Aqui, o nome de Tutancâmon aparece protegido por uma linha
Como se lê?
Como se fala? - sz r’ (twt-’nh-imn hkz iwnw sm’)
O que significa? - o filho do sol, tutancâmon, governante de heliÓpolis meridional
4. As posições das figuras de animais indicavam a direção em que se deveria ler o texto. Nesta, a cobra mostra leitura da direita para a esquerda
Como se lê?
Como se fala? - di ‘nh dt
O que significa? - dotado de vida eternamente
A frase escrita diz:
ntr nfr nbtzwy nb h ‘w nsw-bity (nb-hprw-r’) sz r’ (twt-’nh-imn hkz iwnw sm’) di ‘nh dt
“O deus perfeito, senhor das duas terras, senhor das coroas, o rei do Alto e Baixo Egito, Neb-kheperu-ra (o senhor das transformações é o deus solar), o filho do sol, Tutancâmon, governante de Heliópolis meridional, dotado de vida eternamente.”
Para saber mais
NA LIVRARIA:
O que São Hieroglifos, Margaret Bakos, Brasiliense, São Paulo, 1996
O Legado do Egito, Organização S.R.K Glanville, Universidade de Oxford, Inglaterra, l948
NA INTERNET
www.mempphis.edu/egypt/main.html
www.egipto.com/museo/
www.egyptianmuseum.gov.eg/