Nem cavalo (era uma mula), nem uniforme de gala (vestia roupa simples de viagem), nem um gritinho (muito menos um 'brado retumbante'). E foi no alto da colina - e não às margens do Ribeirão Ipiranga - que D. Pedro emitiu um desabafo declarando a independência do Brasil. Junto a ele, apenas dois mensageiros e os quatro cavaleiros que faziam "paredinha" enquanto mais uma vez se aliviava de uma diarréia fecunda causada pelas costelinhas de porco que comera na noite anterior em Santos, na casa dos Andradas. O Príncipe Regente fora medicado ainda no litoral, com uma mistura de água, farinha de mandioca e açúcar, mas a beberagem pouco adiantou. Durante a subida da serra pela íngreme Calçada do Lorena, em direção a São Paulo, debaixo de muita chuva, foram necessárias várias paradas para o jovem "obrar". Próximo ao destino, mandou que a comitiva o aguardasse adiante pois precisava novamente defecar. Foi para o alto do morro do Ipiranga, a mais de um quilômetro das "margens do Ipiranga" e estava de calças arriadas quando os mensageiros chegaram. Debilitado, sujo de fezes e de lama, leu as notícias, subiu as calças e disse aos acompanhantes que bastava, agora era ir contra Portugal ou morrer (primeira declaração). Foi então em direção à comitiva, que o aguardava no meio da encosta (ainda bem distante do ribeirão), e lhe comunicou formalmente a sua decisão, mandando que tirasse as fitas com as cores de Portugal que trazia em seus uniformes (segunda declaração). Não houve nenhum grito (só se foi pela dor de barriga) e nem as margens do Ipiranga ouviram nada, porque estavam longe. Isto não diminui a bravura de D. Pedro ao nos desvencilhar de Portugal, embora se saiba hoje que a nossa independência se deu muito mais por interferência velada de Dona Leopoldina que propriamente pelo esforço de seu marido, mas isso é outra história. D. Pedro I herdou de D. João a fraqueza gastrointestinal. Nas cartas que enviou à sua amante, Marquesa de Santos, cita por várias vezes seu problema. Numa de dezembro de 1827, ele conta: "Cheguei a casa, tomei a tisana (remédio) e obrei até agora cinco vezes e muito". Noutra carta, ele diz: "Eu não passei muito bem... depois obrei e agora estou perfeitamente bom...". Mas nem todas as cartas dele eram assim. Numa delas, de julho de 1826, dedicou um poema malicioso à amante: "Este lindo passarinho canta, brinca, pica e fura, mas quando torna a repicar, é mais doce a picadura." A Marquesa de Santos recebia notícias dos problemas coprológicos até das filhas do Imperador. Numa carta de setembro de 1827, ele relatava que a filha de ambos, Duquesa de Goiás, "tomou um purgante de óleo de mamona, com que obrou três vezes e deitou uma lombriga". Talvez receoso de que estivesse passando dos limites com assuntos tão grosseiros, D. Pedro se desculpou com a Marquesa, alegando numa correspondência de dezembro de 1827 que nele "a fruta é fina, posto que a casca seja grossa". Daí vem a expressão "casca grossa" para se referir a uma pessoa com pouca educação ou refinamento. Uma curiosidade é a famosa tela de Pedro Américo retratando a cena do Ipiranga, pois hoje sabe-se que quase tudo nela representado é falso e que se constitui num plágio sem-vergonha da pintura "1807, Friedland" de Ernest Meissonier. Pedro Américo já tinha sido acusado anos antes de ter copiado a "Batalha de Montebelo", de Appiani, para fazer a sua "Batalha de Avaí".
Veja no link abaixo como as telas do Ipiranga e de Friedland são muito semelhantes: http://www.constelar.com.br/revista/edicao46/urano5telas.htmEmbora menos espetacular, existe uma obra que retrata fielmente a cena do Ipiranga e que não é muito badalada: a tela de François-René Moreaux, intitulada "Proclamação da Independência", pintada em 1844, que está no Museu Imperial, em Petrópolis.