quarta-feira, 29 de maio de 2013

FILMES RECOMENDADOS PARA ESTUDO DE HISTÓRIA DO BRASIL







Como uma guerra civil mudou os caminhos do Império Romano


A guerra civil que levou Júlio César ao poder abalou a República e marcou o início de uma nova era

O Rubicão é um pequeno rio de águas vermelhas (seu nome vem de rubi). Tem 80 km, nasce nos Montes Apeninos e deságua no Mar Adriático. O direito romano estabeleceu que ele marcava o limite em que os generais poderiam chegar com suas tropas – a fronteira entre a Gália Cisalpina e a Itália. Os 250 km de distância até Roma tinham de ser percorridos sem as legiões. Era uma forma de proteger o Senado e a República de um golpe de força. Nas primeiras horas do dia 11 de janeiro de 49 a.C., o grande general Júlio César, conquistador da Gália, estava ao norte do Rubicão. Sabia que atravessá-lo seria uma declaração de guerra. Que o Senado romano o trataria como inimigo público.

Cercado por um pequeno grupo de colaboradores, César hesitou. De acordo com o historiador Plutarco, ele estava “muito perturbado com a grandeza e a audácia de seu empreendimento”. Discutiu com seus conselheiros, pesou os prós e os contras. “Ainda há tempo de voltar atrás”, disse ao amigo Asínio Polião. De repente, narra outro historiador romano, Suetônio, um homem alto e bonito apareceu, sentado a pouca distância do grupo, e começou a tocar sua flauta. Logo, soldados e pastores o cercaram. O homem, então, tomou a trombeta de um dos soldados e a tocou forte, alto, enquanto caminhava até o outro lado da ponte. César convocou seu grupo e explicou o que tinham testemunhado. “Vamos para onde nos chamam a voz dos deuses e a injustiça de nossos inimigos”, disse ele, segundo Suetônio, e, em um gesto que Plutarco classificou como “um abandono dos conselhos da razão”, cruzaram o Rubicão. Para resumir, a frase do general que entrou para a história: Alea jacta est (“a sorte está lançada” ou “os dados estão lançados”). Foi o primeiro ato da guerra civil que mudou o destino do maior império do planeta na época, jogado em uma batalha que se espalhou pelo Mediterrâneo, da Espanha ao Egito – e mudou a face do mundo ocidental.

Amor e ódio
Do outro lado do Rubicão, Júlio César enfrentaria o popular general Cneu Pompeu. A vida dos dois próceres de Roma era uma relação literal de amor e ódio. Pompeu fora casado com a filha de César, Júlia, que morreu durante o parto do primeiro filho do casal. A criança também não sobreviveu. Dez anos antes, César e Pompeu juntaram-se ao homem mais rico de Roma, Marco Licínio Crasso, na formação de um triunvirato informal que pretendia dividir as possessões romanas. O erro de Crasso foi imaginar que seu dinheiro seria suficiente para equilibrar a balança de poder. “César e Pompeu eram vistos como os generais mais hábeis e mais ilustres, não apenas entre os romanos como também entre todos os homens de seu tempo”, escreveu sobre a dupla o historiador Díon Cássio. Pompeu era um general muito popular por causa da conquista da Hispânia, da guerra que moveu contra os piratas no Mediterrâneo e por acabar com a revolta do gladiador Espártaco.
César era adorado pela plebe e por seus soldados. O trio usou o poder em Roma em benefício próprio. César, que era o cônsul na ocasião, criou leis que ajudaram os negócios de Crasso e garantiram terras para os soldados de Pompeu – que, em troca, conseguiu apoio político para que César conquistasse e governasse a rica Gália. Mas Crasso morreu em campanha na Ásia, e as diferenças entre Pompeu, que defendia o Senado, e César, que o esnobava, começaram a crescer. Até que os políticos exigiram que o general deixasse suas tropas e voltasse para Roma. Cícero, o grande tribuno, inimigo de César, previu o risco que ameaçava as instituições republicanas. “Hoje, é a ambição de dois homens que põe tudo em perigo”, escreveu ao amigo Ático. “É da paz que precisamos. Sou dos que pensam que mais vale aceitar tudo o que César pede do que apelar às armas.” Era tarde demais.
“Se César se puser em marcha, basta que eu bata o pé no chão para encher de legiões a Itália”, disse Pompeu em pleno Senado. Era uma bravata. À medida que César avançava rumo à Roma com suas tropas, mais Pompeu se enchia de preocupação. “Bate então com o pé no chão”, zombou o senador Marco Favônio. O plano de Pompeu tinha alguma sensatez, mas mostrou-se infeliz. Ele pretendia ir para Brindisi, no Adriático, e de lá partir para Dirráquio, a atual cidade de Durrës, na Albânia, para organizar seus partidários na Grécia e na Ásia. Com ele, embarcaram 200 senadores. “A tática de Pompeu é uma das mais claras e das mais engenhosas: recrutar no Oriente numerosas tropas; fazer o bloqueio da Itália com sua frota, a fim de impedir o abastecimento da península e de Roma; provocar a fome; e apresentar-se como um salvador ao qual o conjunto dos romanos se aliariam”, escreveu Joël Schmidt em Júlio César. Não funcionou. O plano faria sentido numa guerra tradicional. Mas quem passaria fome se ele funcionasse seria seu próprio povo. Que, logicamente, começou a se bandear para o lado de César.
No dia 1º de abril de 49 a.C., Júlio César estava no Campo de Marte, nas aforas de Roma, para encontrar os poucos senadores que permaneceram na cidade. Era uma forma de mostrar que respeitava a legalidade, ao não entrar na capital com suas tropas. Ali mesmo foi aclamado pela população. Mandou seus aliados para a Sardenha, Sicília e África e partiu para a Península Ibérica, o território fiel a Pompeu. O temor de César era que, a partir da Hispânia, os inimigos levassem a rebelião à Gália, que ele pacificara pouco antes de a guerra civil eclodir. “Vou combater um exército sem general, para em seguida combater um general sem exército”, afirmou. Depois de um duro cerco à Marselha, César venceu a guerra na Hispânia e voltou para Roma em outubro.
Em Roma, César foi aclamado ditador – um cargo que existia para momentos de crise, com duração máxima de seis meses. “O que Júlio César pretendia era tornar-se rei, segundo nos dizem autores como Plutarco”, afirma Pedro Paulo Funari, professor da Unicamp e coordenador do Centro de Estudos Avançados da universidade. “Uma realeza seria algo muito diferente. O modelo romano seria outro, ao estilo de Alexandre, o Grande, e seus sucessores.”
Passados seis meses, César renunciou ao posto de ditador, mas conservou todas as suas prerrogativas – o Senado estava esfacelado e a administração pública de Roma funcionava precariamente por falta de gente. Enquanto isso, Pompeu, em Tessalônica, preparava suas tropas. “Sua frota podia ser considerada invencível, com 500 navios. Sua cavalaria era a flor de Roma e da Itália: sete mil cavaleiros”, escreveu Plutarco em Pompeu. “A guerra travou-se em locais tão distantes quanto a Espanha, o Egito e o norte da África, onde quer que o Senado encontrasse legiões e generais, com destaque para Pompeu, dispostos a resistir à rebelião de César”, registrou o historiador inglês John Keegan em Uma História da Guerra.
A despeito da grande frota de Pompeu, César cruzou o Adriático sem ser incomodado. Enfim, em abril de 48 a.C., os dois exércitos se enfrentaram. Os revoltosos cercaram as forças do Senado em Dirráquio, mas a batalha não teve vencedores. Os soldados de Pompeu, esfomeados, escaparam da cidade. Os dois lados cantaram vitória, mas o confronto decisivo ocorreria um mês depois, em Farsália. César tinha 22 mil legionários, 1,8 mil homens na cavalaria e cerca de 10 mil aliados. As forças de Pompeu contavam com 60 mil legionários e entre 5 mil e 8 mil homens na cavalaria. Apesar da desproporção, a vitória coube a César. Ele conteve e depois massacrou a cavalaria de Pompeu, que deveria ser o fator decisivo do combate. Depois, tratou de massacrar o inimigo. Metade das forças de Pompeu foi morta. E o velho general fugiu vestido em trajes civis. Daí em diante, a guerra se transformou em perseguição implacável. “César foi um grande estrategista. Basta dizer que lutou na Gália por oito anos, uma eternidade hoje, mas muito mais na Antiguidade, quando as pessoas morriam cedo”, afirma Funari. “Como general, ele arriscou muito mais a vida do que qualquer comandante atual”, diz o professor da Unicamp, chamando a atenção para o fato de César ser um líder popular entre os soldados por não temer nenhuma tarefa, mesmo as braçais.
Pompeu, sempre com as tropas de César em seu encalço, passou por Mitilene, na ilha grega de Lesbos, vagou pela Ásia Menor até chegar a Chipre, de onde embarcou para Alexandria. Ali, foi morto por seus próprios soldados, por ordem do rei Ptolomeu, que temia a fúria de César. A guerra prosseguiu por mais algum tempo, até que os filhos de Pompeu foram finalmente derrotados na Hispânia, na Batalha de Munda. Roma agora pertencia a César.
Populares e optimates
Os partidos na guerra civil romana
O último rei romano foi Tarquínio, o Soberbo, que morreu em 509 a.C. As famílias mais antigas da cidade fundaram então a República para evitar que novos tiranos pudessem governar Roma. O Senado era uma oligarquia conduzida por patrícios, que no século 2 a.C., com o crescimento de Roma, não conseguia mais dar conta do sectarismo da população. Havia uma complexa sociedade militar, novos povos que eram incorporados ao império e, principalmente, a plebe – a população que deixava o campo para ocupar a cidade, e que não parava de crescer. Com o tempo muitos plebeus tornaram-se ricos, especialmente por causa do comércio e do exército. E passaram a exigir participação nos rumos da política romana. Alguns patrícios, como os irmãos Tibério e Caio Graco, passaram a apoiar as demandas dos plebeus, especialmente a votação de leis agrárias. Foram considerados inimigos do povo e mortos por causa disso no final do século 2 a.C. Em 107 a.C., o general Caio Mário, tio de Júlio César, tornou-se líder dos populares, o partido da plebe, que se opunha aos optimates, que defendiam os patrícios. Ele foi o protagonista da primeira guerra civil, em oposição a Sila.
Sila invadiu Roma em 83 a.C. e eliminou todos os seus adversários. Mas a divisão entre populares e optimates, plebe e patrícios permaneceu no coração da cidade até a ascensão de César. “Ele fazia parte dos populares por razões familiares, bem antes das guerras civis”, afirma Pedro Paulo Funari, da Unicamp. Ainda assim, o projeto político de César ia além das divisões entre os dois partidos. Ele buscava seu próprio espaço: o poder absoluto. Até ser assassinado no Senado em 44 a.C., manteve o controle do poder romano. E sua morte, mais tarde vingada por Marco Antonio, foi mais uma pá de cal na República. O primeiro imperador romano, Caio Júlio César Augusto, que chegou ao poder em 27 a.C., era sobrinho-neto de César.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Graf Spee, o navio fantasma da marinha de Hitler


A 7 km da costa do Uruguai, no Rio da Prata, jaz o esqueleto do encouraçado Graf Spee - um dos orgulhos da marinha de Hitler, afundado não por torpedos inimigos, mas por ordem de seu capitão. Antes de encontrar seu destino nas profundezas, a embarcação protagonizou a última batalha naval à moda antiga da história: um duelo entre navios, baseado na habilidade e astúcia de seus comandantes, sem o uso de força aérea, submarinos ou radares. Isso aconteceu nos últimos meses de 1939. A Batalha do Rio da Prata foi o único combate da Segunda Guerra na América do Sul. A odisseia do Graf Spee encerrou uma era na história das guerras marítimas - meses mais tarde, novas tecnologias revolucionariam as batalhas navais, pondo fim aos duelos entre marujos.

O protagonista dessa história era um sujeito que parece saído das páginas de um romance de aventuras: o capitão Hans Langsdorff. Ele conduziu o Graf Spee em uma jornada secreta por dois oceanos. Descrito até por seus inimigos como um cavalheiro, era bem diferente da ideia que se tem de um oficial nazista: em vez de trucidar prisioneiros, preferia lhes oferecer charutos, bebidas e banhos de sol. Antes de afundar um navio, Langsdorff preferia apertar a mão do capitão adversário - e pedir desculpas, com a mais extrema e meticulosa cortesia. Seu navio foi ao mar dias antes do início da Segunda Guerra. Em 20 de agosto, o Graf Spee partiu de Wilhelmshaven, na Alemanha, com 1,2 mil homens, encarregado de uma missão secreta. O objetivo era estrangular as linhas de comércio da Inglaterra no Atlântico Sul. Para isso, devia afundar navios mercantes nos mares do Brasil, Uruguai e Argentina -evitando entrar em conflito com armadas inimigas. Ou seja: devia agir como um navio fantasma, aparecendo do nada e sumindo com idêntica rapidez - para ressurgir a várias milhas de distância.
Foto: Wikimedia Commons

O Graf Spee foi considerado o navio ideal para a tarefa. Segundo a propaganda alemã, era "mais forte que o mais veloz, mais veloz que o mais forte". O Bismarck, maior navio da armada de Hitler, tinha 250 m de comprimento. Com 185 m, o Graf Spee era o mais avançado e bem-equipado dos "encouraçados de bolso" (o apelido era referência a seu tamanho e agilidade). "Um navio assim podia alcançar uma velocidade de 28 nós (55 km/h), enquanto outros encouraçados não passavam dos 23 nós", escreveu o historiador uruguaio Federico Leicht em Graf Spee: de Wilhelmshaven al Río de la Plata (sem tradução). "Os encouraçados de bolso foram os primeiros a usar diesel como combustível e navegavam mais de 8 mil milhas marítimas sem abastecer - três vezes mais do que um encouraçado comum."

O maior trunfo, porém, eram as táticas de pirataria de seu capitão. Carregado com latas de tinta, para pintar e repintar o casco, o navio trocava de cor ou de nome - em alto-mar. As torres com canhões eram cobertas por lonas - e Langsdorff mandou instalar, nos mastros, sinalizadores utilizados por navios mercantes. Isso permitia que o Graf Spee se aproximasse dos inimigos quase incógnito - mostrando as garras quando a armadilha já estava fechada.

Nas sombras, o navio fantasma alemão navegou do mar do Norte ao sul do Atlântico - até fazer sua primeira vítima um mês após o início da viagem, a pouco mais de 50 milhas do litoral de Pernambuco. Em 31 de setembro, o navio brasileiro Itatinga encontrou botes lotados de marinheiros ingleses - tripulantes do Clement, que viajava entre Nova York e Rio de Janeiro e fora afundado na véspera pelos alemães. Sem desfraldar a bandeira nazista, pintado de verde-escuro, ele se passara por navio mercante até o último segundo. Durante os três meses seguintes, sob camuflagens variadas, voltaria a aparecer e sumir diversas vezes no sul do Atlântico: afundou mais oito barcos mercantes sem matar um único inimigo.

Ao serem resgatados, os ingleses relataram o método cavalheiresco utilizado por Langsdorff. Com seus canhões apontados para o Clement, o capitão enviou um bote para trazer o comandante inglês a bordo do Graf Spee. O britânico foi recebido com um caloroso aperto de mãos. "Peço que me desculpe", disse-lhe Langsdorff, em inglês impecável. "Sinto muito, realmente, mas vou ter de afundar o seu navio".

Nascido em 1894, em Düsseldorf, Langsdorff havia servido como tenente na armada imperial do kaiser Guilherme II. Na Primeira Guerra, foi condecorado com a Cruz de Ferro. "De todas as forças armadas alemãs, a marinha era a mais tradicional e possuía, em enormes quantidades, oficiais que não eram ligados ao nazismo. Langsdorff não era filiado ao partido", diz o historiador militar Carlos Roberto Daróz, da Universidade do Sul de Santa Catarina. A bordo do Graf Spee, os prisioneiros ficavam soltos - desde que jurassem não tentar escapar nem sabotar os equipamentos. E costumavam ser desembarcados em segurança em algum porto neutro.
Ilustração: Marcos Rufino

Entre setembro e dezembro de 1939, o Alto Comando britânico empreendeu uma caça desesperada à embarcação alemã. Três encouraçados e 14 cruzadores foram enviados ao sul do Atlântico, em grupos separados, em busca do Graf Spee. Por três meses, o Graf Spee despistou os perseguidores, mas no dia 13 de dezembro, a 500 km da cidade uruguaia de Punta del Este, na boca do Rio da Prata, foi encurralado. Por volta das 6 horas, três cruzadores o cercaram. O navio foi alvejado 19 vezes e Langsdorff sofreu uma concussão craniana, ao ser atingido por estilhaços. Apesar dos danos, o capitão conseguiu conduzi-lo para dentro do Rio da Prata - e rumou para Montevidéu.

O Uruguai era uma nação neutra, mas seu governo não simpatizava com o Terceiro Reich. Quando o navio ancorou, milhares de pessoas acorreram às avenidas à beira-rio para avistá-lo - o Graf Spee ainda tinha munição suficiente para bombardear Montevidéu. Apesar do receio, o governo do Uruguai anunciou que concederia apenas 72 horas para que os alemães consertassem os danos no casco e enterrassem os 37 mortos na batalha contra os ingleses. Depois disso, o barco teria de zarpar. Circulavam boatos de que a Inglaterra enviara uma grande frota para vigiar a foz do Prata. Para Langsdorff, o estuário havia se transformado em um beco sem saída.

Langsdorff, além de ferido, estava exausto. Havia indícios de que começava a se desiludir com Hitler: no funeral dos marinheiros, foi a única autoridade que não fez a saudação nazista. No dia 18 de dezembro, o navio zarpou pela última vez. A 7 km da costa, o capitão ordenou que a tripulação abandonasse a embarcação. Depois, instalou cargas explosivas. Faltavam 10 minutos para as 21 horas quando uma labareda gigantesca lançou uma coluna de fumaça negra para o céu. Mais três explosões se seguiram. Em Montevidéu, jornalistas começaram a tagarelar afoitos para suas respectivas estações de rádio, enquanto o Graf Spee, destroçado por seu próprio capitão, desaparecia sob as águas do Prata.
Foto: Wikimedia Commons

Após esse desfecho digno de uma ópera de Wagner, a tripulação alemã buscou refúgio em Buenos Aires - alguns voltaram à Europa para continuar a guerra. Dois dias após afundar o Graf Spee, Langsdorff vestiu o uniforme e deitou em sua cama, no City Hotel, em Buenos Aires. Enrolou-se em uma bandeira - não a suástica nazista, mas a cruz negra, insígnia da antiga Frota de Alto-Mar da Alemanha Imperial. Então, deu um tiro na cabeça com sua pistola Mauser 7.65.

História da Antiguidade - as invasões bárbaras


Quase 2 mil anos antes da Idade Média, as civilizações do Mediterrâneo passaram por 4 séculos anos de decadência e obscuridade. A causa: bárbaros vindos de ninguém sabe onde

Séculos antes de se ouvir falar em Grécia e Roma, a civilização florescia no Mediterrâneo. Grandes impérios ocupavam a região, com domínio da escrita, exércitos organizados, estados bem estruturados, cidades fortificadas, luxuosos palácios e uma cultura sofisticada, com conquistas cada vez maiores nas artes, matemática e astronomia. O interior da Anatólia e o norte da Síria eram controlados pelo Império Hitita. No Egito, os faraós do Novo Império começaram a erigir os famosos templos de Luxor, Karnak e Abu Simbel. Onde hoje é a Grécia, havia uma confederação de reinos ricos e cidades fortificadas - a chamada civilização micênica. Mas, por volta de 1200 a.C., uma série de eventos catastróficos mudou para sempre a região. Escavações arqueológicas mostram que os grandes foram destruídos ou abandonados. O Império Hitita entrou em colapso e suas cidades foram destruídas e queimadas. 

Com rotas comerciais abandonadas, o comércio foi reduzido ao mínimo. A região na foz do Nilo foi atacada, bem como o Levante (a região que vai da Palestina até a Síria). O Egito sobreviveu, mas entrou em declínio. Culturas que antes erguiam monumentos e relatavam suas histórias por meio da escrita se tornaram sociedades de pastores e agricultores analfabetos. Não por acaso, o período de caos que se seguiu foi chamado pelos historiadores gregos da Antiguidade como Idade das Trevas. Os pesquisadores contemporâneos preferem chamar de Colapso da Idade do Bronze. O que teria acontecido?


Destruição vinda do mar 
Tudo o que se sabe é baseado em escritos encontrados em tabuletas de argila nas ruínas das cidades da Anatólia e da Síria e em monumentos e papiros do Egito. Diversos povos atacaram pelo norte e ficaram conhecidos como "os povos do mar" - termo que não era usado pelos antigos, mas foi criado em 1881 pelo egiptólogo francês Gaston Maspero. Quem eram esses invasores? "As evidências sobre os povos do mar são poucas, embora haja muitas teorias a seu respeito", afirma o historiador Marcos Davi Duarte da Cunha, do Núcleo de Estudos da Antiguidade da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Uma delas é que invasores do norte ou da Ásia Menor entraram na Anatólia e de lá seguiram para a costa da Síria, pilhando e queimando as cidades do continente e das ilhas até chegar ao Egito. Outros argumentam que eram povos sob jugo dos micênicos, que ganharam espaço para se rebelar após a guerra de Troia. 

As paredes do templo mortuário do faraó Ramsés III em Medinet Habu, perto de Luxor, são as mais antigas ilustrações conhecidas de cenas de batalhas navais contra os povos do mar. De acordo com essas inscrições, e também com os templos de Karnak e de papiros egípcios, alguns dos povos do mar já haviam servido como mercenários no exército de Ramsés II. Ao que parece, constituíam grupos isolados que migraram para a costa do Mediterrâneo, provavelmente como resultado da perda de colheitas e da fome mais ao norte, onde hoje é a Europa. Nos textos mais antigos, não pareciam representar grande ameaça: estavam acompanhados de suas famílias em carros de boi e se instalaram a oeste, perto da fronteira com a Líbia. 

Mas algo aconteceu no quinto ano do reinado do faraó Merneptah, entre 1236-1226 a.C. Esses povos, de cinco denominações diferentes, se aliaram aos líbios para atacar o Egito. Uma pedra de granito encontrada no templo de Merneptah, em Tebas, divide os povos do mar em cinco nações: Sherden, Lukka, Meshwesh, Teresh, Ekwesh e Shekelesh. As tentativas de identificação associam Ekwesh aos aqueus, ao que se sabe, um dos povos que deu origem à civilização grega clássica. Os Teresh tem relação com os tirrênios, supostos antepassados dos etruscos, da península itálica. Lukka seria um povo litorâneo da Anatólia. OS Sherden, possivelmente tem origem na ilha da Sardenha. Shekelesh viriam da Sicília e os Meshwesh, supõe-se, era uma tribo bérbere. Segundo os egípcios, os povos do mar provinham da Europa ou Ásia Menor, vindos tanto da terra como do mar. Tinham diferentes origens, apesar de serem retratados pelos egípcios com as mesmas características. As inscrições de Merneptah terminam com a vitória dos egípcios. 

Mais ou menos 30 anos depois da batalha, por volta de 1177 a.C., o faraó Ramsés III ordenou a construção de seu templo mortuário e residência em Tebas, em cujas paredes foram registrados os eventos bélicos que ocorreram na época. De acordo com essas inscrições, os povos do mar voltaram depois da primeira invasão, desta vez para atacar a costa da Anatólia, Síria, Palestina e a ilha de Chipre. 

Na sequência de destruição do Império Hitita, chegaram ao Egito por terra e por mar, sendo derrotados no delta do Nilo e no Levante. As inscrições dizem: "Os países estrangeiros fizeram uma conspiração em suas ilhas. Subitamente, as terras foram surpreendidas e dispersas em combate. Nenhum reino podia fazer frente a suas armas. Hatti, Kode, Karkemich, Arzaua e Alachia foram dizimadas". 

Terra arrasada 
Ainda segundo o que está em sua tumba, Ramsés III preparou uma armadilha, permitindo que os inimigos penetrassem nas águas rasas do Nilo. Então, as galeras de fundo chato do faraó encurralaram os invasores perto do delta, tornando-os presa fácil dos arqueiros que atiravam de terra. Os povos do mar não puderam reagir adequadamente porque dependiam de espadas e lanças, armas de curto alcance, mais adequadas ao combate corpo a corpo. Seus navios foram afundados e os sobreviventes, aprisionados. Os egípcios venceram, mas a mesma sorte não tiveram povos mediterrâneos, o que demonstram documentos hititas encontrados nas cidades de Ugarit, centro de uma grande rede de comércio que se estendia por toda a Síria, e Hattusa, a capital dos hititas. Hordas de invasores romperam as linhas de defesa e as fortificações do império e marcharam em direção das terras costeiras, destruindo ou subjugando os fenícios e outros povos cananeus, chegando enfim aos egípcios. 

Em seu livro The End of the Bronze Age: Changes in Warfare and the Catastrophe ca 1200 B.C.(O Fim da Idade do Bronze: Mudançasna Guerra e a Catástrofe, cerca de 1200 a.C., sem tradução), o historiador Robert Drew fala sobre as razões para o sucesso dos povos do mar por causa da estratégia de combate baseada em unidades de infantaria que rapidamente podiam se mover e mudar de contorno de acordo com a manobra inimiga. Se fosse um ataque de tropas a pé, a formação se fechava numa muralha de escudos e alvejava os adversários com suas lanças. Se o ataque viesse com auxílio de carros de combate, as unidades se posicionavam de forma que entrassem no meio delas, para serem atacadas pelos lados. Possuíam também armas perigosas forjadas com uma metalurgia avançada, nunca antes vista na região - o ferro. "Outro detalhe seria a tenacidade e capacidade de combate aliados à sua estatura possivelmente maior", diz Duarte da Cunha. "Ao passo que um guerreiro do mar possuiria possivelmente 1,80 m, em média, o soldado egípcio comum teria 1,60 m. Num combate corpo a corpo isso contava muito." 

Em pouco tempo, os povos do mar dominavam a área que ia da Anatólia até a Palestina, mas não deixaram quase nenhum vestígio. Não se sabe o que aconteceu com eles depois disso - simplesmente não há menção de suas andanças ou de integração às populações locais. A exceção foi na colonização de Canaã, onde os filisteus, apresentados nas figuras egípcias por capacetes com penachos, característicos dos grupos vindos de regiões do Mar Egeu, se fixaram com mulheres e crianças, fundando cidades como Gaza, Ashdod e Ashkelon. 

Vencedores ou derrotados, os impérios enfrentaram a anarquia e dissolução. A Idade das Trevas duraria até cerca de 750 a.C., quando a escrita volta a se tornar comum e ressurgem entidades políticas sólidas no Mediterrâneo - é aqui que começa a história da Grécia e Roma clássicas, e também a chamada Idade do Ferro - como os gregos chamavam a era em que viviam, caracterizada pelo uso do ferro em vez do bronze em armas e utensílios. Essa é a era das glórias de Grécia e Roma e dura até outros bárbaros destruírem tudo novamente, no início da Idade Média - também chamada de Idade das Trevas.