segunda-feira, 14 de junho de 2010

A invenção da democracia



Muita gente tem tanta aversão à política que, ao ler essa palavra, vai pular correndo para a próxima reportagem. Atualmente, essa atividade está tão comprometida por seus profissionais que não há como não dar razão a quem sofre dessa alergia. Como tantas outras palavras (“monarquia”, “tirania”, “oligarquia” e “democracia”), o termo “política” foi criado na Grécia antiga. E, já naquela época, a desilusão com os políticos era grande. Por isso, os gregos fizeram questão de tentar entender como um negócio cujo principal objetivo é alcançar o bem coletivo pode dar tão errado.Um dos mais importantes filósofos gregos a encarar essa tarefa foi Aristóteles, que viveu entre 384 e 322 a.C. Discípulo de Platão, foi um protótipo do pensador enciclopédico. Nada escapou de sua curiosidade e indagação. Ele freqüentou praticamente todos os ramos do que hoje convencionamos chamar de “saber” (e até fundou alguns deles): da vida dos animais à astronomia, do modo correto de produzir e de organizar as idéias até os segredos da eficácia de uma peça de teatro. Em Política, o filósofo grego ocupou-se em descrever as mais variadas formas de convivência humana sob um governo comum. Mais do que isso, ele também tenta responder a inúmeras indagações: quais formas de governo são as melhores? Por que ocorrem as revoluções? O que fazer para evitá-las? Que papel deve exercer a educação na melhoria dos cidadãos? Quais as características físicas e sociais de uma cidade ideal?

Não faltam intérpretes da obra aristotélica capazes de apontar na Política a origem de ciências como a economia, a sociologia, a antropologia e a própria ciência política. O texto é, na verdade, uma reunião de vários livros escritos pelo autor em épocas distintas (o que provoca, às vezes, inconvenientes como repetições ou incongruências entre algumas partes). Logo no primeiro capítulo, há uma definição que ainda costuma fazer o leitor pular na cadeira: “O homem é por natureza um animal político”. Mas, afinal, o que é a política para Aristóteles? Para responder a essa questão, é preciso, antes, fazer um desvio etimológico. O termo deriva da palavra grega polis, que designa cidade. Este é o lugar da convivência e felicidade humanas, onde se concentra a civilização – em contraposição ao que está fora da cidade, que é o lugar dos bárbaros.Para Aristóteles, o ser humano só se realiza vivendo em comunidade. Mas não basta que essa comunidade garanta a mera sobrevivência e um certo conforto material – pois isso também pode ser encontrado na família ou numa aldeia. De acordo com o filósofo francês Pierre Aubenque, em A Prudência em Aristóteles, “a finalidade da cidade não se resume a ‘viver’, isto é, satisfazer as necessidades, mas também o ‘viver bem’, ou seja, a vida feliz, que, para os gregos, se confunde com a vida virtuosa”. Dotado da capacidade de fala (logos, em grego), o homem tem a capacidade de se expressar de maneira sensata e de refletir sobre seus atos. Ele é, portanto, capaz de distinguir o que é justo do injusto.

Na ciência política, a tradição aristotélica se contrapõe às teorias baseadas no conceito de “contrato”, como a elaborada pelo inglês Thomas Hobbes no século 17. Para ele, a obediência ao governo nasce de um pacto que visa garantir a segurança de todos. Ameaçados pela lei do mais forte, que rege a natureza, os homens decidem, num contrato coletivo, se submeter a uma instância superior. Segundo Hobbes, é esse acordo que dá origem ao Estado. Na Grécia de Aristóteles, idéias como essa já eram defendidas. Protágoras, por exemplo, via no homem um ser rebelde por natureza, que viveria na cidade apenas por interesse. É esse tipo de concepção que Aristóteles combate: para ele, a comunidade política é uma evolução natural dos agrupamentos humanos mais simples, como a família.Aristóteles se dedica então a examinar e comparar as formas de governo existentes na Antiguidade. Sua sede de conhecimento fez com que ele reunisse uma impressionante coleção de constituições. Das 158 recolhidas por Aristóteles, entretanto, só uma sobreviveu até hoje: a de Atenas, encontrada em um papiro em 1890.

Ele não queria apenas descobrir qual seria “a melhor forma de governo” – ela também tinha de ser “a melhor forma de governo possível de acordo com as circunstâncias”. Esse pragmatismo traz uma importante diferença com relação a Platão: em República, o mestre de Aristóteles buscava conceber uma forma de gestão baseada em ideais. Na Política, a filosofia desce do céu e planta seus pés na terra: o autor pretende prescrever a melhor forma de governo que pode, na prática, existir.Baseado em sua pesquisa, Aristóteles define os três tipos de regime político: o comandado por uma única pessoa é a monarquia, o liderado por um pequeno grupo é a aristocracia e o controlado pela maioria dos cidadãos é a politia. Cada um deles tem, respectivamente, uma forma degradada: a tirania, a oligarquia e a democracia (é isso mesmo: naquela época, essa palavra estava longe de ser sinônimo de bom governo  Aristóteles a utiliza mais ou menos como hoje falamos em “demagogia”). Mas qual a diferença, por exemplo, entre a monarquia e a tirania? Simples: na primeira, o líder governa buscando o bem comum e, na segunda, ele governa de acordo com seus próprios interesses. É isso que distingue, nos três casos, o bom do mau governo, o justo do injusto. Os primeiros são verdadeiramente políticos, os segundos são despóticos.

Dentre as três formas de governo, Aristóteles admite que a monarquia e a aristocracia podem ser as melhores. Mas, para que isso aconteça, é preciso que, no comando do regime, exista um homem excepcionalmente sábio e justo, no primeiro caso, ou um grupo deles, no segundo. Como essa situação é incomum, a forma mais indicada de governo é a politia: mesmo que a cidade não possa contar com uns poucos homens de valor excepcional, é razoável que ela conte com muitos capazes de governar e de ser governados, alternadamente. Para evitar abusos, a politia conta com leis escritas a ser seguidas (daí ela também ser chamada de “governo constitucional”). Ou seja: a forma preferida por Aristóteles não está tão longe do modelo de democracia que temos hoje.O que torna o texto aristotélico um clássico não é nem sua antiguidade nem sua influência, mas sua habilidade em extrair da história casos que permitam a seus leitores entender as razões de determinadas lições. Aristóteles nos ensina que dar as costas para a política é ignorar uma boa parte do que existe de humano em nós.

Infância: anjos armados


Na batalha de Leuctra, no ano 371 a.C., crianças de Esparta pegaram em armas. Em 1415, em Agincourt, os franceses massacraram os escudeiros britânicos, que tinham menos de 15 anos de idade. Existem vários exemplos como esses de participação de jovens em conflitos. Mas nunca eles foram usados em larga escala e em tantos lugares como agora. Neste momento, 25 países reúnem de 200 mil a 300 mil soldados mirins. "A presença de crianças é o novo comportamento padrão em guerras", afirma o especialista americano Peter W. Singer, autor de Children at War ("Crianças em guerra", sem tradução no Brasil).A idade média dos jovens militares é 12 anos. A maior parte deles atua em grupos de guerrilha, sem ligação com o Estado. Mas, em vários países, menores são alistados pelo governo. Entre 2003 e 2005, por exemplo, 15 britânicos de 17 anos atuaram no Iraque. "As crianças são fáceis de manipular e, em muitos casos, lutam tão bem quanto os adultos", diz Jo Becker, diretora de Defesa dos Direitos das crianças da organização não-governamental Human Rights Watch.Os menores são espiões, guardas e soldados armados da linha de frente. Já as meninas são usadas como escravas sexuais. De acordo com Jo Becker, boa parte das crianças é motivada pela pobreza. "Muitas veem o recrutamento como forma de conseguir comida."


Recrutas mirins

Os locais onde a prática é comum e quatro casos graves

México

Crianças lutam em grupos guerrilheiros no mundo todo, em especial na Colômbia e no Sri Lanka. Os mexicanos do Exército Zapatista de Libertação Nacional também sustentam um batalhão juvenil.

Sudão

Os soldados infantis lutam na região de Darfur, onde uma guerra, que já dura seis anos, deixou estimadas 300 mil mortes. Os menores de idade atuam como espiões e pegam em armas nas linhas de frente.

Uganda

O governo tem o hábito de capturar os jovens que atuam em grupos armados independentes e transformá-los em espiões e mensageiros do Exército local.


Mianmar

Pelo menos 14 países recrutam pessoas com menos de 18 anos em grupos militares. O caso mais sério é o de Mianmar, onde as crianças são forçadas a passar pelo treinamento do Exército.

Estratégia antiga

Jovens participam de batalhas há 2300 anos

Esparta, 300 a.C.

Após os 6 anos, os garotos participavam de pelotões juvenis. Lá, recebiam uma única peça de roupa e dormiam sobre juncos.

Inglaterra, Século 6

Meninos de 12 anos eram treinados para a guerra. Há relatos de que, aos 15, São Gustavo de Croyland (673-714) já estava engajado em ações militares.

Império Otomano, Século 14

Uma parcela dos garotos cristãos das províncias era recrutada. Os meninos se convertiam ao Islã e passavam a praticar exercícios bélicos.

Brasil, Século 18

Órfãos criados em instituições públicas eram recrutados pelas forças armadas desde o período colonial. Em casos de indisciplina, levavam chibatadas.

Estados Unidos, 1864

Na Virgínia, o general confederado John Breckenridge (1821-1875) recorreu a 247 cadetes da região, sendo que 25% tinham menos de 16 anos.

Alemanha, 1922

Garotos da Juventude Hitlerista eram treinados desde os 14 anos. Em 1943, foi criada uma unidade especial da polícia secreta, a "divisão leite de bebê".

A verdade olímpica: como surgiram os jogos na Grécia antiga



Em 776 a.C., após deixar para trás seis adversários, o grego Corobeu venceu a única prova daquela que ficaria conhecida como a primeira edição dos Jogos Olímpicos. Diferentemente do que se imagina, não foi uma corrida de longa distância: o cidadão da cidade de Elis percorreu apenas os 192 metros de extensão do estádio de Olímpia, na península do Peloponeso. A idéia de que a maratona foi o primeiro esporte olímpico, portanto, não passa de um mito.Segundo esse mito, em 490 a.C., durante o período de guerras entre gregos e persas, um corredor chamado Fidípides teria atravessado quase 100 quilômetros entre Atenas e Esparta para buscar ajuda. Outra versão conta que um homem chamado Eucles percorreu a distância entre Atenas e acidade de Maratona para participar da batalha. Com a vitória dos gregos, ele retornou a Atenas para dar a notícia, um esforço de 40 quilômetros entre ida e volta que teria custado sua vida.Nigel Spivey, professor de Artes Clássicas e Arqueologia na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e autor de The Ancient Olympics (“As Olimpíadas antigas”, inédito em português), afirma que o equívoco pode ser esclarecido ao se analisar a formação social da Grécia antiga. “Isso que chamamos de corrida de longa distância nunca tinha sido considerado esporte, tendo em vista que o trabalho de levar mensagens entre as cidades era função de servos e escravos.”Na democracia grega, apenas homens livres eram considerados cidadãos. Entre seus direitos estavam as decisões políticas e a participação no exército. Essa natureza bélica, enraizada na própria mitologia, também se relaciona com a atenção dada ao corpo. A prática constante de atividades físicas era a responsável por mantê-los preparados para as guerras – e acabou dando origem às Olimpíadas. As cidades-estados só alcançavam esse status se oferecessem para a população um local para a prática de esportes – o estádio. A partir do século 8 a.C., a Grécia estabeleceu um calendário de competições para motivar seus “atletas”.

A primazia de Olímpia sobre as demais cidades gregas na organização dos jogos está fundamentada na mitologia. Filho de Zeus, o herói Hércules teria inaugurado os Jogos Olímpicos como forma de comemorar o sucesso de um de seus 12 trabalhos: a limpeza dos estábulos de Audias, rei de Elis. Concretamente, sabe-se que essa lenda foi representada em Olímpia pelo escultor Fídias, que, em 440 a.C., foi o responsável pela construção do mais importante templo em homenagem a Zeus, que se transformou numa das Sete Maravilhas do mundo antigo. A estátua fez com que a cidade se tornasse o principal ponto de encontro dos festivais religiosos. E a proximidade do estádio fez com que Olímpia se destacasse como palco dos esportes.Por mais de 40 anos, a participação foi restrita a atletas da região. Mas, entre 732 a.C. e 696 a.C., a lista de vitoriosos passou a incluir cidadãos de Atenas e Esparta. E, a partir do século 6 a.C., os jogos passaram a receber inscrições de qualquer homem que falasse grego, fosse ele da Itália, do Egito ou da Ásia. “Participar de torneios como aqueles não era, de fato, apenas competir”, afirma Nigel Spivey. “Os atletas dirigiam-se para as Olimpíadas antigas com o interesse de ganhar e ser reconhecidos como os melhores.”
Ao longo dos anos, diversas cidades-estados passaram a realizar suas próprias disputas, que também carregavam um forte viés religioso. Como forma de homenagear a deusa Atena, os chamados Jogos Panatenáicos foram instituídos em Atenas em 566 a.C., mas acabaram ofuscados por outros torneios. Esse novo circuito de competições, conhecido como Jogos Sagrados, era sediado em Olímpia e Delfos – a cada quatro anos – e em Corinto e Nemea – a cada dois anos.
Bigas e sangue
Embora a primeira Olimpíada tenha acolhido apenas uma disputa, novas categorias foram incluídas ao longo dos mais de mil anos do evento como forma de disputa política e militar. As corridas de biga, inicialmente com quatro cavalos, inauguraram um novo espaço de competições, o hipódromo, em 680 a.C., data da 25ª edição dos jogos. Diversos personagens históricos protagonizaram embates nessa modalidade. O político Alcibíades, amigo e entusiasta de Sócrates, participou da corrida de 416 a.C. com nada menos que sete bigas. Segundo o historiador Tucídides, conquistou o primeiro, o segundo e o quarto lugares. Em 67 d.C., já sob o domínio romano, os gregos assistiram ao imperador Nero ser coroado vencedor mesmo sem ter cruzado a linha de chegada com sua biga puxada por dez cavalos.Embates corporais também fizeram parte do calendário olímpico da antiguidade. Uma das modalidades, conhecida hoje como luta greco-romana, já fazia parte do treinamento físico dos jovens da Grécia desde o século 10 a.C. Os primeiros vestígios da inclusão dessa luta numa Olimpíada datam de 400 anos depois: foram encontrados em fragmentos de uma placa de bronze. Para vencer a luta, não havia contagem de tempo. As categorias eram divididas por idade. Era preciso jogar o oponente ao chão pelo menos três vezes – sem quebrar os dedos do adversário.

O boxe também foi disputado. Um busto representando um lutador de 330 a.C. dá conta da violência da modalidade – há inúmeras cicatrizes na imagem de bronze. Não havia luvas, rounds ou regras claras para aliviar o sofrimento dos competidores. O orador João Crisóstomo registrou em dois discursos que um tal Melancomas, morador de Cária (localizada na costa da Ásia Menor), teria sido o maior pugilista do primeiro século da era cristã.A luta mais cruel da competição, porém, foi introduzida no calendário cerca de 100 anos depois da primeira Olimpíada. Para que se tenha idéia, os combatentes do chamado pancrácio eram punidos pelos juízes só em caso de mordidas ou quando um deles arrancasse o olho do adversário. O vencedor acabava venerado pela platéia mesmo quando provocava a morte do oponente.

Conjunto de cinco categorias, o pentatlo era disputado em provas de corrida, salto, luta, arremesso de disco e arremesso de dardo. Respectivamente, corridas e lutas abriam e encerravam o conjunto de provas – com algumas regras próprias, ambas categorias também eram disputadas fora do pentatlo. Na corrida, a distância mais curta envolvia um trajeto de cerca de 200 metros, equivalente ao comprimento dos estádios. Na mais longa, os atletas disputavam a liderança em 24 voltas pelo perímetro do local ou 5 mil metros.Os jogos da antiguidade eram violentos. Muitas vezes, serviram para simular batalhas militares. A morte de atletas chegou a ser registrada. A despeito das condições climáticas e mesmo de higiene, sabe-se que os atletas competiam nus. Historiadores antigos registram que essa tradição teria começado em 720 a.C., quando um sujeito chamado Orsipos, de Megara, venceu uma prova de corrida ao notar que sua performance seria melhor se ele abandonasse suas roupas pelo trajeto. A própria palavra “ginástica” tem o termo “nudismo” em seu radical grego gymnos – o que explicaria a proibição de mulheres, fosse como atletas, fosse como espectadoras.Por mais sangue que tenha sido derramado, os atletas jamais abriram mão de alguma ambição pela vitória. Nem mesmo durante as guerras, ou quando a Grécia esteve sob domínio dos macedônios e dos romanos, as competições esportivas deixaram de ser realizadas. Os jogos, contudo, entraram em declínio na segunda metade do século 4.Durante o domínio do imperador Teodósio, em 380 o cristianismo foi anunciado como religião oficial do Império Romano, fazendo com que, 13 anos depois, todos os centros esportivos e religiosos que abrigavam festas pagãs fossem fechados. Era o fim dos Jogos Olímpicos da antiguidade, que só viriam a ganhar uma versão moderna cerca de 1500 anos mais tarde.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Spartacus, o homem que desafiou Roma




Um exército dos mais improváveis virou de pernas para o ar o coração do Império Romano, cerca de 70 anos antes do nascimento de Cristo. Embora fosse inteiramente formada por escravos, a imensa maioria deles sem nenhuma experiência militar, essa força rebelde chegou a contar com 90 mil soldados, deu um trabalho imenso aos principais comandantes de Roma e chegou perto de engendrar o colapso político e econômico da Itália. À frente dos revoltosos estava um ex-gladiador, um gênio militar nato, apesar da origem aparentemente humilde. Seu nome era Spartacus.Mais de 2 mil anos depois, os detalhes da vida e personalidade desse guerreiro foram quase totalmente engolidos pela lenda. Para os antigos historiadores gregos e romanos, ele não passava de um bandido, enquanto teóricos socialistas e revolucionários de todos os tipos o transformaram num herói quase sobre-humano. Calúnias ou idealizações à parte, o fato é que a história de Spartacus e seu exército mostram à perfeição como a enxurrada de escravos que havia inundado o Império Romano criou um desequilíbrio social de proporções bíblicas. Sem saber, os romanos tinham plantado a semente de seu próprio pesadelo, embora, no fim das contas, tenham conseguido acabar com ela.

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A revolta de Spartacus só se tornou possível porque Roma, nos dois séculos anteriores ao nascimento do guerreiro, havia se tornado a senhora (quase) absoluta da bacia do Mediterrâneo. Numa série de conquistas, envolvendo basicamente o império de Cartago e as regiões dominadas por macedônios e gregos, Roma incorporou vastos territórios, muitos deles ricos em solos férteis e recursos agrícolas. Além disso, havia um bônus: no mundo antigo, os derrotados nas guerras tradicionalmente se tornavam escravos.Depois de vencer meio mundo em batalha, Roma deixou de ser uma civilização formada basicamente por homens livres e pequenos proprietários de terra para se tornar a dona de uma multidão de escravos. Algumas estimativas modernas sugerem que, na época, havia um escravo para cada três pessoas livres. O problema, porém, não era só esse desequilíbrio demográfico: a mão-de-obra servil favoreceu os grandes proprietários de terra, que passaram a adquirir as pequenas propriedades dos camponeses livres por meios legais ou ilegais. Assim, a zona rural da Itália estava lotada de “sem-terra” e pequenos agricultores empobrecidos e encurralados – um fator que acabaria favorecendo Spartacus e seus comandados. Nas três ou quatro décadas que precederam a revolta do gladiador, a situação explosiva criou outros levantes no campo italiano, em especial na recém-conquistada Sicília.Embora a principal vantagem econômica de incorporar tantos escravos ao império fosse seu emprego na agricultura, havia um contingente, digamos, diferenciado de cativos. Alguns se tornavam servidores domésticos ou, no caso de certas mulheres, literalmente escravas sexuais de seus amos. Mas entre os mais apreciados pelos romanos estavam os escravos destinados às lutas de gladiadores, uma das formas mais populares de entretenimento público no império. As lutas, ou ludi (“jogos”, em latim), como eram mais conhecidas na época, quase sempre comemoravam grandes triunfos militares. Os que tomavam parte dos combates nem sempre recebiam treinamento especial. No entanto, lutadores com potencial para conquistar as multidões eram muito procurados e logo eram incorporados a academias especiais, onde eram treinados e recebiam até certa dose de regalias.Foi justamente num estabelecimento desses, mantido por um sujeito chamado Lentulus Batiatus, em Cápua, sul da Itália, que Spartacus e seus companheiros originais viviam. Segundo o historiador grego Plutarco, que escreveu seu relato no século 2 d.C., “a maioria deles era de origem gaulesa ou trácia. Esses homens não haviam feito nada de errado, mas, simplesmente por causa da crueldade de seu amo, eram mantidos em confinamento até que chegasse a hora de entrarem em combate”. (A referência a “não fazer nada de errado” tem a ver com o fato de que criminosos condenados às vezes também eram mandados para a arena.) Como sempre, fica óbvio que os historiadores do mundo antigo não faziam muito bem, sua lição de casa: as designações “gauleses” (ou seja, nativos da Gália, na atual França) e “trácios” (originários da Trácia, região que corresponde a partes da Grécia e Bulgária atuais) podem não indicar a origem geográfica, mas o tipo de “modalidade” gladiatorial que os homens de Batiatus praticavam.Seja como for, a maioria dos autores greco-romanos diz que Spartacus era um nativo da Trácia. Para Apiano, escritor contemporâneo de Plutarco e originário de Alexandria, no Egito, ele teria lutado contra os romanos e feito prisioneiro – os trácios eram famosos por seu espírito de luta e, em certo sentido, até selvageria. Plutarco acrescenta, já criando uma aura mítica em torno do gladiador: “Dizem que, quando o levaram a Roma para ser vendido, uma serpente foi vista enrolando-se em torno da cabeça dele enquanto dormia. Sua mulher, que pertencia à mesmo tribo e era uma profetisa, submetida ao êxtase do deus Dioniso, declarou que esse sinal significava que ele teria um poder grande e terrível, o qual, no final, iria levá-lo ao infortúnio”. A história tem toda a cara de ser uma invenção de Plutarco, já que na tradição grega os trácios é que teriam levado o culto de Dioniso para o resto do Mediterrâneo.

Quebrando tudo

Verdade ou mentira, o fato é que Spartacus tinha pelo menos uma virtude: a iniciativa. No ano 73 a.C., ele se tornou o cabeça de uma fuga envolvendo 78 escravos, que se armaram com facas de cozinha e qualquer outro instrumento cortante à vista e deram o fora da tal “academia”. Segundo o mesmo Plutarco, o grupo deu a sorte de cruzar com um carregamento de armas para gladiadores que se dirigia para outra cidade e capturá-lo, o que aumentou suas chances de resistir à eventualidade de um ataque.Os gladiadores, que tinham como líderes, além de Spartacus, dois sujeitos conhecidos como Crixus e Oenomaus (supostamente gauleses, embora a classificação também seja duvidosa), se refugiaram no cume do vulcão Vesúvio. Puseram-se a atacar e pilhar as propriedades rurais vizinhas, atraindo mais e mais escravos fugitivos para seu lado. Mas não só cativos: pastores e camponeses pobres da região também começaram a se unir em massa ao chefe gladiador.As autoridades romanas demoraram para se dar conta da gravidade da situação. Basta dizer que sua primeira tentativa de acabar com a rebelião foi mandar contra Spartacus uma força de 3 mil homens que tinham acabado de entrar para o exército e não tinham treinamento algum. Seu líder, Caio Cláudio Glaber, se limitou a montar seu acampamento bloqueando a trilha que levava para fora do Vesúvio, achando que conseguiria fazer os gladiadores se render pela fome. Segundo relatos da época, porém, o vulcão tinha seu topo coberto por videiras selvagens, que Spartacus e seus companheiros usaram para tecer cordas, com as quais desceram pelo outro lado da montanha. Atacaram Glaber por trás e aniquilaram seu exército de novatos.
Depois dessa primeira grande vitória do gladiador, muitos de seus seguidores decidiram marchar para o norte com a intenção de deixar a Itália e voltar para seus países de origem. Enquanto isso, o governo romano resolveu agir e mandou contra Spartacus duas legiões – cerca de 12 mil homens – comandadas pelos dois cônsules, os chefes de governo da república. Parte do exército de escravos, liderado por Crixus, se separou de Spartacus e acabou dizimada, mas o líder rebelde conseguiu derrotar ambas as legiões.No fim, os revoltosos (com 90 mil pessoas em seu grupo) chegaram aos Alpes. Mas parte dos homens queria continuar a viver de pilhagem, o que os levou a voltar a Itália. O governo de Roma deu então o comando de dez legiões a Crasso e convocou o herói de guerra Pompeu. Os dois encurralaram Spartacus no sul da Itália. O gladiador e seus homens ainda venceram batalhas. Durante uma delas, o gladiador atacou Crasso e morreu em combate com milhares de seus homens. Outros 6 mil escravos foram crucificados na estrada que ia de Roma a Cápua – a Via Ápia.




HISTÓRIA DAS COPAS - Estatísticas e curiosidades da Copa do Mundo

O primeiro torneio foi disputado em 1930 no Uruguai. Os anfitriões foram os primeiros campeões mundiais. O Brasil ganhou as Copas de 1958 na Suécia, 1962 no Chile, 1970 no México, 1994 nos Estados Unidos e 2002 na Coreia do Sul e Japão. Conheça mais sobre as curiosidades das Copas do Mundo.

Recordes da Copa do Mundo - Gols:
• Primeiro Gol: Lucien Laurent (França) ao 19 minutos do primeiro tempo do jogo França 4 x 1 México em 13 de Julho de 1930.
• Gol mais rápido: 11 segundos. Hakan Sukur (Turquia) no jogo Coreia do Sul 2 x 3 Turquia (disputa do terceiro lugar em 2002)
• Gol mais rápido de um reserva: 16 segundos. Ebbe Sand (Dinamarca) no jogo Nigéria 1 x 4 Dinamarca em 28 de junho de 1998 - oitavas-de-final da Copa de 1998)
• Jogo com mais gols: 12 - Áustria 7 x 5 Suíça (1954)
• Maiores goleadas: Hungria 10 x 1 El Salvador (1982), Hungria 9 x 0 Coreia do Sul (1954), Iugoslávia 9 x 0 Zaire (1974)
• Maior goleada nas eliminatórias: Austrália 31 x 0 Samoa Americana (2001)
• Lista dos Gols mais rápidos: Hakan Sukur (Turquia) - 11 segundos (Turquia x Coreia do Sul - 2002) | Vaclav Masek (Tchecoslováquia) - 15 segundos (Tchecoslováquia x México - 1962) | Park Soong-Jin (Coreia do Norte) - 23 segundos (Coreia do Norte x Portugal - 1966) | Ernst Lehner (Alemanha) - 24 segundos (Alemanha x Áustria - 1934) | Bryan Robson (Inglaterra) - 27 segundos (Inglaterra x França - 1982) | Bernard Lacombe (França) - 37 segundos (França x Itália - 1978)

Recordes da Copa do Mundo - Jogadores:
• Jogador com mais Copas: cinco Copas - Antonio Carbajal - México (1950, 1954, 1958, 1962 e 1966) e Lothar Matthäus - Alemanha Ocidental (1982, 1986 e 1990) e Alemanha (1994 e 1998).
• Jogador com mais jogos: Lothar Matthäus - Alemanha Ocidental e Alemanha - 25 jogos.
• Jogador com mais minutos jogados: Paolo Maldini - Italy - 2.220 minutos (1990, 1994, 1998 e 2002).
• Jogador com mais finais: Cafu - 3 finais (1994, 1998 e 2002).
• Jogador mais jovem numa final de Copa do Mundo: Pelé - Brasil - 17 anos e 249 dias (1958).
• Jogador mais jovem em Copas: Norman Whiteside - Irlanda do Norte - 17 anos e 42 dias (1982).
• Jogador mais jovem nas Eliminatórias: Souleymane Mamam (Togo) - 13 anos e 310 dias - Togo x Zâmbia - 6 de maio de 2001.
• Jogador mais idoso nuna final de Copa do Mundo: Dino Zoff (Itália), 40 anos e 133 dias (1982).
• Jogador mais idoso em Copas: Roger Milla - Camarões - 43 anos e 39 dias (1994).
• Jogador mais idoso nas Eliminatórias: MacDonald Taylor - Ilhas Virgens Americanas - 46 anos e 180 dias - Ilhas Virgens Americanas x São Kitts e Nevis - 18 de fevereiro de 2004.
• Maior diferança de idades numa final de Copa do Mundo: 22 anos e 5 dias entre Dino Zoff (40 anos) e Giuseppe Bergomi (18 anos) da Itália em 1982.
• Maior diferança de idades em Copas: 24 anos e 3 dias entre Roger Milla (42 anos) e Rigobert Song (17 anos) do Camarões em 1994.

Recordes da Copa do Mundo - Artilheiros:
• Jogador com mais gols em Copas: Ronaldo - Brasil - 15 gols (1998, 2002 e 2006).
• Jogador com mais gols numa única Copa: Just Fontaine - França - 13 gols (1958).
• Jogador com mais gols num único jogo de Copas: Oleg Salenko - Rússia - 5 gols no jogo Rússia 6 x 1 Camarões (1994).
• Jogador mais jovem a marcar gol em Copas: Pelé - Brasil - 17 anos e 239 dias no jogo Brasil 1 x 0 Gales (1958)
• Jogador mais idoso a marcar gol em Copas: Roger Milla - Camarões - 42 anos e 39 dias no jogo Rússia 6 x 1 Camarões (1994).


Recordes da Copa do Mundo - Público:
• Maior público em Copas do Mundo: 174.000 no jogo Uruguai 2 x 1 Brasil em 16 de julho de 1950 - Estádio do Maracanã - Rio de Janeiro.
• Maior público em Eliminatórias: 162.764 no jogo Brasil x Colômbia em 9 de março de 1977 - Estádio do Maracanã - Rio de Janeiro.



Recordes da Copa do Mundo - Cartões:
• Cartão amarelo mais rápido: Sergei Gorlukovich (Rússia) no jogo Suécia x Rússia (1994) e Giampiero Marini (Itália) no jogo Itália x Polônia (1982) - 1 minuto.
• Cartão vermelho mais rápido: José Batista (Uruguai) no jogo Escócia x Uruguai (1986).

Países sede da Copa do Mundo de futebol (1930-2014)
2 vezes
Brasil - 1950 e 2014
Alemanha - 1974 e 2006
França - 1938 e 1998
Itália - 1934 e 1990
México - 1970 e 1986

1 vez
Uruguai - 1930
Suíça - 1954
Suécia - 1958
Chile - 1962
Inglaterra - 1966
Argentina - 1978
Espanha - 1982
Estados Unidos - 1994
Coreia do Sul - 2002*
Japão - 2002*
África do Sul - 2010

* Sede dividida entre os dois países.

Continentes sede da Copa do Mundo de futebol (1930-2014)
10 vezes
Europa - 1934, 1938, 1954, 1958, 1966, 1974, 1982, 1990, 1998 e 2006

5 vezes
América do Sul - 1930, 1950, 1962, 1978 e 2014

3 vezes
América do Norte - 1970, 1986 e 1994

1 vez
Ásia - 2002
África - 2010

Guerra e futebol


Os esportes são parte importante da vida cotidiana na sociedade moderna.  Mobilizando milhões por todo mundo – praticando, assistindo, trabalhando, torcendo e, principalmente, consumindo –, o esporte se faz presente em diversas esferas da vida social. Dentro deste quadro de presença dos esportes na sociedade moderna, é indubitável que o futebol ocupa uma posição de destaque.  Nenhuma outra prática da cultura popular envolve a tantos e desperta tamanho interesse e paixão. 

Tal é a força de identificação nacional do futebol, que este esporte já foi até mesmo considerado o estopim de uma guerra entre El Salvador e Honduras, conhecida como a Guerra do Futebol. Na realidade, entre as verdadeiras causas da guerra está uma antiga disputa em relação à imigração de salvadorenhos para Honduras, a posição privilegiada de El Salvador no Mercado Comum Centro Americano (MCCA) e principalmente por uma reforma agrária hondurenha no início de 1969, que serviria de pretexto para a expulsão de salvadorenhos das terras do país e visava redistribuir suas terras a cidadãos hondurenhos.
   
Em Junho de 1969, na mesma época em que o numero de salvadorenhos fugidos de Honduras aumentava, El Salvador e Honduras disputaram uma vaga nas eliminatórias para a Copa do mundo do México, em 1970. Os meios de comunicação de massa de cada país aumentavam as já existentes tensões, encorajando o ódio entre os cidadãos dos países vizinhos. Em 6 de junho de 1969, a equipe de El Salvador vai a Tegucigalpa, capital hondurenha, para a primeira das duas partidas agendadas entre as seleções. Sofrendo uma enorme pressão da torcida local desde a noite anterior ao jogo, os salvadorenhos não conseguiram segurar o empate e acabaram cedendo a vitória à seleção de Honduras nos últimos minutos do jogo. Honduras 1 a 0.
   
A indignação da população em El Salvador com o resultado da partida – e principalmente com o tratamento dispensado a seus atletas – foi enorme. Gilberto Agostino (2002) cita o caso da adolescente Amélia Bolamos que “revoltada com o tratamento dispensado à sua seleção, [...] matou-se com o revólver do pai logo após o jogo” (p. 192). E logo depois fala de seu funeral, que “marcado por rompantes de nacionalismo e ódio, [...] foi televisionado, sendo acompanhado por um cortejo militar, tornando ainda mais tensa a expectativa da partida de volta” (p. 192).
   
Com tanta tensão envolvendo o confronto de volta em São Salvador, não é de se estranhar que o embate em campo tenha se desdobrado para as ruas da capital. A torcida salvadorenha recebeu os rivais com ainda mais ódio do que sua equipe havia recebido em Honduras, tanto que os visitantes tiveram que se dirigir ao estádio em um veículo blindado (Agostinho, 2002, p. 192). Momentos antes da partida, uma bandeira de Honduras foi queimada e seu hino desrespeitado. Após a vitória por 3 a 0 da seleção local – que levaria a um novo confronto em campo neutro –, a violência tomou conta das ruas. Dezenas de torcedores hondurenhos foram agredidos e até mesmo mortos.

Neste mesmo período, a milícia paramilitar hondurenha “Mancha Brava” foi acusada de cometer atrocidades contra salvadorenhos, o que levou ao aumento do número de emigrantes a retornar à El Salvador. Assim, em 25 de junho, dois dias antes da partida de desempate entre os dois escretes, o governo de El Salvador acusou os hondurenhos de genocídio na ONU (Sack e Suster, 2000, p. 306; Agostino, 2002, p. 193). Os dois países fecharam as fronteiras e mobilizaram as suas tropas, enquanto as duas seleções se encontravam no estádio Asteca, na cidade do México, para o jogo de desempate. Após empate de 2 a 2 no tempo regulamentar, o time de El Salvador garantiu sua vaga na Copa do Mundo com um gol na prorrogação. El Salvador havia vencido o primeiro embate.

Em 14 de julho o exército de El Salvador invadiu Honduras, iniciando uma guerra que durou cinco dias. A Organização dos Estados Americanos (OEA) negociou o cessar fogo que entrou em vigor em 20 de julho, e levou as tropas salvadorenhas a abandonar o território ocupado ainda no início de Agosto. Apesar de curta, a guerra deixou aproximadamente dois mil mortos, a maioria composta por civis. No ano seguinte El Salvador disputou a Copa do Mundo, no México, e não passou da primeira etapa, tendo disputado três partidas, sofrendo nove gols e não marcando nenhum.

É de comum entendimento que o futebol não foi o elemento causador da guerra entre Honduras e El Salvador. No entanto, pode-se inquirir quanto ao papel desempenhado pelo esporte na exarcebação das relações entre os dois países. Incitadas pela mídia através dos meios de comunicação de massa, as tensões que já projetavam as duas nações em direção ao conflito foram inflamadas pela idolatria ao esporte. Neste caso, pode-se entender melhor o papel desempenhado pelo futebol através de seu caráter simbólico. Como notou Eric Hobsbawn (2004),
o esporte internacional tornou-se [...] uma expressão de luta nacional, com esportistas representando seus Estados ou nações, expressões fundamentais de suas comunidades imaginadas. [...] A imaginária comunidade de milhões parece mais real na forma de um time de onze pessoas com um nome. (p. 171).

A força do futebol como um fator de identificação de um indivíduo com sua pátria pode ser vista com facilidade em grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo de futebol masculino da FIFA. A cada quatro anos, o país anfitrião do evento – um dos maiores eventos internacionais da atualidade, ao lado dos Jogos Olímpicos – recebe milhares de pessoas de diversas partes do mundo. As ruas tornam-se coloridas com torcedores vestindo as cores de seu país, agitando suas bandeiras e cantando hinos e canções. Tal festival de nacionalismos é único. Nem mesmo os jogos olímpicos causam tamanha mobilização e despertam uma paixão tão grande entre o indivíduo e seu país. Mais do que qualquer outro esporte, o futebol carrega consigo grande capital simbólico de representação da nação.
É justamente este caráter simbólico do futebol que permite que este esporte desperte tamanha comoção entre movimentos nacionalistas, separatistas ou não, principalmente na Europa. Estes movimentos regionais que buscam a autonomia política costumam ver no esporte – e em especial no futebol – um meio de legitimação de suas aspirações nacionais. 

O assassinato de Júlio César


Três escravos se esgueiraram para dentro do Senado vazio e correram em direção ao corpo ensanguentado, caído perto da estátua de Pompeu. Mais tarde, os ferimentos seriam contados: 23 golpes de adaga. Os assassinos de Caio Júlio César não estavam mais ali. Planejaram transformar a morte num grande ato de propaganda política, mas não contavam com o medo e a revolta do povo comum de Roma, quase todo formado por adeptos do ditador. Os responsáveis pelo atentado, portanto, tiveram de se esconder, entrincheirados na colina do Capitólio. Matar César tinha sido ridiculamente fácil; assassinar o que ele significava para Roma era bem mais complicado. A morte do homem mais poderoso do Império Romano teve pouco a ver com as cenas criadas por poetas como William Shakespeare, mas tem todos os elementos de uma grande tragédia, com cenas de intriga, maquiavelismo, traição e, a julgar pelo que dizem os escritores da Antiguidade, até avisos proféticos que foram ignorados. O famigerado Bruto pode não ter sido filho de César, como reza a lenda, mas ele e seus comparsas tinham em comum a decisão de eliminar o homem que tinha sido seu benfeitor. E os efeitos colaterais do plano foram ainda piores: anos de guerra civil, um império que quase se esfacelou e o fim das ambições políticas para a classe representada pelos assassinos. Se a personalidade e os instintos políticos de César fossem ligeiramente diferentes, ele jamais teria tombado no Senado. Afinal, a tradição das longas guerras civis que tinham assolado Roma ao longo dos séculos 2 a.C. e 1 a.C. era clara: se quiser governar tranquilo, não deixe seus inimigos vivos. Essa foi a regra durante as décadas de conflito entre Optimates, a facção que defendia a supremacia dos aristocratas romanos, e Populares, os quais, como o nome diz, queriam fazer concessões ao povo romano (embora seus líderes fossem homens da nobreza). César era um expoente dos Populares, o que levou o aristocrático Senado a tentar eliminá-lo logo depois que ele retornou da Gália (atual França), depois de oito anos de batalhas, como general vitorioso no ano 49 a.C. Não deu muito certo, para dizer o mínimo. As forças senatoriais, lideradas por Pompeu Magno, ex-aliado de César, foram esmagadas em batalhas na Espanha e na Grécia. Com as legiões de todo o Império sob seu comando, César podia fazer o que quisesse, mas preferiu deixar de lado as guerras civis e perdoar a todos que se rendessem sem luta. "A chamada clementia [ancestral de ‘clemência’ em português] se tornou a marca política de César, e uma grande arma de propaganda", afirma o historiador Pedro Paulo Funari, da Unicamp. Em muitos casos, a clementia de César envolvia até a promoção de antigos inimigos. Dois dos mais mimados pelo novo senhor de Roma foram os líderes da conspiração que acabaria por matá-lo: Caio Cássio Longino e Marcos Júnio Bruto, sendo que ambos haviam recebido cargos e honrarias.

Oficialmente, Roma era uma república, mas na prática o poder absoluto estava nas mãos de César. Em épocas de crise, Roma tinha sido governada pelos chamados ditadores, que ganhavam poderes amplos durante um período de no máximo seis meses; em 45 a.C., o Senado deu ao general o título de senador vitalício, um ano depois de conferir o cargo a ele por dez anos - dois fenômenos sem precedentes na história republicana. Com essas manobras, sem falar de outras honras dadas a ele pelo Senado, como o título de Pater Patriae (Pai da Pátria), parecia que César tinha amansado de vez os Optimates e trazido os antigos inimigos para o seu lado. Mas a situação real era bem mais complicada.

O ovo da serpente

A propaganda política dos conspiradores tentou pintar o atentado contra César não como homicídio, mas como tiranicídio - um ato destinado a restaurar as "antigas liberdades" da Roma republicana destronando um déspota. Outros historiadores, como o americano Michael Parenti, em seu livro O Assassinato de Júlio César, argumentam que a decisão de eliminar o general foi só mais um round na velha briga entre Optimates e Populares. Afinal, César tomou medidas que desagradaram a antiga aristocracia, como a distribuição de terras para veteranos de guerra e a concessão de cidadania romana a povos das províncias do Império. Ele ainda aumentou o número de membros do Senado de 600 para 900, incluindo até alguns moradores da Gália na conta, o que certamente ameaçava a supremacia dos nobres romanos. No entanto, para Isabelle Pafford, doutora em História Antiga e Arqueologia do Mediterrâneo pela Universidade da Califórnia em Berkeley, a motivação dos conspirados pode ter sido bem mais simples. "Creio que as razões da conspiração eram mais pessoais que políticas, porque os responsáveis nem chegaram a ter um plano sobre o que fazer depois. Eles estavam pensando na sua própria carreira, não na ‘república’ ou na estabilidade política dela", diz Isabelle. Trocando em miúdos: Bruto, Cássio e companhia perceberam que estavam destinados a ser, no máximo, joguetes bem pagos de César - e não gostaram nem um pouco da ideia.

Segundo o historiador italiano Luciano Canfora, pesquisador da Universidade de Bari e autor de Júlio César - O Ditador Democrático, a ideia de eliminar o ditador já estava circulando desde 45 a.C. - no início entre antigos oficiais do próprio César, descontentes com o fato de não terem sido promovidos como desejavam. Membro do círculo de César havia tempo, apesar do seu passado entre os Optimates, Cássio conseguiu se aproximar dessa facção descontente e começou a articular um plano que, no fim das contas, agregaria cerca de 60 senadores, todos membros da velha elite. "Uma estratégia que examinaram foi aguardar as eleições consulares, durante as quais César ficaria em pé na ponte de madeira usada pelos eleitores a caminho da votação", escreve Michael Parenti. "Alguns conspiradores o empurrariam sobre o parapeito, enquanto outros estariam esperando embaixo, com as adagas desembainhadas." O plano não foi adiante por ser considerado muito arriscado, e os conspiradores decidiram que o melhor caminho era atacar durante uma cerimônia mais reservada. Antes disso, porém, Cássio queria conseguir o apoio de uma figura considerada chave: seu cunhado, Marcos Bruto. Eles andavam brigados - numa crise de ciumeira, o primeiro tentou impedir que o segundo assumisse um cargo cobiçado pouco tempo antes -, "mas Cássio sabia exatamente como convencer Bruto a agir", diz Luciano Canfora. Acontece que um dos ancestrais do senador, Lúcio Júnio Bruto, era famoso nas lendas romanas por ter expulsado da cidade seu último rei, Tarquínio, em 509 a.C.

O significado simbólico era óbvio: o descendente do homem que acabou com a monarquia em Roma estava "destinado" a eliminar o "tirano" e "rei ilegítimo" Júlio César. Em segredo, Cássio espalhou grafites e panfletos pela cidade, com frases como "Bruto, estás dormindo?" ou "Tu não és realmente Bruto", na tentativa de mexer com os brios do cunhado e envolvê-lo nessa mística. "Dos outros pretores [cargo ocupado por Bruto] esperam-se privilégios, espetáculos, mas de ti a abolição da tirania", disse Cássio, segundo o historiador grego Plutarco. E Bruto mordeu a isca.

Embora tivesse lutado ao lado de Pompeu e contra César, Bruto foi perdoado e recebeu do vencedor o governo da Gália Cisalpina (atual norte da Itália) e uma importante posição entre os sacerdotes de Roma. A generosidade exuberante do ditador talvez se deva a uma mãozinha de Servília, mãe de Bruto, amante de César e, segundo alguns escritores antigos, grande amor da vida do general. Mas daí a propor que Bruto era, na verdade, o filho bastardo de César vai uma distância considerável. "Isso é improvável, de acordo com a maioria dos especialistas, por causa da data de nascimento de Bruto", diz Isabelle. Quando seu futuro assassino veio ao mundo, César tinha apenas 15 anos. "A relação entre os dois era próxima, mas nada anormal dentro da sociedade romana", afirma ela.

Sinais e sangue

A data marcada para o ataque dos conspiradores era a dos Idos de Março de 44 a.C. (título dado ao dia 15 desse mês). O combinado era aproveitar a presença de César no Senado para a cartada decisiva. Segundo os autores que abordaram o caso na Antiguidade, não faltaram avisos e sinais dos deuses para o ditador. Primeiro foi um jantar na casa de um amigo na noite anterior ao atentado. Após a comida, a conversa acabou se voltando para qual seria a melhor maneira de morrer ("inesperada e rápida", teria dito César). Depois foi o pesadelo de Calpúrnia, mulher do general, que sonhou que o marido era assassinado em seus braços e implorou para que ele não fosse ao Senado. César também sonhou que voava e apertava a mão do deus Júpiter. César quase cedeu a Calpúrnia, mas um dos traidores, Décimo Bruto (parente distante do outro Bruto), conseguiu convencer o ditador a ir até o Senado mesmo assim. De acordo com Plutarco, o erudito grego Artemidoro de Cnido, que frequentava a casa de Bruto, teria tentado alertar César da conspiração por meio de um bilhete, já bem perto do Senado, mas César deixou para ler a mensagem depois da audiência. Os historiadores antigos concordam a respeito dos detalhes essenciais do ataque. Os assassinos esperaram que César se aproximasse de sua cadeira e o rodearam, supostamente para apoiar uma petição feita por Tílio Cimbro, que queria trazer seu irmão de volta do exílio. César pediu que ele esperasse um pouco e Cimbro puxou a barra da toga do ditador - o sinal para o ataque. César teria dito "Ora, isso é uma violência", enquanto outro senador, Casca, dava o primeiro golpe de adaga. César reagiu pela primeira e única vez, gritando "Casca, seu canalha, o que está fazendo?" e acertando o atacante com um pedaço de metal pontudo, usado para escrever. A essa altura os golpes se multiplicavam. De acordo com o historiador romano Suetônio, "quando, porém, percebeu que de todos os lados lhe vinham em cima com punhais em riste, envolveu a cabeça com a toga e com a mão esquerda puxou a extremidade dela até os pés para tombar decorosamente [sem mostrar os genitais]".

Até tu, Brutus?

Resta ainda um enigma, que deixava até alguns historiadores antigos céticos: a suposta frase "Tu também, meu filho?", dita quando César viu Bruto entre os assassinos. Primeiro, ela teria sido pronunciada em grego, língua na qual ela é ambígua. Kai su, têknon também pode querer dizer "você também, menino/moleque". "Minha impressão é que, ao colocar a frase em grego, os escritores antigos querem dar a impressão de que César está citando alguma tragédia. Ou seja, estão colocando palavras na boca dele, num contexto literário. Ia ser muito difícil ouvi-lo no meio daquela confusão toda", afirma Isabella, que se diz cética a respeito de todos os detalhes do episódio. Reza a lenda que, depois da morte do ditador, Bruto tentou fazer um discurso para os Liberatores (como os assassinos se denominavam), mas eles e os demais senadores acabaram fugindo da cena do crime. Com a fria reação popular ao fim de César, os Liberatores se viram num dilema e acabaram se sentando à mesa de negociação com Antônio. Afinal, se César tinha mesmo sido um tirano, nenhuma de suas decisões era válida - inclusive as nomeações de vários dos assassinos para cargos importantes e rentáveis. As conversas acabaram terminando no que parecia uma monumental pizza: César não seria oficialmente declarado tirano, e portanto poderia receber funerais dignos, e os Liberatores não seriam declarados assassinos, mantendo assim o cargo e a posição social. Plano digno de outro Senado que todos conhecemos, sem dúvida, se não fosse pela malandragem e pelo poder oratório de Antônio. Nos funerais, ele exibiu uma imagem de cera, em que se viam os ferimentos sofridos por César, e fez um elogio fúnebre com tamanha paixão que o povo de Roma, revoltado, jurou vingança contra os Liberatores. Mesmo anistiados, Cássio e Bruto decidiram fugir para as províncias romanas do Oriente. Lá, a dupla de conspiradores reuniu soldados para tentar conquistar todo o Império Romano, mas era mais fácil matar César que imitá-lo. Uma aliança entre Marco Antônio, Marco Emílio Lépido (outro general de César) e o herdeiro e sobrinho-neto do ditador, Otaviano, esmagou as forças de Bruto e Cássio em Filipos, na Macedônia. A dupla cometeu suicídio (ou, para ser mais exato, Bruto se matou e Cássio mandou que um de seus ex-escravos o matasse). Ainda não era o fim das grandes guerras civis romanas - nas décadas seguintes, Otaviano derrotaria Antônio e viraria Augusto, o primeiroimperador. Mas, sem dúvida alguma, era o fim das chances de poder para sujeitos como Cássio, Bruto, Casca e os demais senadores, que se diziam Liberatores


E se César tivesse escapado?
O tirano teria se tornado imperador ou morrido em batalhas


Imagine uma realidade alternativa na qual César, um pouquinho mais preocupado com a própria segurança, só faz suas poucas e imponentes aparições públicas rodeado por uma guarda de gauleses brutamontes, muito bem pagos e leais apenas ao ditador. À primeira vista, o resultado dessa política mais cautelosa parece óbvio: Roma teria seu primeiro imperador uns 20 anos antes do que realmente acabou acontecendo (com a subida ao poder de Augusto, sobrinho-neto e herdeiro de César). De resto, tudo teria caminhado mais ou menos do mesmo jeito que no nosso mundo. Ou não? "A ascensão do Principado [o governo absoluto de Augusto] certamente parece inevitável a partir da nossa perspectiva, mas deveríamos ser mais humildes ao tentar prever o que aconteceria. Para começar, se a tentativa de assassinato não tivesse acontecido, César teria partido para outra campanha militar", diz Isabelle Pafford, referindo-se ao plano do ditador de atacar o Império da Pártia, que então dominava vastas regiões na Mesopotâmia e na Pérsia. Acontece que as legiões romanas já tinham levado sovas consideráveis na Pártia, o que significa que César podia muito bem acabar morrendo em batalha. "Nesse caso, o Império Romano teria se fraturado, com a própria Roma entrando em declínio", diz ela. "Com Júlio César vivo, os rumos do Império aparentemente seriam muito diversos do que foram. Ele teria tudo para antecipar as tendências centralizadoras e para implantar um culto imperial [no qual o governante era adorado como deus] ainda mais robusto. O Senado teria menos poder simbólico do que teve com Augusto", afirma Pedro Paulo Funari. Pode até ser que Marco Antônio fosse nomeado como sucessor. Assim, diz o historiador, Roma ficaria cada vez mais voltada para o Oriente, onde esses modelos de governo eram mais conhecidos e bem aceitos. "Haveria movimentos messiânicos na Palestina, como o de Jesus? Haveria a destruição de Jerusalém em 70 d.C.? Não se sabe", diz Funari, levando em conta que a relação de César com a população judaica da Palestina e do resto do Império era bastante pacífica.

Política na faca
Assassinatos políticos já eram praxe séculos antes de César tombar no Senado

Israel, 840 a.C.

Jeú, general do exército, conspirou contra o rei Jorão, matou-o com uma flechada no coração e aproveitou para liquidar a rainha-mãe Jezebel, junto com outros 70 membros da família real. Jeú tornou-se rei.

Grécia, século 6 a.C.

Dois jovens amantes atenienses, Harmôdio e Aristogeiton, tentaram despachar os irmãos Hípias e Hiparco, que mandavam em Atenas, ocupando a posição de tiranos. Hiparco morreu, Hípias escapou e os conspiradores foram mortos.

Pérsia, século 6 a.C.

Parente distante dos reis da Pérsia e oficial do exército, Dario alegou que o soberano do momento na verdade era um impostor e, com ajuda de outros nobres do império, invadiu o palácio real e o matou com suas próprias mãos, tornando-se imperador.

Macedônia, 336 a.C.

Alexandre, o Grande, ganhou o trono graças à morte violenta de seu pai, Filipe II, atacado por um membro de sua guarda pessoal (e seu ex-amante). Acredita-se que o assassinato tenha sido orquestrado pela mãe de Alexandre.

Os suspeitos

Caio Cássio Longino

General com experiência nas guerras romanas no Oriente, estudou filosofia na Grécia e se aliou a Pompeu, líder da facção aristocrática inimiga de César, quando estourou o conflito civil em Roma. Quando Pompeu foi derrotado, Cássio recebeu o perdão oficial de César e o cargo de pretor, mas não ficou nem um pouco satisfeito.

Marcos Júnio Bruto

Descendia de um ancestral famoso e semilendário que, segundo a tradição, fora responsável por expulsar Tarquínio,o último rei de Roma. Sua mãe, Servília, era amante de César. Como Cássio, seu cunhado, ele acabou se aliando a Pompeu durante a guerra civil, sendo perdoado assim que se rendeu.

Décimo Júnio Bruto Albino

Parente distante do outro Bruto e do próprio César, era um almirante de mão cheia, que ajudou o ditador a vencer batalhas navais durante a conquista da Gália e na guerra civil. Com reputação acima de qualquer suspeita, os conspiradores trataram de recrutá-lo, junto com outros membros do círculo de César que andavam descontentes.

Públio Servílio Casca

Casca e seu irmão, Caio, eram senadores membros de uma família leal a César, mas tudo indica que a falta de perspectivas políticas para o Senado com o poder cada vez mais absoluto do ditador os levou a se juntar aos conspiradores. Públio Casca, segundo os autores antigos, foi o primeiro senador a ferir César com sua adaga.

Marco Túlio Cícero

Excelente orador, escritor e filósofo, foi o grande articulador do partido aristocrático, os Optimates, pouco antes da guerra civil e durante o conflito. Aceitou o domínio de César e fez os senadores jurarem defender a vida do ditador. Mas não deixava de queimar o filme de César. Não participou diretamente do atentado.

Fonte:http://historia.abril.com.br/gente/assassinato-julio-cesar-506898.shtml